quinta-feira, maio 31, 2007

Retalhos do dia

A Primavera está aqui
pelas mãos da Lurdes, à esquerda, e da Rita, à direita (e dos seus alunos)
Posted by Picasa

No próximo Sábado
Três turmas do segundo ciclo, incluindo o nosso

6º. F
vão cantar a missa das 19 horas na Igreja Paroquial de Nova Oeiras, acompanhados das suas professoras de Educação Musical Isabel Hayden e Angelina Monteiro.
Eu vou lá estar!

Retalhos do dia

Hoje, na Escola
Logo pela manhã, pude apreciar um enorme cartaz de 3 metros de altura que a turma C do 9º. Ano fez com a sua Professora de Educação Visual, Rita Viana. Este cartaz ganhou um prémio nacional atribuído por uma organização que promove a criação artística em contexto escolar. Uma fantástica paráfrase da obra de Almada Negreiros. Isto é que é começar bem o dia.
ESPECTÁÁÁÁÁÁCULO!
Tenho de tirar uma fotografia para a colocar aqui!
VIVA o 9º. C!
VIVA A RITA!
P
I
M
!

Obrigada ao

Público
que publicou mais um texto meu, desta vez nas Cartas.

Efemérides

Walt Whitman, o poeta mais influente e inovador dos Estados Unidos, nasceu em Nova York em 31 de Maio de 1819. O poema que hoje aqui traduzo algo livremente,“When I Heard at the Close of the Day”, é uma espécie de soneto em verso livre; apesar de, formalmente, não ter catorze versos em pentâmetro jâmbico, tem um lirismo muito próximo do do soneto. As cenas da "lua cheia" e da "praia" são metáforas de relações pessoais e amorosas, em que o ritmo do verso traduz o movimento das ondas. A referência aos "aplausos do Capitólio" são uma provável menção à crítica favorável ao seu Leaves of Grass, em 1856. Aqui vai a minha leitura, que me perdoem os puristas.

Quando ouvi, ao final do dia

Quando ouvi, ao final do dia, ecos de aplausos
ao meu nome, no Capitólio,
ainda assim não foi
feliz para mim, a noite que se seguiu;
E quando festejei ou quando os realizei os meus planos
mesmo assim, não fui feliz;
Só mais tarde, no dia em que me ergui, matinal e saudável
E inalei , renovado e cantando, o hálito maduro do Outono
Quando a lua cheia, a oeste, empalideceu e se desvaneceu à
luz da manhã,
Quando vagueei nu e me banhei na praia,
rindo com as águas frias, ao nascer do sol,
Quando pensei no meu querido amigo, o meu amado,
Quase a chegar,
Oh, então senti-me feliz;
Então, cada fôlego foi mais doce,
Cada pão mais suculento
Com a beleza do dia que passou
E o seguinte chegou com igual alegria –
e com o próximo,
pelo fim da tarde, o meu amigo;
Naquela noite, quanto tudo estava calmo,
ouvi o marulhar contínuo das águas
lentas sobre as margens,
Ouvi o seu sussurro nas areias,
como que ecoando o meu júbilo
Porque o meu amado repousava comigo sob a mesma
Colcha nocturna e fria
Na placidez do luar de outono, seu rosto inclinado
sobre mim,
Seu braço pousando-me leve sobre o peito,
– naquela noite, sim
eu fui feliz.

(agora, é só ler a poesia com a minha música favorita, aqui à esquerda)

Não me pareceu bem
(a bem dizer, irritou-me)
O Sr. Engenheiro director do GAVE (de repente não me ocorre o apelido, creio que é Pinto) resolveu ir à televisão comentar as observações de um dirigente político acerca dos critérios de avaliação das provas de aferição. Do meu ponto de vista não o deveria ter feito, por várias ordens de razões:
1. Em princípio, um director de serviço de nível 1 não deve expor-se publicamente em justificações deste teor, de cada vez que um político não tem outro assunto mais mediático para aparecer em prime time.
2. Manifestamente, o Sr. Director do GAVE não é um especialista em avaliação (nem tem necessariamente que o ser - para explicações do teor que esta exigiria existem os técnicos e especialistas), uma vez que não foi capaz de explicar sucinta e cabalmente porque é que o referido político não tinha razão, nem sabe do que fala.
3. Uma ida à televisão só se justificaria para uma explicação de natureza técnica acerca dos critérios utilizados e, nesse caso, deveria ser dada pelo director do nível imediatamente abaixo. A ser assim, a intervenção teria uma natureza didáctica, no sentido de fazer entender ao grande público porque é que cada pergunta avalia uma dimensão e não outra. É inegável que o Sr. Director do GAVE é uma pessoa afável, com uma presença simpática, uma voz muito bem colocada mas, neste caso, não basta. A optar por uma vinda à televisão, a única postura adequada seria a de explicar porque é que as coisas são feitas de uma maneira e não de outra.
4. A intervenção mediática de um quadro directamente ligado à Sra. Ministra da Educação a tentar explicar, sem explicar nada, uma questão de natureza exclusivamente técnica só vai empolar e dar mais amplitude à intervenção de um político que, não percebendo nada de avaliação, bem podia dedicar-se a tentar perceber como pode alargar a sua clientela política.Ou como ter durabilidade, que é uma qualidade essencial em política, não?
Tudo isto é irritante, porque qualquer indívíduo com mais de quarenta anos que não sabe muito bem o que quer na vida, se quer gerir um partido, ser comentador, jornalista, colaborador de uma universidade pouco recomendável ou afim pode, levianamente, pôr em causa o estudo e o trabalho de pessoas que dedicam a sua vida a uma profissão. Tudo isto dá a impressão de um país - e de um ministério - à deriva, amador, inseguro, inconsequente, sem rumo nem horizonte.
(Meu Deus, que mais nos irá acontecer?)

Jovens hiperactivos
Como expliquei no post anterior dedicado a estas crianças, o SHDA (síndrome de hiperactividade e défice de atenção) manifesta-se por alterações em três áreas distintas:
área 1: dificuldades de atenção
área 2: hiperactividade
área 3: impulsividade
Relativamente à área 2, a hiperactividade, O DSM.IV refere os seguintes critérios de diagnóstico:
Critério A2a: Inquietação e frequente remexer na cadeira;
Critério A2b: Não permanecer adequadamente sentado;
Critério A2c: Correr ou subir excessivamente, quando é inadequado;
Critério A2d:Ter dificuldade em brincar ou ficar em silêncio em atividades de lazer;
Critério A2e:Frequentemente parecer estar "a todo vapor" ou excessivamente enérgico;
Critério A2f: Falar excessivamente.
A hiperactividade pode variar de acordo com o nível etário e de desenvolvimento e o diagnóstico deve ser cauteloso em crianças muito jovens.
Os bebés e crianças em idade pré-escolar que têm esta alteração diferem das crianças activas por estarem constantemente irrequietos e muito envolvidos com o meio ambiente; deslocam-se e movem-se muito, sobem e escalam móveis, correm constantemente e têm dificuldade em participar em actividades de grupo sedentárias, como ouvir uma história, durante o período pré-escolar.
Estes comportamentos prolongam-se na idade escolar mas, geralmente são menos intensos e frequentes que em idades mais precoces. É difícil sentá-los, remexem-se constantemente, parecem inquietos, batem com as mãos, balançam muito as pernas e os braços, levantam-se da mesa durante as refeições, ou enquanto vêem televisão ou fazem os deveres, falam muito, são mais ruidosos.
Na adolescência, as manifestações de hiperactividade podem materializar-se em sensações de inquietação e dificuldade em desenvolver actividades sendentárias.

quarta-feira, maio 30, 2007

But my words like silent raindrops fell,
And echoed
In the wells of silence
O silêncio também fala.
Até amanhã,
Idalina

terça-feira, maio 29, 2007

Mais um estardalhaço mediático por causa dos critérios de correcção da prova de aferição de Língua Portuguesa. Quanto a esta matéria temos de considerar dois aspectos:

1. Quando a prova se destina a devolver aos alunos, é evidente que todos os erros, seja qual for a sua natureza, têm de ser corrigidos. O facto de serem corrigidos não implica que esta correcção afecte a classificação. São dois aspectos distintos.

2. Nas perguntas exclusivamente dedicadas à compreensão, os erros de expressão, sendo corrigidos, não entram nos critérios de avaliação e classificação. E não entram porque, nessas perguntas, o que se está a avaliar não é a expressão escrita, mas a compreensão escrita. Se o professor corrector considerasse os erros de ortografia, estaria a introduzir um indicador que, naquelas perguntas concretas, não está a ser avaliado e, assim agindo, introduziria factores de erro na avaliação da compreensão escrita, isto é, o que estaria a avaliar seria, não os indicadores que aquelas perguntas visam, mas outros indicadores para os quais elas não foram gizadas.

Nos itens da segunda parte do teste, ao invés, o que está em avaliação é a expressão escrita. Aí, sim, todos os indicadores de expressão, tais como a ortografia, a pontuação, o vocabulário, a estrutura da frase, a organização das ideias estão em causa. Essas perguntas - e não outras - destinam-se exclusivamente a avaliar a expressão escrita.

A avaliação é dos mais importantes aspectos da instrução. Os critérios têm de ser claros, rigorosos, precisos. Uma prova de avaliação obedece a uma matriz, em que cada pergunta tem por objectivo avaliar uma dimensão específica - e não outras. Quando se avaliam alhos, não se avaliam bugalhos. O resto é feira e circo de quem quer, a propósito de tudo e de nada e a todo o custo, o estrelato mediático do prime time.

O meu espaço de acção privilegiado são as excepções - desafiam-me, provocam-me questionam-me, obrigam-me a ir buscar o melhor de mim mesma, a mobilizar todos os meus recursos, vivências e sofrimentos também. Embora eu seja uma "marrona", o sofrimento tem-me ensinado mais que os milhares de artigos de investigação que já "devorei".
Quando lido com uma criança problemática e, por via de regra, em grande sofrimento, equaciono, em primeiro lugar, como lidar com ela, como integro a família e todos os recursos a que possa lançar mão, para melhorar o seu comportamento pessoal e social e estabilizá-la emocionalmente.
Mas sou exigente quanto ao facto de as crianças terem de conhecer, compreender, aceitar, esforçar-se por exibir os padrões de comportamento razoáveis. Há que, passo a passo, estabelecer metas com consistência, preserverança e firmeza. Só assim a poderemos ajudar e conseguir que os seus pares a vejam como um indivívuo em construção e vão aceitando e integrando a sua diferença.

Como seleccionar os candidatos a à docência?
Os sistemas de acesso à docência têm como objectivo fundamental seleccionar os melhores candidatos ao exercício da profissão, aqueles que prometem vir a ser bons professores.
Por melhores candidatos ao exercício da função, parece ser pacífico considerar-se que, em termos gerais, devem ser os que associam competências científico-técnicas a qualidades humanas, designadamente a chamada vocação para ensinar.
Avaliar as competências científico-técnicas não apresenta grandes problemas. A questão crucial está em saber como avaliar as qualidades humanas, a chamada vocação.
Ora a vocação é um conceito com limites muito pouco precisos; além do mais, é também um conceito em constante construção. Pode até variar em função do nível etário dos futuros alunos.
Por outro lado, ao longo do nosso percurso de vida, as experiências vão moldando atitudes e comportamentos.
O problema essencial susbsiste: sem bons professores, para que serve a escolarização?
Se chegarmos a determinar as qualidades do bom professor, a questão seguinte que se coloca é saber como organizar a formação inicial, de modo a ajudar os candidatos a tornarem-se bons professores.
Dificilmente alguém terá quanto a esta missão uma resposta definitiva, mas podemos discutir um modelo geral de reflexão e de desenvolvimento, sobretudo em áreas de investigação emergentes, tais como a identidade e a missão profissional do docente.


O estudante hiperactivo


A síndrome de hiperactividade e défice de atenção envolve um conjunto de alterações do comportamento associadas a uma reduzida capacidade de atenção.
Esta alteração, também designada de hipercinética envolve manifestações de impulsividade e de desatenção.

Tratando-se de uma alteração neurocomportamental, as suas causas ainda não são bem conhecidas, mas é evidente uma influência genética, já que a síndrome ocorre com maior frequência entre irmãos e em famílias com antecedentes, predominantemente por via paterna. A ocorrência da síndrome é de 3 a 20% das crianças em idade escolar, com uma frequência 4 a 9 nove vezes superior nos rapazes.

Os sintomas
Os principais sintomas são:
1. Dificuldades de atenção
2. Hiperactividade
3. Impulsividade
No que diz respeito às dificuldades de atenção, o jovem tem de, pelo menos durante seis meses, exibir pelo menos seis dos seguintes sintomas, em grau de intensidade invulgar em jovens da sua idade e nível de inteligência:

  • Revela dificuldade de atenção a pormenores e manifesta descuido quando brinca ou trabalha;

  • Não completa tarefas ou não consegue prestar uma atenção continuada às tarefas ou brincadeiras;

  • Parece não ouvir o que lhe dizem;

  • Tem dificuldade em seguir instruções ou completar tarefas, que, contudo, não está associada a mau comportamento ou incompreensão das instruções;

  • É desorganizada nas suas brincadeiras ou tarefas;

  • Evita cumprir tarefas que exigem um esforço mental persistente;

  • Perde os seus objectos com facilidade;

  • Distrai-se facilmente;

  • Esquece-se facilmente do que tem de fazer.

segunda-feira, maio 28, 2007


Anselm Kiefer, Buch mit Flugeln, 1992-1994

Leituras
Nuno Júdice, As coisas mais simples, D. Quixote, 2007.

BALANÇO
Que fica de quem passa? Um eco de mágoa
ao ouvido da tarde? Uma pausa de palavras
na frase do instante? Uma interrupção de passos
a caminho da porta? Um sal de sentimento
no coração da amada? A vida esfarelada
numa dissipação de rumos? Ou um peso
de esquecimento na sombra da memória?

Mas quem passa não pensa no que fica,
se os passos o levam para onde espera
ficar; e se o seu destino é a passagem,
onde ficar é sair de onde não chegou a
habitar, é o tempo que o obriga a não olhar
para onde não há-de voltar, mesmo que aí
tenha deixado o que pensou consigo levar.

Náufrago sem ilha nem barco, ou
marinheiro preso ao porto, é ele o seu próprio
fim, como se a cada momento não soubesse
que não é dele o que leva, e só é dele o
que perde, como se o não o quisesse guardar,
para que chegue mais depressa, ao cair da noite,
a esse cais onde ninguém o irá esperar.

E repete, então, o que não devia fazer, para tudo
fazer de novo, como se tivesse de o fazer.

Leituras

Eduardo Lourenço sobre Eugénio de Andrade
In Paraíso sem mediação, Edições ASA, 2007, p. 45

“OIRO E MELANCOLIA (Sobre Ostinato Rigore)
Um corpo não é casa da tristeza
e eu sempre pousei à entrada
da pedra do verão
Matéria Solar

Na secular tradição lírica portuguesa, toda penetrada do gosto da tristeza e da melancolia, a solar poesia de Eugénio de Andrade parecerá uma excepção. Excepcional o parecerá também pelo seu culto da brevidade, pela sua poética do instante que a palavra deve recolher na forma mais exacta e luminosa. Se se pudesse combinar numa única versão a música tendencialmente silenciosa da poesia de Juan Ramón Jiménez e a claridade ofuscante de Jorge Guillén, não nos sentiríamos tão lusitanamente desorientados diante do autor de Ostinato Rigore. Nem o nosso visceral conceptismo, nem a não menor tentação barroquista da nossa lírica são para Eugénio de Andrade a herança óbvia. Ao longo dos anos, como um anjo alheio a essa herança, Eugénio de Andrade construiu uma das mais transparentes moradas poéticas do nosso século fascinado pela exigência do entendimento confrontado com a opacidade do universo.
Talvez a essência e o milagre dessa singular transparência, que tomaram a poesia de Eugénio de Andrade ao mesmo tempo a mais refinada e a mais popular do nosso tempo português, se cifre toda no facto de ser, na medida em que isso é possível, uma poesia sem sujeito. Poesia sem sujeito como o pode ser a do nosso contacto, impossivelmente inocente, com as realidades primordiais que nos inventam no acto em que as olhamos e nos devolvem sem mediação à nossa esquecida mas sempre presente condição celeste: a luz do sol, o fluir dos rios, o passar do vento, o ritmo das estações, a visão das árvores, o apelo dos frutos. Como se de um Alberto Caeiro, realmente novo Adão antes da culpa (da consciência) se tratasse, foi quase irresistível inscrever o poeta de As Mãos e os Frutos na arcádia do paganismo poético moderno. Na realidade, o seu espaço é um outro espaço. O paganismo foi um excesso de deuses e em Eugénio de Andrade nem há deuses, nem excessos. São as coisas mesmas que modulam a música com que as fala para as deixar intactas no seu original e inviolável silêncio de coisas. Nenhum poeta como Eugénio de Andrade escreveu uma poesia de tal modo conivente com as figuras que lha sugerem e o obrigam a cantá-las, como se tudo estivesse certo no universo e só nós, no fundo, estivéssemos a mais, como Sartre gostava de pensar. “

domingo, maio 27, 2007

Grupo Cantares de Évora Coral Etnográfico




O Alentejo entrou na minha vida com o amor. Entraram primeiro as pessoas, depois a paisagem, aquele ar lavado e frio das manhãs de Inverno, os aromas da Primavera, os campos de trigo e de esteva a celebrar o Verão. Um céu de um azul irremediavelmente inimitável. E as anedotas, portadoras de uma filosofia muito própria, que o meu marido consubstancia no princípio:

- Dêxós pôsári... (ódexpôx apanhãosámão...)

É o princípio do homem que observa, com calma, distanciamento, tolerância, quiçá com um cinismo afável, uma ironia morna, a realidade à sua volta e, só depois de uma contemplação, de uma observação distanciada e serena, actua com prudência e ponderação.

Nada disto pode ser confundido com falta de energia ou passividade.

O Alentejo convida à contemplação: nos dias quentes de Verão, uma sombra rara, os rumores da terra e dos bichos pequenos remetem-nos para o mistério da vida e da existência. As noites ardentes, estreladas, amplas, reforçam o sentimento de si, a comunhão com esse espaço imenso e mágico, a pequenez humana perante esse universo exponencial.

Poucos, no nosso país, entenderam a especificidade do potencial do Alentejo e do seu povo brando. Com isso, têm vindo a ganhar espanhóis, alemães, holandeses, belgas e outros europeus, que o olham de um modo limpo e despreconceituado, lhe sabem apreciar as qualidades, e são, desse modo, capazes de o entender - e rentabilizar -, nas suas mais diversas vertentes, mesmo em termos de potencial económico.

Considerar o Alentejo como um deserto é demonstrar uma ignorância imensa, porque, mesmo que o fosse, haveria sempre que ter em conta e a capacidade de aprender com o que alguns povos fizeram com os seus (esses, sim) desertos.

Um país pequeno não pode sequer dar-se ao luxo de ter da sua margem sul uma visão tão limitada e tosca. O preconceito é a maior de todas as ignorâncias.

(A seguir: alguns, apenas alguns, alentejanos ilustres e outras coisas que só no Alentejo)




Luísa Todi


Luisa Todi nasceu em Setúbal, em 1753; foi a meio-soprano portuguesa mais célebre de todos os tempos; começou pelo teatro musicado aos catorze anos, no Teatro do Conde de Soure, em "Tartufo", de Molière.

No dizer do Prof. Mário Moreau “ Luísa Todi foi, porventura , a primeira artista que soube compreender e transpor a distância que existe entre o cantor que apenas possui excelente técnica vocal e aquele que se sabe servir dessa técnica como meio de expressão”.

Sebastião da Gama


Sebastião da Gama, professor. Nasceu em Azeitão, em 1924 e faleceu precocemente, em 1952.
Homem e profissional de grande dimensão humana foi, entre nós, um dos expoentes da reflexividade docente, consubstanciada no seu Diário, publicado pela primeira vez em 1958.
A sua escrita era simples, clara e luminosa.

Um dos seus poemas:


Pequeno poema


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.


Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...

Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.


Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.


As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...


Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...


Manuel Maria Barbosa du Bocage


Lídimo representante do arcadismo português (e um grandessíssimo malandreco...), Manuel Maria de Barbosa l´Hedois Du Bocage nasceu em Setúbal, em 1765, vindo a falecer em Lisboa, em 1805; a sua influência na literatura do Século XIX foi forte, já que se enquadra num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico.
Um dos seus sonetos:
Proposição das rimas do poeta
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores:
Vede-as com mágoa, vede-as com piedade,
Que elas buscam piedade, e não louvores:
Ponderai da Fortuna a variedade
Nos meus suspiros, lágrimas e amores;
Notai dos males seus a imensidade,
A curta duração de seus favores:
E se entre versos mil de sentimento
Encontrardes alguns cuja aparência
Indique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violência
Escritos pela mão do Fingimento,
Cantados pela voz da Dependência.

Lago das Tágides, passeio das Tágides, em Lisboa

João Pires Cutileiro nasceu em Lisboa, mas a sua mãe era natural de Pavia, no Alto Alentejo e foi viver para Évora, onde conheceu o eborense José Cutileiro, seu futuro esposo. João é o segundo de três filhos do casal.

A primeira exposição individual de Cutileiro, ocorreu em 1951, quando o escultor tinha apenas 14 anos, em Reguengos de Monsaraz (Alto Alentejo), numa loja de máquinas de costura.

O pecado da gula, com sotaque alentejano
(Ai, meu Deus!!! agora, só depois de "descongelada" é que posso voltar ao Fialho)

Francisco de Mello Breyner,
Conde de Ficalho
(1837-1903, na foto, o segundo a contar da esquerda)


Nasceu em Lisboa, mas as suas raízes estavam em Serpa. Foi historiador da botânica em Portugal, escreveu uma biografia de Garcia de Orta e outra de Pêro da Covilhã. Foi também ficcionista, distinguindo-se com a obra Uma eleição perdida, que contém a novela do mesmo nome e alguns contos regionais de ambiente alentejano. Um excerto de um dos seus escritos:


"O caminho, trilhado pelos carros sobre as terras lavradas, subia docemente para a ermida caiada. De vez em quando, via-se lá no alto uma nuvenzinha branca, formada no céu azul; e, instantes depois, ouvia-se estalar um foguete. Aos lados, os campos estendiam-se a perder de vista em ondulações quase insensíveis, amarelando no tom claro dos restolhos, brutamente feridos pelo sol de Julho, que inundava tudo. Apenas, de longe em longe, algumas oliveiras enfezadas punham sobre o caminho poeirento estreitas nesgas de sombra. E a sombra magra, ténue, caindo da árvore pálida, onde as cigarras entoavam o seu hino ao calor; a sombrazita leve parecia ainda mais quente do que o resto.
Mas, apesar do calor, a estrada ia já cheia de gente. As moças do povo, muito sécias nos seus lenços novos puxados à testa, nos seus vestidos de chita clara, que faziam parecer mais negras as suas mãos queimadas, caminhavam num passo firme, indiferentes à torreira do sol, como quem ceifou na véspera, e tem de ceifar no dia seguinte. E, atrás das moças, mais rudes, mais lorpas do que elas, levados pelo beiço, iam os rapagões de trabalho, afogueados, quentes também por dentro com alguns quartilhos de vinho, os chapéus na nuca, e as largas cintas vermelhas, as mangas brancas das camisas, reluzindo na luz intensa.
Um cocheiro gritou aos grupos, que se afastaram, saindo para o restolho, deixando passar a carruagem. Alguns homens levaram a mão ao chapéu, lentamente, de má vontade. Era a caleche do Sr. João Cardoso, o rico, que ia à festa ver as moças, com o delegado e o José Carlos da botica.
Atrás da carruagem, no passo mais lento das mulas velhas, vinha agora um carro alentejano, sem toldo, trazendo dentro um ramalhete de sorrisos frescos, de saias claras e refesteladas, de lenços ganidos, azuis como a flor do almeirão, escarlates como as papoilas, amarelos como os malmequeres – todas as cores fortes do meio-dia, faiscando na luz meridional. Vinham ali a Josefa Vila Verde, e as duas Lameças, e a Chica Sirgueira, e a Anica do Gorro, e, atrás, no pior lugar, a Rita Camacha – porque o carro era dela, e a rapariga, ufana da sua superioridade, fazia as honras às amigas.
Eram bonitos de lei, os vinte anos da Rita Camacha. No seu narizito um pouco levantado, e na sua boca graciosa brilhava ainda um sorriso alegre de criança; mas os cabelos pretos, pesados, e os olhos grandes, de um tom castanho, a que os laivos verdes davam transparências fundas de ágata, modificavam-lhe a expressão, tornando-a mais mulher, involuntariamente provocante. E o que havia de singular naqueles olhos da Rita, eram as pestanas negras e bastas, tão negras e tão bastas, que os olhos pareciam pintados, artisticamente feitos a lápis preto por uma actriz francesa."



Nisa, Olaria e Bordados


Garcia de Resende

(1470-1536)

Nasceu e faleceu em Évora; foi poeta, cronista, músico e arquitecto, um verdadeiro homem do renascimento.

Foi secretário particular daquele que eu considero o nosso maior rei: D. João II; foi secretário-tesoureiro da faustosa embaixada de D. Manuel I ao papa Leão X.

As suas trovas sobre Inês de Castro são o documento poético mais antigo sobre a infeliz rainha.

Registou curiosíssimos acontecimentos nacionais e europeus na sua Miscelânea, escrita em redondilhas. Reuniu no Cancioneiro Geral as composições poéticas produzidas durante o reinado de D. Afonso V.
(Na imagem: Janela renascentista da casa de Garcia de Resende, em Évora)

Uma das mais belas canções do cancioneiro popular português

Eu hei-de amar uma pedra

Letra e música: popular alentejana
Intérpretes:Vitorino e Janita Salomé


Eu hei-de amar uma pedra
deixar o teu coração
uma pedra sempre é mais firme
tu és falsa e sem razão

Tu és falsa e sem razão
eu hei-de amar uma pedra
eu hei-de amar uma pedra
deixar o teu coração

Quando eu estava de abalada
meu amor para te ver
armou-se uma trovada
mais tarde deu em chover

Mais tarde deu em chover
sem fazer frio nem nada
meu amor para te ver
quando eu estava de abalada

Dórdio Gomes
(1890-1976)
Natural de Arraiolos, Simão César Dordio Gomes estuda na Escola de Belas-Artes de Lisboa, é bolseiro em Paris em 1910 e, novamente, em 1921; esta última estadia (permite-lhe percorrer a Suíça, a Bélgica, a Holanda e a Espanha) é decisiva na sua obra, imprimindo-lhe um cunho moderno. É desta altura que data uma das suas obras mais célebres, presente na colecção do Museu: Casas de Malakoff. Dordio Gomes é um dos 5 Independentes, grupo de pintores e escultores -residentes em França -, que, em 1923, expõem na SNBA, declarando-se «independentes de tudo e de todos». A exposição abana o meio artístico, sendo considerada «a primeira manifestação modernista dos anos 20».

Consulta: http://www.mnsr-ipmuseus.pt/biografias/dordiogomes.html, em 27 de Maio de 2007.

José Luís Peixoto

Nasceu em 1974, em Galveias, concelho de Ponte de Sôr (Portalegre). O jovem escritor meu favorito.

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era
a tua a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

Manuel Dias da Fonseca nasceu em Santiago do Cacém, em 1911, mas cedo veio para Lisboa, onde iniciaria a sua actividade literária.
Poeta, romancista, contista e cronista, toda a sua obra é atravessada pelo Alentejo e o seu povo.
Manuel da Fonseca foi um dos maiores escritores do neo-realismo literário português. Fez parte do grupo do Novo Cancioneiro e através da sua arte teve uma intervenção social e política muito importante, retratando o povo, a sua vida, as suas misérias e as suas riquezas, exaltando-o e, mesmo, mitificando-o.
Da sua obra como poeta destacam-se Rosa dos Ventos (1940) e Planície (1941). "A publicação de "Rosa dos Ventos" em 1940, altura em que o neo-realismo na poesia não conseguira ultrapassar a inconsistência de algumas tentativas exploratórias, veio viabilizar uma alternativa ao presencismo dominante". "A sua poesia propor-se-á como oralidade dramática, pela qual a enunciação é delegada num vasto friso de personagens que assim conquistam finalmente a sua voz, no que é afinal uma reparação feita a todos aqueles a quem a História interditara a voz, relegando-os para a esfera do não-dito - e daí a oralidade desta poesia, tão devedora no tom e nas formas poéticas de tradições maioritariamente populares, isto é, não cultas. É esta, pois, uma poesia em que o realismo se declina em termos históricos e, sobretudo, materialistas, pela forma como se enraíza na concretude de personagens e situações." (Osvaldo Silvestre, 1996)
Da sua obra como romancista destacam-se Cerromaior (1943) e Seara do Vento (1958), duas das obras que melhor representam o neo-realismo português.
Contos, escreveu vários, Aldeia Nova (1942), O Fogo e as Cinzas (1951), Um Anjo no Trapézio (1968) e Tempo de Solidão (1973) são os principais.
A obra de Manuel da Fonseca "acaba por realizar (...) o destino interventivo que desejou. De tal modo que não é possível estudá-la hoje à margem da mitologia revolucionária de que se alimentou, por longas décadas, a resistência ao regime, mitologia para a qual, afinal, contribuiu decisivamente. De certo modo poderíamos mesmo dizer que a sua obra coloca, como nenhuma outra, a questão da mitologia neo-realista - assim como a do neo-realismo enquanto mitologia." (Osvaldo Silvestre, 1996)
Manuel da Fonseca morreu em 1993.


Adaptado de:

Poema da Menina Tonta (Manuel da Fonseca)

(pintura de Dórdio Gomes)

A menina tonta passa metade do dia
a namorar quem passa na rua,
que a outra metade fica pra namorar-se ao espelho.


A menina tonta tem olhos de retrós preto,
cabelos de linha de bordar,
e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.



A menina tonta tem vestidos de seda e sapatos de seda,
é toda fria, fria como a seda:
as olheiras postiças de crepe amarrotado,
as mãos viúvas entre flores emurchecidas,
caídas da janela,
desfolham pétalas de papel...


No passeio em frente estão os namorados
com os olhos cansados de esperar
com os braços cansados de acenar
com a boca cansada de pedir...


A menina tonta tem coração sem corda
a boca sem desejos
os olhos sem luz...

E os namorados cansados de namorar...
Eles não sabem que a menina tonta
tem a cabeça cheia de farelos.


Joaquina Sebastião, deputada


"Quando muito, o capitalismo neoliberal, confrontado com as movimentações dos pobres, admite, por se sentir ameaçado, alguma atenção às políticas sociais que não belisquem o seu poder, a sua riqueza, a sua consideração.
E chega-se até ao despudor de responsabilizar os excluídos pela sua própria exclusão. A ideia de que podem superar por eles mesmos a pobreza está bem expresso no uso e abuso, nos textos internacionais da noção de empowerment.
Sem se Ter em conta a precaridade intelectual e psicológica das pessoas que vivem na pobreza. Como acentuou o Prémio Nobel de Economia Amartya Sem. Mas não se atiram para o caixote do lixo da história, que é onde irão parar, as políticas que causam a exclusão e que cavam um imenso fosso entre pobres e ricos. A sacralização do mercado. Os programas de ajustamentos estruturais do FMI e também do BM. A dívida sempre crescente dos países mais pobres. Os paraísos fiscais.
Os pobres e excluídos que se manifestam contra a pobreza, exigem outras políticas. Que combatam as desigualdades.
Porque a pobreza não radica em qualquer ordem natural. Porque não há uma ordem natural. Apenas a marcha dos seres humanos para um outro mundo.
Porque um outro mundo é possível."


Declaração Política sobre a pobreza, 19 Outubro 2000
Imagem: recolha da cortiça, Blog Abrupto

Bordadeira e tapete de arraiolos


Vasco da Gama, grande navegador e explorador português. Nasceu em Sines, em 1469.

Catarina Eufémia
Catarina Efigénia Sabino Eufémia (nascida a 13 de Fevereiro de 1928 — morta a tiro a 19 de Maio de 1954) foi uma ceifeira alentejana analfabeta que, na sequência de uma greve de assalariadas rurais, foi assassinada, aos 26 anos, pelo tenente Carrajola da GNR em Monte do Olival, Baleizão, perto de Beja, Alentejo. Catarina tinha três filhos, um dos quais de oito meses, que estava no seu colo no momento em que foi baleada.
A história trágica de Catarina acabou por personificar a resistência ao regime salazarista, sendo adoptada pelo PCP como ícone da resistência no Alentejo. Sophia de Mello Breyner, Carlos Aboim Inglez, Eduardo Valente da Fonseca, Francisco Miguel Duarte, José Carlos Ary dos Santos, Maria Luísa Vilão Palma e António Vicente Campinas dedicaram-lhe poemas. O poema de Vicente Campinas "Cantar Alentejano" foi musicado por Zeca Afonso no álbum "Cantigas de Maio" editado no Natal de 1971. (clique aqui para ouvir um trecho dessa canção).
in Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Catarina_Euf%C3%A9mia, consultado em 27Maio2007.

Já agora...
Passe também pelo blogue de Júlia Galego. Preste atenção ao título: Entre Tejo e Odiana.Lindo, não é?!?

Álvaro Pires de Évora, pintor

Pouco se sabe sobre a vida do pintor, sendo desconhecidas tanto a sua data de nascimento, como de morte. A cronologia conhecida do “corpus” da sua obra situa-o no Século XV.

Brito Camacho

Manuel de Brito Camacho, nasceu em Aljustrel no ano de 1862. Médico militar, político e escritor,tribuno prestigiado, director do jornal A Luta, que teve um papel relevante na difusão do pensamento republicano. Orador exímio, mordaz, com um humor muito típico. Um dia, na Câmara, alguém lhe fez notar que o seu velho chapéu de palha era indigno da sua condição, ao que retorquiu prontamente:


"Se a palha fosse nova, já m’a tinham comido".
(leia com sotaque da planície e verifique como fica gostoso)

Exerceu uma acção diplomática de relevo em Moçambique, como Alto Comissário; conta-se que, nas recepções, havia grande tendência para o tema da caça, onde cada um contava as suas façanhas e actos de bravura.
Um dia, num jantar de grande cerimónia, Brito Camacho achou que era demais e resolveu contar, ele mesmo, a sua história de caça:

"A respeito de aventuras de caça, que tenho verificado são do gosto de V. Ex.as, vou relatar-vos uma, cuja descrição acabo de receber de um amigo que é caçador em Angola.
Este meu amigo, nas suas caçadas, costuma acampar durante alguns dias e, a partir deste seu pequeno quartel, procura o leão que é a sua caça predilecta. Recentemente, aconteceu-lhe uma situação difícil, nada desejável mesmo para o profissional que ele é. Em certa ocasião, surge-lhe um leão. E, em que local, meus senhores? Exactamente entre ele e a tenda, onde tinha, lamentavelmente, deixado a sua arma. Sente que o leão prepara o salto para o apanhar. Que fazer? Numa fracção de segundo imagina uma solução. Saltar em direcção à tenda ao mesmo tempo que o leão o fizer em sua direcção. Não vê outra saída. Executa.
O leão saltou, mas saltou de mais e, assim, ao chegar ao chão não encontrou, naturalmente, o meu amigo, que logo entrou na barraca e pegou na espingarda decidido a liquidar o leão. Este, talvez um pouco desmoralizado, desapareceu na selva."


Brito Camacho fez uma pausa. Ninguém achou grande graça à história. Então ele continuou:
"Não, meus caros senhores, a aventura ainda não terminou. O inesperado, está para vir. De facto, no dia seguinte, o meu amigo caçador, com a arma que nunca mais abandonou, ouviu, não muito longe do acampamento, umas pancadas estranhas. Aproximou-se, com toda a cautela, do local donde vinha o barulho. Atravessou uma densa vegetação e, às tantas depara com um descampado. E sabem V. Ex.as o que viu? Nem vão acreditar: o leão estava a treinar-se em saltos curtos"!


Parece que esta foi a última história de caça nos salões ultramarinos.


BENTO DE JESUS CARAÇA
Matemático, professor, político: 1901- 1948, natural de Vila Viçosa
A cultura é assim simultaneamente um meio e um fim. (1931)


O NINHO DE ÁGUIA
(Fialho de Almeida, 1857 - 1911,Vila de Frades, concelho da Vidigueira)


Na tarde anterior dirigia-me ao momento, caía a noite. Uma contemplação profunda fazia-se em torno e o campo adormecia. Sobre as árvores, o céu côncavo tinha laivos rosa, como sorrisos de bocas que exalam o último adeus. Por entre os caules seculares dos azinhais e carvalheiras, uns acharoados de incêndio ardiam em apoteoses fúlgidas, sobre que os braços do arvoredo desenhavam em negro formas de estranhos esqueletos. Caíam a prumo, duma banda e outra, formas de granitos áridos, mostrando nos recôncavos e na profundeza lôbrega dos barrancos os primeiros fantasmas da noite, com os seus capuzes de sombra de derrubados na fronte, e um escorregamento de passadas misteriosas, como de ronda sinistra, que desemboca na quietidão de uma viela, no silêncio da noite velha. Ao centro do abismo a vereda serpenteava, corcovando a sua fita saibrenta entre aglomerações bruscas de basalto e grés vermelho, donde os matagais irrompiam como hirsutos cabelos de uma cabeça decepada. Sobre a vegetação agressiva dos espinheiros e zambujais uma linha de água corria, fazendo mergulhos tímidos de segredos trazidos de fraga em fraga – e essa queixa contínua e chorosa das gotas caindo manso acrescentava uma nota saliente à sinfonia em surdina dos vegetais adormecidos e dos ninhos em rumor. O montado começava dali a subir pelo irregular das colinas. Não podia enganar-me na marcha. Tinham-me dito – vais pela vereda, chegas ao cotovelo da rocha, à esquerda, sobes a encosta.
– É a última azinheira, tronco direito e vermelho, com a cortiça descascada. Leva corda para subires. Olhas para cima, aproximas-te sem fazer ruído, ouve – sem fazer ruído! dás com o ninho logo. Quando a noite se fecha, a águia chega, asas abertas, voo circular e gritinhos alegres de boa ménagère que volta com o dia ganho e um réptil no bico curvo, para os pequeninos esfomeados.

Início do conto O Ninho de Águia,

de Fialho de Almeida,(1857-1911);

nasceu em Vilar de Frades, Cuba, Alentejo.

Imagem de Santo António
Recolhida no sítio A IDENTIDADE CULTURAL ALENTEJANA,
www.anjef.com/identidadecultural02.htm, em 27 de Maio de 2007.

Charneca em Flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

Poema:Florbela Espanca
Pintura: Dórdio Gomes

MARGEM SUL (CANÇÃO PATULEIA)
Ó Alentejo dos pobres,

reino da desolação,
não sirvas quem te despreza,
é tua a tua nação.


Não vás a terras alheias
lançar sementes de morte.
É na terra do teu pão
que se joga a tua sorte.

Terra sangrenta de Serpa,
terra morena de Moura,
vilas de angústia em botão,
doce raiva em Baleizão.

Ó margem esquerda do Verão
mais quente de Portugal,
margem esquerda deste amor
feito de fome e de sal.

A foice dos teus ceifeiros
trago no peito gravada,
ó minha terra morena
como bandeira sonhada.

Terra sangrenta de Serpa,
terra morena de Moura,
vilas de angústia em botão,
doce raiva em Baleizão.

Pintor: Dórdio Gomes nasceu em Arraiolos.
Dórdio Gomes fixou com paixão as imagens da vida rude e difícil do povo alentejano.
Poema: Urbano Tavares Rodrigues
Música: Adriano Correia de Oliveira
Intérprete: Adriano Correia de Oliveira
(in "Margem Sul", Orfeu, 1967; "Obra Completa", Movieplay, 1994)

sábado, maio 26, 2007

Em relação ao post anterior, há ainda outras coisas, igualmente explicadas por José Gil, que se concretizam em factos como este:

O programa CRIE, em conjunto com a Malha Atlântica, vai promover um evento sobre comunidades virtuais de aprendizagem na plataforma moodle, tendo-me enviado, e ao Manuel Russo (espero...) convites para asistirmos. Acontece que somos nós ambos que temos estudos científicos sobre comunidades e fóruns on-line; no caso do Manuel Russo, a tese dele é justamente sobre uma comunidade de aprendizagem que ele criou com os seus alunos, que tem como base tecnológica a plataforma... moodle!
Não é engraçado?
Isto diverte-me.
E já agradeci o convite.
José Gil, no livro já citado, escreve assim, a páginas 91:

"Um dos exemplos cuja acção difusa e insinuante pode comprometer o trabalho de um grupo ou mesmo a marcha geral de zonas inteiras do trabalho social é a inveja.
Não sendo uma característica especialmente portuguesa (...) tem em Portugal um terreno de eleição. Por várias razões: porque o país continua a ser em muitos domínios uma sociedade fechada; porque, enquanto tal, o elemento pessoal e humano ainda pesa mais que a estrutura impessoal, sendo assim, os efeitos da inveja só indirectamente, através das pessoas, atingem a instituição e portanto raramente se descobre a relação entre causa e a consequência(...)"

Re-leituras

"Em Portugal, o nível de conhecimento geral é extremamente baixo. As razões, mais uma vez, são múltiplas, das quais destacamos a falta de uma comunidade científica que se imponha à comunidade em geral. O eco dos trabalhos académicos não ultrapassa os círculos especializados, não existindo planos mediadores que levem esses conhecimentos até ao homem comum (há que referir a pobreza dos programas dos média neste campo; assim como a baixa "taxa de aprendizagem" dos conhecimentos dispensados no ensino primário e secundário).

José Gil,
Portugal hoje, o medo de existir,
Lisboa: Relógio d'Água, 2004.
Algumas medidas simples podiam ser tomadas pelas Universidades, tais como terem um programa de divulgação da investigação que vai sendo produzida à comunidade. Pessoalmente, penso que só teriam a ganhar: na criação de uma atitude investigativa, de um espírito de aprendizagem ao longo da vida, em número de estudantes, em aprendizagem de comunicação da ciência, em espírito de serviço à comunidade, em geração de uma dinâmica de investigação que lhes falta.

sexta-feira, maio 25, 2007

Congelados Até 2010. Esperemos que belos, também. É sabido que Paul Newman sempre usou gelo para cuidar do rosto.

Miguel Pinto escreveu:

Escolas da montra

"Começo a ficar farto das escolas da montra. São aquelas escolas que presenteiam a inspecção, encarregados de educação e os novos professores com “bonitos” projectos educativos, projectos curriculares de escola e de turma, aqui e ali imponentes jardins relvados numa lógica, muito em voga hoje em dia, do culto da imagem. É o que eu chamo a ditadura do acessório. Depois de vermos uma montra tão bem recheada aumenta, naturalmente, a expectativa acerca da organização da escola. Ora, é aqui que começa o logro.(...) "
mmm... este post não podia ser mais actual; sei do que falas, Miguel, como sei do que falas, do culto da imagem, do "sucesso" inflaccionado, da terrorização dos professores que não encaixam em tanto artificialismo. É que, às vezes, os sinais confundem, mais não são que caricaturas de si próprios, é uma espécie de luz que não é oiro, mas uma espécie de purpurina, um manto diáfano sobre o lixo escondido debaixo do tapete.

O Grupo Parlamentar do PSD vai requerer a Fiscalização Sucessiva da Constitucionalidade do Estatuto da Carreira Docente.
Depois da Apreciação Parlamentar, requerida pelo PCP e da rejeição, por parte do Grupo Parlamentar do PS, das alterações apresentadas pelos PCP e PSD, esta é outra das iniciativas parlamentares que podem levar à alteração de aspectos importantes do ECD que, na opinião de diversos constitucionalistas, são de duvidosa constitucionalidade.
Jantei ontem com o constitucionalista Jorge Miranda que, justamente, partilha dessa opinião.

Arvo Pärt, Spiegel im spiegel


Re-leituras
Poesia alemã: Ludwig Uhland
Eu considero a língua alemã algo cortante para a poética, dada predominância de uma sonoridade de efeitos guturais e sibilantes. Às vezes, contudo…

Alfred Sisley, 1889

Frühlingsglaube

Die linden Lüfte sind erwacht,
Sie säuseln und weben Tag und Nacht,
Sie schaffen an allen Enden.
O frischer Duft, o neuer Klang!
Nun, armes Herze, sei nicht bang!
Nun muß sich alles, alles wenden.

Die Welt wird schöner mit jedem Tag,
Man weiß nicht, was noch werden mag,
Das Blühen will nicht enden.
Es blüht das fernste, tiefste Tal:
Nun, armes Herz, vergiß der Qual!
Nun muß sich alles, alles wenden.

A minha tradução um bocadinho livre:

Um credo na Primavera

Despertam no ar odores de tília
Erguem-se ventos serenos de noite
Lufadas e murmúrios de dia

Perfumes frescos, sons renovados
O meu coração não receia
O tempo da metamorfose.

O mundo torna-se mais luminoso
Sem que ninguém perceba
A natureza teima em desabrochar
Florescem vales longínquos e profundos
Esmorece a amargura e chega
O tempo da metamorfose.


(Re)-leituras
O Príncipe Feliz, de Oscar Wilde

"When I was alive and had a human heart," answered the statue, "I did not know what tears were, for I lived in the Palace of Sans- Souci, where sorrow is not allowed to enter. In the daytime I played with my companions in the garden, and in the evening I led the dance in the Great Hall. Round the garden ran a very lofty wall, but I never cared to ask what lay beyond it, everything about me was so beautiful. My courtiers called me the Happy Prince, and happy indeed I was, if pleasure be happiness. So I lived, and so I died. And now that I am dead they have set me up here so high that I can see all the ugliness and all the misery of my city, and though my heart is made of lead yet I cannot chose but weep."

A minha tradução:

“Quando eu era vivo e tinha um coração humano”, respondeu a estátua “ não sabia o que eram as lágrimas, vivia no Palácio dos Sem-Cuidados, onde o sofrimento não podia entrar. Durante o dia, brincava com os meus companheiros no jardim, à noite, dançava no átrio. À volta do jardim, erguia-se um muro muito alto, mas nunca cuidei de perguntar o que havia para além dele. Tudo na minha vida era maravilhoso, os cortesãos chamavam-me Príncipe Feliz e eu era realmente feliz, tanto quanto o prazer é sinónimo de felicidade. Assim vivi e assim morri. Agora que estou morto, puseram-me neste pedestal alto, de onde tenho de observar todo o sofrimento, toda a fealdade do mundo, de tal modo que, sendo o meu coração de chumbo, nada mais faço que chorar.”

Udo Rall, Desert Haze and Purple Sage, 1920-1980

"O que faz a beleza do deserto é saber que algures se esconde um poço."

Antoine de Saint-Exupery (1900-1944); escritor francês; tradução livre

quinta-feira, maio 24, 2007

Em louvor da Matemática

Euclid (1945), Max Ernst

Gostei da prova de aferição de Matemática do 6º. ano. Equilibrada nas diversas competências a avaliar, os alunos reagiram-lhe bem, parecendo-me, em simultâneo, suficientemente discriminativa.

Eu devo dizer que estou profundamente curiosa por saber quais os resultados destas provas de aferição: por saber se há correlação entre o sucesso ou insucesso a Matemática e a Língua Portuguesa, por saber o peso do género nos resultados, por conhecer a sua distribuição geográfica.
Em que medida estes resultados espelharão - ou não - um país assimétrico em termos de recursos e de oportunidades constitui a minha pergunta de eleição; saber o comportamento dos rapazes e das raparigas em cada uma das provas será interessante, saber se os resultados a Português e a Matemática estão ligados entre si, também. Fazer a tipologia do erro, particularmente na disciplina de Matemática e interpretá-la à luz das correntes pedagógicas em jogo, fascinante, desenhar configurações sistémicas, ensaiar a construção de modelizações analíticas, identificar associações privilegiadas, realizar uma abordagem relacional sobre as múltiplas variáveis, observar o posicionamento relativo dos vários grupos, proceder a quantificações múltiplas, desenvolver análises estruturais através de tratamentos estatísticos facilmente aplicáveis com software adequado serão várias das tarefas possíveis que nos iluminariam sobre o funcionamento do sistema, não apenas em termos quantitativos e descritivos.
Alguma vez teremos acesso a esses dados? Ou permanecerão para sempre - e como sempre - vedados à investigação?
Em suma, uma forma de estudar o peso das muitas variáveis no sucesso académico.

A mentira, a calúnia, a destruição de carácter já começaram nas Escolas e Agrupamentos, como consequência perversa das novas regras de avaliação de desempenho. A receita é simples: conta-se uma história completamente às avessas, em que o ofendido passa a ofensor e depois é só deixá-la "esquecida" nos computadores a que todos todos têm acesso. A partir daí o processo é moroso e é só para corredores de fundo, que os outros hão-de morrer na estrada, ao peso do lado pior da condição humana. Mas há aquelas evidências incontornáveis: quem habitualmente levanta a voz para, supostamente, exercer a autoridade, quem nunca o faz, documentação escrita em que a mentira e a calúnia passam a "lapsos", em que o que foi oralmente acordado passa a deixar de ter sido. As relações de confiança, a força do cometimento oral perderam-se. Paciência e determinação, é o que é preciso; e resistência psicológica para enfrentar um clima institucional que parecia já não ser possível; eu, que fui funcionária pública antes do 25 de Abril, nunca vivi nada assim.

quarta-feira, maio 23, 2007

Retalhos do dia...
Dia de formação em quadros interactivos.Bom, eu queria ser professora de Música, de Matemática, de História, de Educação Visual... (tudo isto para além do que já sou, claro). Agora, como voltar aos de sempre?!?

terça-feira, maio 22, 2007

Da Língua Portuguesa vê-se o mar

(Ceballos, El maruno)

«Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outras se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.» (1) (1) In “Conta-Corrente”, Vergílio Ferreira.

Retalhos do dia...

AS e eu

AS é uma rapariga do 9º. Ano, inteligente, com excelente verbalização, mas muito revoltada (ainda não sei porquê) contra a escola e os adultos que a povoam.
Um dia, quando fui fazer uma aula de substituição à sua turma, disse-me que os professores não gostavam de dar aulas de substituição e que ainda não tinha encontrado um professor que gostasse da sua profissão.
Encarei-a bem e perguntei-lhe:
- Que sinais vês em mim que te permitam concluir que eu não gosto de fazer aulas de substituição?
Olhou para mim, hesitou, tornou a olhar e respondeu:
- Para falar verdade, a professora parece-me diferente.
-“Diferente”?!? De que modo? O que queres dizer?
- Não sei…
- Também te parece que não gosto de ser professora?!?
- … Não…
- Eventualmente, quando dizes que ainda não conheceste nenhum professor que goste da profissão, não terás prestado bem atenção aos professores que tiveste, não os olhaste com olhos de ver…
- Talvez…
E continuámos a nossa argumentação.
Depois disso, quando me encontra, cumprimenta-me com afabilidade, mas encontra sempre um motivo para dizer mal da Escola, dos professores ou de algum funcionário.
Na sexta-feira passada estava particularmente verrinosa.
Enquanto a funcionária do bloco e eu comentávamos os acontecimentos da manhã, chegou-se a nós, entrou na conversa e, deliberadamente, humilhou, vexou, magoou a funcionária.
No fim-de-semana, dei por mim a pensar no caso e resolvi que a coisa não haveria de ficar por ali. Deixar passar um episódio em que uma jovem, à revelia de todos os valores que lhe são transmitidos, manifesta um preconceito tão acentuado pelas pessoas que têm menos instrução ( a ideia base do seu discurso era que quem não tem instrução não merece respeito) definitivamente não me parecia bem, pelo que entendi que haveria de ter uma conversa com ela, de modo a que a fizesse reflectir sobre o acontecimento. Não sendo minha aluna, não deixa de ser uma jovem em crescimento.
Na segunda-feira, apanhei-a mesmo ao fim do turno da manhã e desafiei-a sobre o assunto. Para ali estivemos a conversar um bom bocado, com ela a procurar resistir, num primeiro momento, a analisar os seus actos, o significado deles, a natureza das ideias que os informaram, as possíveis acções subsequentes.
A nossa conversa incidiu sobre deveres, direitos, o exercício da democracia, o respeito pelo outro, formas de melhorarmos e de crescermos individual e socialmente, o papel da humildade nesse processo.
Coloquei-lhe um desafio - um desafio de crescer, ser mais crítica, mais reflexiva, mais consciente de si e dos outros - acordámos, ao fim de uma negociação em que as suas resistências foram cedendo, devagar, como quem descasca um fruto no ponto crítico da maturação, que ela iria reconhecer, perante mim e a funcionária em causa, que fora inconveniente e desnecessariamente cruel com ela.
Temos encontro marcado para sexta-feira, no mesmo Bloco, à mesma hora.
AS vai fazer dentro em breve 16 anos, idade em que as questões de natureza ética ganham dimensão, importância e profundidade.
Independentemente da conflituosidade intergeracional, dificuldade que, bem gerida, se transforma numa oportunidade de diálogo e desafio profícuo, acredito que o ethos do adulto, isto é, a percepção do grau de credibilidade que o jovem lhe atribui, o grau de credibilidade da mensagem, do comunicador ou de ambos, influenciam significativamente o poder de persuasão e a sua eficácia.
A questão é saber como e até que ponto, em escolas grandes, em que as relações e os laços são mais frágeis, se pode estabelecer com um jovem uma comunicação significativa e autêntica.

segunda-feira, maio 21, 2007

Alunos surdos e provas de aferição
Houve uma pessoa que consultou o men blogue durante 20 minutos, depois de ter feito uma pesquisa por alunos surdos e provas de aferição.
Lamento tê-la desapontado, na medida em que a minha intervenção sobre o tema não passou de um apontamento jocoso.
Na verdade, a coisa fica mesmo séria depois das aplicações, em que os exames de Língua Portuguesa do 9º. ano me deixam uma indignação capaz de me provocar insónias.
Quanto à qualidade das provas de aferição do 6º. ano de Língua Portuguesa, a minha confiança é total.
Caso volte cá, caro(a) leitora(a), diga-me qual é a natureza da sua dúvida, nem que seja por mail.

domingo, maio 20, 2007

Que c'est triste Venise... e um poema de Cesário Verde:

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.

Combata a agressividade on-line:
Apague mensagens agressivas ou intolerantes!
Não escreva mensagens agressivas ou intolerantes!
Não divulgue mensagens agressivas ou intolerantes!






Declaração
Na minha caixa de correio electrónico amontoam-se depoimentos sobre o riso provenientes dos mais diversos sectores, designadamente, Kant, Richter, Shopenhauer, Spencer, Bergson, e até Darwin, o iconoclasta que contesta a teoria da Criação.
Interrompo aqui a publicação dos depoimentos por manifesta falta de tempo. É que tenho testes para corrigir e o documento de preparação das provas de aferição para estudar meticulosamente (afinal o que é que eu tenho de fazer às 9h45m? )
Francamente... Muito riso, pouco siso.

Um depoimento de Umberto Eco sobre o riso, recebido via fax:

“Claro que não. O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez de nossa carne. É o folguedo para o camponês, a licença para o embriagado, mesmo a igreja em sua sabedoria concedeu o momento da festa, do carnaval, da feira, essa ejaculação diurna que descarrega os humores e retém de outros desejos e de outras ambições... Mas desse modo o riso permanece coisa vil, defesa para os simples, mistério dessacralizado para a plebe. Dizia-o também o apóstolo, antes do que abrasar, casai-vos. Antes do que rebelar contra a ordem desejada por Deus, ride e deleitai-vos com vossas imundas paródias da ordem, no fim do pasto, após teres esvaziado os cântaros e os frascos. Elegei o rei dos tolos, perdei-vos na liturgia do asno e do porco, representai as vossas saturnais de cabeça para baixo... Mas aqui, aqui...” Jorge batia agora o dedo em cima da mesa, perto do livro que Guilherme tinha diante de si, “aqui a função do riso é invertida, elevada à arte, abrem-se-lhe as portas do mundo dos doutos. Faz dele objecto da filosofia, e de pérfida teologia...” (ECO, 2003: 454-455).

Montesquieu entra na discussão sobre o riso

Aquilo que eu tinha a dizer sobre o riso, já disse em 1768: no meu entender, o princípio moral do riso consiste em fazer “cócegas no amor próprio.”
Gostaria de explicitar que por amor-próprio não entendo o amor de nós mesmos, esse interesse pessoal que faz com que cada indivíduo cuide da sua conservação, mas o movimento presunçoso que nasce da comparação orgulhosa e da vaidade.
Em boa verdade,

“O amor próprio só é retido em nós pela presença do julgamento, que se lhe impõe, e por essa atenção séria de que o homem sensato deve ter de prestar contas a si mesmo dos movimentos de sua alma. Então o nosso orgulho está em estado de constrangimento e embaraço. Ele sofre, ele observa-se, ele não ousa ainda expandir-se em liberdade; mas a alegria, vindo perturbar o equilíbrio da razão, rompe ao mesmo tempo todos os obstáculos do amor- próprio. O espírito levanta então voo e abandona-se a essa libertinagem desenfreada, a essa petulância vizinha do insulto que determina o riso.”

Comentário: A visão de Montesquieu parece dar razão à Sra. DREN: a anedota foi uma manifestação de petulância muito próxima do insulto. Francamente... Cócegas, hein?!?

A teologia medieval vem à liça sobre o riso

Meus caros amigos, esse Aristóteles era um grande analfabeto: não são só os animais que não riem, os Deuses também não riem. Alguém encontra na Bíblia indícios de que Jesus tenha rido? Rir é uma ambiguidade da natureza humana, como afirmou Laurent Joubert no seu tratado:

"... a matéria risível penetra na alma através dos sentidos da audição e da visão e é prontamente transportada para o coração, sede das paixões, onde desencadeia um movimento próprio à paixão do riso, que se estende para o diafragma, o peito, a voz, a face, os membros, enfim, para o corpo todo."

Daqui resulta que o riso é um misto de alegria e tristeza, fisicamente acompanhado de contracções e dilatações, estas maiores que aquelas, porque, no riso, a alegria prevalece sobre a tristeza.
Uma coisa é certa: ninguém morre a rir, já que “a alternância de movimentos impede a perda ou a retenção fatal dos espíritos.”
Por outro lado, como se depreende do acima exposto, a manifestação psicofisiológica do riso encerra em si uma ambiguidade, na medida em que os extremos - alegria e tristeza - se aproximam.
Deus ordenou o riso ao homem, para fazer relaxar as rédeas do seu espírito, para limpar o seu sangue impuro, o impedir de ficar velho e o libertar do peso dos pensamentos e compromissos.
Hipótese: A Sra. DREN não é cristã.
(E esta, hein?!?)

Aristóteles exerce o direito do contraditório
(recebido via e-mail)

"Venho aqui recordar-vos que, nas anotações que fiz sobre o riso na minha Poética, e não tenho a culpa de que tenham perdido o 2º. Volume, cambada de incompetentes, afirmei peremptoriamente que:


O homem é o único animal que ri

O riso é, por isso, uma capacidade distintiva do ser humano e está ligada ao prazer e ao repouso.
Lembrem-se igualmente, ignorantes do Século XXI, que na minha Retórica, Livro III, propus uma caracterização gnosiológica do riso e expliquei que o riso pode surgir de uma expectativa frustrada, e o cómico é um recurso de oratória, como tantos outros que vocês, os infra-humanos do Século XXI, teimam em continuar a utilizar."
Comentário: percebe-se que a Sra. DREN também pode ser uma aristotélica, na medida em que, lá está, "o riso está ligado ao prazer e ao repouso", logo, onde entra serviço, o cognac fica à porta...

O riso, a infância e o prazer
No Filebo, os prazeres, como crianças, têm pouca inteligência (65d; cf. 14d).

Torna-se evidente que a Sra. DREN é uma platónica, em matéria de riso e de prazer.
O tema do riso foi tratado por Platão na República e, mais especificamente no seu diálogo Filebo, em que Sócrates e Filebo discutem o prazer e condenam o riso, esse vício que desvia o homem do caminho da razão e da luz.
Assim, a comédia é considerada um arte menor, por falar do que a alma humana tem de mais inferior e irracional, o prazer do riso um falso prazer, na medida em que nele se conjugam tristeza e alegria.
Quem se atrever a rir passará a eternidade n'A Caverna, sem direito à luz da sabedoria.
(Não digam que nos vos avisei...)

Subir na vida a pulso
A Senhora Directora Regional de Educação do Norte está determinada a não se poupar a esforços para subir na vida. Para tal, exige na sua Direcção um clima de trabalho sério, um clima de não perturbação do funcionamento do serviço, o que implica a proibição de piadolas sobre "aquela" (isto já é um procedimento de auto-censura) espécie de licenciatura.
Eu comecei a ser uma pessoa politicamente activa nas eleições de 1969, tinha então 17 anos. Antes disso, já ouvia contar as mais hilariantes anedotas acerca do Sr. Presidente Américo Tomaz, caracterizando a sua proverbial e incontornável lógica.
Das vezes que fui interrogada pela PIDE acerca de diversas ocorrências, designadamente quanto às minhas actividades como cooperativista ou de apoio domiciliário a activistas politicamente perigosos, nunca ninguém me perguntou se tinha ouvido anedotas acerca de qualquer figura política (as que corriam acerca de António Patrício eram de fazer chorar a calçada).
Pois bem, aquilo que é publicamente exigível é que a anedota seja do conhecimento de todos; não para avaliarmos o grau de acidez, nem para a caracterizarmos de acordo com a tipologia de Propp, mas para adoptar medidas concretas e urgentes.
Proponho:
1. Que se crie um movimento que exija a divulgação pública da anedota. Sabe-se que o povo Português está deprimido, descrente, vergado ao peso de dívidas e de impostos, e rir, como toda a gente sabe, é um excelente remédio anti-depressivo.
2. Que se gere um movimento colectivo a favor da promoção da Sra. DREN para um lugar europeu, daqueles em que os funcionários europeus se dividem em dois tipos: os que, no elevador, olham para cima e os que, no elevador, olham para baixo. Estou em crer que a ambição política da Sra. DREN a colocará na categoria dos que olham para cima, a menos que o seu evidente low profile lhe dirija o olhar para o lado oposto.
A questão essencial é, sem qualquer dúvida, saber se a anedota do Colega Charrua vale efectivamente todo este esforço colectivo. Nesse caso, poderá ser promovida a anedota do ano escolar 2006-2007, com evidente direito a um daqueles prémios da Sra. Ministra da Educação.
Contem!!! Mal posso esperar para avaliar!

sábado, maio 19, 2007

Retalhos da semana
Esta semana detectei no Bloco Administrativo 3 jovens, rapazes, com um comportamento visivelmente alterado. Quando lhes perguntei o que se passava com eles, responderam que outros rapazes lhes queriam bater e recusaram-se a sair do Bloco até que tocasse para a entrada.
Já por diversas vezes recolhi, no presente ano lectivo, indícios - e testemunhos - claros e evidentes de que, na Escola há alunos que perseguem, humilham, despojam outros dos seus haveres - dentro da Escola, ao portão, nas imediações.
E todavia, o documento emanado da Comissão de Disciplina do Conselho Pedagógico ignora esta evidência. Pois é necessário actuar, recolher todos os dados e informações relacionados com este fenómeno, tratá-los, de forma a alcançarmos resultados que se vejam.
Concomitantemente, haverá que estabelecer regras, de forma a que todos saibam que tais comportamentos não serão permitidos e, pelo contrário, estarão sujeitos a punições.
Não podemos adiar mais o problema ou fingir que ele não existe.

A distribuição das crianças com necessidades educativas especiais por várias escolas, em função das suas características e necessidades é um bom princípio.
Em termos lógicos, uma escola com uma tipologia arquitectónica plana deveria acolher jovens com dificuldades motoras, os meninos cegos e surdos deveriam concentrar-se por deficiência, numa escola, no sentido de lhes serem postos à disposição os equipamentos que facilitam a sua escolaridade. Além disso, e sobretudo no caso dos surdos que têm de recorrer à linguagem gestual, agrupá-los seria uma oportunidade de terem mais colegas com quem conversar e de não se sentirem tão isolados, como habitualmente tende a acontecer.
A distribuição equitativa e por especialidades facilitaria, quer em termos de organização, quer a integração destes meninos. Uma excessiva concentração numa só escola não é bom para eles, porque os recursos humanos não são suficientes para colmatar a falta de autonomia de diversas categorias. Numa escola em que há muitos meninos de ensino especial com alterações da área comportamental, designadamente na socialização, a aclimatação e o enquadramento destes meninos acaba por não ser feito com os necessários cuidados, daí resultando mais problemas que normalmente tendem a acabar em intervenções de carácter disciplinar ou em repetências, quando os níveis de ansiedade, de agressividade, de depressão ou de isolamento social atingem proporções altamente prejudiciais a um bom ajustamento destas crianças.