quinta-feira, dezembro 21, 2006

34 anos!
O nosso amor é mais velho e começou exactamente no dia em que Salazar morreu. Consumou-se de forma plena no dia do nosso casamento, em 21 de Dezembro de 1972. Como éramos jovens e irremediavelmente sem dinheiro. Casámos de forma simples e discreta. Hoje comemorámos o nosso casamento onde tudo nos une: em frente ao mar, no Guincho, com uma mantinha e o Sol a aquecer-nos. Encostei-me ao seu peito e dormi uma sesta, tranquila, descansada, em paz com a minha consciência.
Na verdade, o Jorge nunca se entusiasmou muito com a ideia de eu assumir a direcção dos serviços de avaliação do GAVE. Que prejudicava a minha qualidade de vida, dizia ele.
E de que maneira!

(o meu bisavô, Presidente da Junta em Sul, S. Pedro do Sul,
a sua esposa e três filhas. Maria, a professora, é a da esquerda)
Para que servem afinal as provas de aferição?


Nos termos da Lei, as provas de aferição são um instrumento de avaliação do sistema educativo.
Logicamente, os seus resultados deveriam ser devolvidos aos agrupamentos, que sobre eles reflectiriam e poriam em marcha, num processo de reflexão colectiva, os processos de melhoria que entendessem necessários e urgentes.
Parece que, no entender da actual tutela, as coisas não são bem assim: funciona-se numa lógica de devolução dos resultados das provas aos alunos e aos professores.
Isto é, através de uma base de dados gigantesca, presumivelmente bem construída - e isto seria comigo - estaríamos em condições de devolver a cada professor os resultados de cada um dos seus alunos nas provas de aferição.
Tudo isto, numa perpsectiva muito clean, muito séria de que os pais têm o direito de saber os resultados das provas dos seus rebentos. Foi nesta lógica que os nazis limparam o mundo de uns milhões de judeus.
Eu não sei mesmo para que serviriam os outros tipos de avaliação formativa e sumativa. Nesta lógica, as provas de aferição responderiam a todos os objectivos consignados nos vários tipos de avaliação. Feedback ao sistema, aos professores, aos pais e aos alunos. Para quê perder tempo com mais provas, então?
Não fosse aquela noticiazinha de que o Sr. Secretário de Estado havia anunciado que, em 2007 , irão encerrar cerca de 900 escolas de 1.º ciclo de todo o País, no âmbito do processo de reordenamento da rede escolar e eu entraria no jogo com uma capa de eficiência científica e tecnológica.
Ora, tal "reordenamento" - vocábulo muito clean - far-se-á à custa do encerramento de 900 escolas do primeiro ciclo e assentará em dois critérios: terem menos de 20 alunos e uma taxa de sucesso escolar inferior à média nacional ou possuírem menos de 10 alunos.
Ora, esta média nacional será obtida através das provas de aferição, com feedback palavra igualmente muito clean e polissémica aos respectivos professores.
Acontece que, na minha família, exitiram professores de primeiro ciclo durante as duas gerações anteriores à minha, isto é, desde a primeira república, a que aliás, o meu bisavô não aderiu. Mas não deixou de enviar uma das filhas para Viseu, para aprender a arte de ensinar.

Maria, a minha tia-avó, ensinou durante cerca de 50 anos, numa aldeia da Beira Alta, e numa "sala de aula" - chamemos-lhe assim, que com certos referentes a expressão também é muito clean - onde, no Inverno, se acendia a lareira para aquecer corpos e almas. Nessa altura, a minha tia-avó Maria tinha uns quarenta meninos na sala e era certamente uma Vygotskiana de truz, na aplicação do conceito da zona potencial de desenvolvimento, já que os mais velhos a coadjuvavam na alfabetização dos mais novos.
Na geração seguinte, foi a sua filha Aida, que durante mais de quarenta anos, alfabetizou milhares a eito. Daqueles que, mesmo no Inverno, iam descalços para a escola, estão a ver?!?
São histórias de família que nos ficam no código genético, quando mais não seja o moral, bem no modelo de Kohlberg.
E era agora eu que ia legitimar o feedback (ai como eu gosto de anglicismos very light!) de 900 lugares no quadro do primerio ciclo?!?

Além do mais, Maria, a minha tia-avó, tinha um narizinho que não enganava ninguém quanto à sua ascendência judaica pelo lado paterno...
Comigo, NÃO!

Legitimar a dispensa de 900 professores do 1º. Ciclo através das provas de aferição?
Não é para mim. Outros estarão prontos a executar o serviço tão bem ou melhor do que eu e a vender a alma por uma mão cheia de lentilhas.


"Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não. "

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, dezembro 03, 2006


O Júlio Pires tem razão em perguntar
E eu também quero saber o que é feito do Protocolo assinado entre o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde em 6 de Fevereiro último, cuja alínea f) da
Cláusula Segunda estabelece que ao primeiro outorgante, representado pela Ministra da Educação, cabe a: "f) Designação pelo órgão de gestão dos Agrupamentos/ Escolas de uma equipa, coordenada por um professor responsável pela área da promoção e educação para a saúde, que se articula com as estruturas de saúde escolar e a restante comunidade; ".
Basta de hipocrisia e de laxismo em matéria de educação sexual, que são uma mera manifestação do deixa-andar de há décadas. Na verdade, uma rapariga não deve sair da escolaridade obrigatória sem ter conhecimentos mínimos nesta matéria, superiormente definidos e levados à prática através da colaboração entre os Centros de Saúde e as Direccões Escolares. Educar uma mulher é educar a cidade.

nat
No Sétimo Dia
Folheio a publicação do Comissariado Geral doas Comemorações do V Centenário do nascimento de S. Francisco Xavier, que me foi oferecida pelo meu colega José Baptista, professor de Educação Moral e Religiosa Católica da minha Escola.
Amanhã vou ter que lha levar para que ele me faça uma dedicatória. Quem sabe se, na volatilidade dos dias, este encontro se esvai com o final do ano lectivo? Espero bem que não.
Já posso dizer que este encontro profissional e humano foi bastante feliz e que já está a dar frutos nos esforços, pensamentos e trabalhos partilhados.
Aprendi imenso sobre S. Francisco Xavier, a nobreza do seu carácter, a sua Santidade, a sua incansável dedicação.
Releio com delícia os textos do Padre-poeta Tolentino de Mendonça e registo que na figura do missionário Jesuíta se pronuncia " uma enfatização de valores com uma aguda e vigorosa actualidade: (...) a importância da abertura ao outro e das interdependências; a unidade dinâmica que se constrói, partindo da riquíssima diversidade do mundo e dos homens." Em vez de "homens" deveria ser "seres humanos", mas pronto, com o tempo a própria linguagem mostrará os seus sinais. Porque hoje é domingo, dia em que, à semelhança de Deus, dedicamos ao repouso, à contemplação e à reflexão sobre os trabalhos da semana.

sábado, dezembro 02, 2006


Memória

Um retrato, com fundo de paisagem beirã, áspero o granito, ar limpo e leve, menina-pequenina-com bibe branco de folhos e história-de-branca-de-neve-e-sete-anões bordada pela tia Maria Celeste, ladeada pelos avós maternos, fortalezas-guardiãs, anjos da guarda eternos.

terça-feira, novembro 28, 2006


Por dentro de nós


Um olhar que nunca nos enfrenta e se proteje de uma ameaça, de um temor; uma insegurança, uma angústia de solidão, uma parede, uma mão que se estende e nunca toca ou se deixa tocar. Este livro de Carlos Nunes Filipe sobre o autismo revela o outro lado do médico e que nele transparece em cada olhar e em cada gesto discreto, subtil e doce. Na nossa cultura são comuns os médicos que escrevem. No consultório do Dr. Carlos Nunes Filipe é o olhar atento à procura do sentido por descobrir ou ainda não dito que se reflecte nos retratos que tira, nos momentos raros, surpreendentes, indizíveis que procura.
Um momento suspenso, um gesto por concluir, uma forma que se reinventa, uma porta que se abre para a esperança ou para a comunicação.
Um livro que procura aproximar-nos, explicar-nos o tormento intraduzível de quem sofre de uma perturbação do espectro do autismo. Porque conhecer é amar, o povo diz; e amar é não desistir do ser amado.

domingo, novembro 26, 2006


Preparação da próxima semana
Imagino Jesus aqui e agora,
sentado ao meu lado,
abro-lhe o coração, conto-lhe tudo
e peço-lhe que me ajude a ver em cada um dos meus alunos
um reflexo da Sua imagem.



Amadeo


Este fim-de-semana a família desandou em peso (tirando o Mário, que preferiu o seu Benfica) para os lados da Gulbenkian e arrastou consigo a minha amiga Mi.
Não sei se foi o facto de eu ter nascido em 1952 que fez despoletar o reconhecimento da obra de Amadeo ou se é mesmo porque se terá entrado na era do Aquário.
A procissão do corpo de Deus, em Amarante intrigou-nos. À parte os dignitários religiosos e políticos, superintende, forte e altivo, o cavaleiro guerreiro S. Gonçalo; mas quem era aquela figura verde, algo maligna, sinistra, que, inopinada e inconvenientemente irrompe pela procissão, “desarmonizando” todo o cenário de dignidade e festa? Será o tal padre politica e etilicamente peçonhento?
Aquele quadro da tourada, aqui para nós, e às escondidas da Bá, filha da minha amiga Mi, que é toda anti-touradas OUVE-SE. Eu nunca fui a uma tourada mas, como toda a gente, já passei por elas na televisão. Eu consigo ouvir o resfolgar dos cavalos inquietos, a agitação da assistência “aficionada”, o frenesi dos cavaleiros e peões. À parte a Guernica, cuja sinestesia é arrebatadora, nunca tinha tido com outro quadro uma sensação sinestésica tão forte. Parafraseando Gomes Leal, as cores são vozes e as linhas sons. Todo o conjunto é claramente audível.
A influência das artes decorativas e dos trajes tradicionais portugueses e um certo sincretismo entre as influências árabe e bizantina na cultura portuguesa, despertadas pelo vigor do ballet russo da época que o pintor apreciou, estão eloquentemente representadas nas suas “bonecas”, que me fazem lembrar as bonecas de pano que a minha tia Celeste me fazia, quando eu era menina.
Há contudo ali um par de quadros, mais um trio, incluindo o dos barcos, à esquerda, que ficava divinalmente na minha sala. Ai… ai… Idálina (como me chamava o jovem brasileiro de Alencar, secretário de cultura que eu conheci em Itália e do qual a minha Inês resmungava que me bajulava) “’cê é qui tá ganhando pouco, né?” "Qui nada, pô! Tá é faltando parede!"

quinta-feira, novembro 23, 2006


(Re)Aproximações...

A moreninha do 9º. A fazia parte daquele grupinho que, depois do choque da aula de substituição, me fazia umas visitinhas à porta.
Outro dia, vi-a debaixo das árvores que cobrem o parque Sul a puxar do cigarrito com um grupinho, logo às 8 da manhã.
Não posso fazer a blague da sonolência matinal, que não tenho. Ela vem-me mais depois do almoço, quando paro para pensar na minha manhã e, tirando o cheiro a enxofre que vem da sala de professores, faço o balanço do meu trabalho com os meninos e agradeço a Deus a inspiração e a energia que me vai dando. A primeira observação ainda foi um pouco impessoal. À saída da última aula aula de 6ª. feira, poisei o leitor de CD's em cima da mesa da auxiliar e atirei: "Fumar mata!". E desandei.
Ontem, logo pela manhã não resisti. Posso falar contigo? Olhou-me surpresa e ficou expectante.
Olha, o meu pai e o meu irmão morreram ambos de cancro no pulmão e com a mesma idade. Tinham 34 anos. Sofreram de forma atroz. Da última vez que vi o meu pai vivo, tinha 8 anos, a parte mais larga da coxa media isto: e demarquei com as mãos uns doze centímetros. Peço-te por TUDO: pelo menos evita fumar logo de manhã... E procura restringir o número de cigarros por dia. Prometes? Olhei-a bem no meio dos olhos. Vou tentar, respondeu. Abracei-a e beijei-a: Tudo de bom para ti. E para si também.


Em todo o caso dava uma aguarela...

(Em torno do óleo s/ tela, Começando o dia, de Edmundo Cruz e de um poema de Cesário Verde)

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.


Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.


Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.


Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Um poeta e um pintor impressionistas. Cesário Verde poderá ser considerado o Pai da moderna poesia portuguesa e quando vi este quadro, ocorreu-me de imediato a sua poesia De Tarde, pela força com que a figura feminina irrompe do cenário rústico, pela energia com que carrega o cesto da roupa, pelos dourados reflexos do Sol, que evocam os damascos, o pão de ló molhado em malvasia, pelas formas generosas da jovem cujo decote, se fosse maior, faria naturalmente emergir os seios redondos, quais peitos de rola. É verdade que as papoulas surgem rubras num quadro à parte, o Papoilas, mas consigo imaginá-las colhidas, enfeitando o decote , depois da roupa estendida. Misturado com o da malvasia, as tonalidades do vestido evocam o odor da roupa lavada num tanque de pedra, à beira do qual cresce um arbusto de alfazema.

sábado, novembro 18, 2006





Conversas à esquina da aula

A colega directora de turma pediu-me que tivesse uma conversa com ele. O menino queixa-se de que lhe chamam macaco e tem complexos porque o pai é negro.
O jovem é um excelente exemplar do melhor que pode resultar de um cruzamento étnico. Alto, bem constituído, uma pele de um tom dourado que as melhores marcas de cosmética não conseguem imitar, cabelo castanho claro e olhos de um castanho amêndoa, onde apetece tirar férias de campo.
Percebi as razões da escolha da directora de turma: o meu ar negróide ajuda ao tema. A senhora é de Angola? São as perguntas mais directas, as mais subtis passam por referências a Cabo Verde à espera da minha reacção. Eu só digo, que para além das raízes ali para os lados dos montes Hermínios, passou por aqui tanta gente, que só Deus sabe (embora preferisse ter olhos verdes como outros da minha família).
No fim da aula chamo-o ao pátio interior:
-Olha lá, já olhaste bem para ti?
-Já… (responde com o seu ar fechado, sério e surpreso)
-E o que é que vês?
-…
- Eu vejo o rapaz mais bem parecido da turma! É que és mesmo bonito! (Esboça um sorriso).
- Alguém aqui te chama nomes?
- Chamam-me macaco.
-Quem?
- O ….
- E como é que vais passar a reagir?
-Não sei...
- ?!?!?
-Tenho que pensar.
O nomeado é muito pequeno e anda sempre aos pulos.
- Então e se lhe deres uma palmada nas costas, abrires um grande sorriso e responderes:
- Tudo bem… saguim?... Piolho eléctrico?... Varejeira?
Só lhe ensinei a usar do humor para lidar com uma situação adversa. Pelo menos ele abriu mais o sorriso e olhou de cima para baixo, satisfeito e divertido. Quanto ao resto, não me comprometam, porque eu nego. N-E-G-O!


Conversas à esquina da aula

Dizem que tem uma personalidade esquizóide.É um diagnóstico do foro médico e eu sou uma simples professora. O que eu vejo é um pré-adolescente sofredor, infeliz com o seu corpo, solitário (ele diz que é porque quer, mas quando a atenção se centra nele, os olhos brilham-lhe) e, previsivelmente, com o grande problema em enfrentar as frustrações próprias da idade e da condição.
Outro dia, disse-me em plena aula que era burro e eu respondi-lhe grosso que na minha aula ninguém chama burro a ninguém. "OUVIU BEM? E não me obrigue a levantar a voz, que eu preciso dela para cantar!"
De vez em quando faço-lhe uma espera, com as minhas saídas teatrais: saco de um espelho, coloco-lho bem à frente e atiro: "O que é que vês?"
Inteligente e com um sentido de humor refinado, olha-me de cima (literal e figuradamente), saca do seu próprio espelho (!!!) e diz: "Pareço eu." Isto promete. Insisto: "Vês um belo rapaz, é o que vês, não achas?" É daquelas evidências em que ele, mesmo que não queira, tem de concordar. Insisto: "Olha para o teu cabelo: é bonito?" "Acho que sim." Usa umas roupas muito largas e enfia um barrete grosso logo que sai de uma aula. "Com licença!", digo eu, tirando-lhe o barrete, dando uma volta por trás e escondendo-lho bem no fundo da mochila (vais ter que te mexer bem, se o quisres pôr...). "Excuse me!": componho-lhe a melena, endireito-lhe o casaco, ajeito-lhe a bolsa que usa à cintura, olho-o bem de frente e atiro " You DO look handsome!". Pronto, lá tenho de lhe explicar porque é que não posso chamar-lhe pretty: é que ele pode não gostar e é maior que eu...
Ó stôra, mas handsome é "mão-alguma", não é? (Queres conversa).
"Segue, segue, segue!" (Mando eu, agitando a mão como os Gatos Fedorentos).
"E quando chegar ao café do Barboja?", pergunta ele?
Queres conversa e eu já estou cheia de fome: "Amanhã, encontramo-nos no passeio marítimo, OK?"
"E se chover?", Pergunta.
Um dia de cada vez.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Presença de Deus
Já são onze e trinta e amanhã tenho aulas às 8. Erguer às 6.30. Preparo a oração que conduzirá o meu dia de amanhã, sexta-feira, 17 de Novembro:
Paro por um momento
e penso no amor e na graça
que Deus derrama sobre mim,
criando-me à sua imagem e semelhança,
tornando-me no seu templo.



Uma crónica do Filósofo José Gil
(Revista Visão de 9 de Novembro)
comentada, com o devido respeito

"O que impressiona nas intervenções mediáticas dos responsáveis do Ministério da Educação (ME), é a ausência total de uma palavra de apreço e incentivo para com os professores. (comentário: impressiona, choca e revolta, de tão contra-natura que é). Quando ela vem, parece forçada, demasiado geral, demonstrando uma incompreensão profunda pelas condições do exercício da profissão (resta saber, dos que foram professores, quem efectivamente exerceu e quais as habilitações que efectivamente tem). Os últimos rumores (verdadeiros) sobre as eventuais oito horas lectivas obrigatórias, mais o corte das “pausas” do Natal, Carnaval e Páscoa, provam que as autoridades encarregadas de conceberem a política educativa do nosso país não sabem – ou não querem saber- o que implica ser professor (sobre isso já escrevi que "lá se me vai a ferramenta") .Fica-se com a sensação de que o ME tem do professor a ideia de alguém que goza de privilégios imerecidos, que sobe “à balda” na carreira (alguns dos que por lá pululam parece que subiram mesmo, há que averiguar), que falta às aulas (às aulas e a outras obrigações de serviço público, como é público e notório) quanto pode, que se está nas tintas para o aluno (há lá no ME pelo menos um que está mesmo), que se esquiva o mais possível ao trabalho e ao esforço. O cúmulo deste intolerável estado de coisas é que usufruíria – como se faz crer aos portugueses- dos melhores salários em comparação com os equivalentes europeus. O imperativo da política educativa formular-se-ia, pois, assim: “Vamos pôr tudo isto na ordem”. Vamos varrer o despesismo, a “balda”, o desperdício, o oportunismo, o laxismo, a facilidade, a incompetência – todos esses vícios da maioria dos docentes que teriam transformado a escola num lugar para se viver de boas rendas, trabalhando pouco, mal, e gozando de inomináveis regalias e do maior tempo de ócio (pois é, tocar na ferida, das reformas e contra-reformas disparatadas, inconsequentes, desconexas, avulsas, é que está quieto, mas que os resultados dos nossos alunos têm de melhorar, lá isso têm). Imagem tão pregnante que as excepções – “aquele professor que nos marcou para toda a vida…” (a mim marcaram-me muitos, uns pelo bem, como a minha professora de Inglês do 4º. ano, o Professor Moser em Letras, a minha Profinha Guilhermina Miranda, no mestrado, na tese, no doutoramento, na tese; outros pelo mal e quanto a mal, vem-me à memória outro responsável político do ME), frase estafada que, pelo menos, diz a parte mínima que compõe a minoria – seriam incapazes de a combaterem e de a apagarem.Eis o que explicaria os excessos discursivos (e não só) dos responsáveis do ME. Tem-se a nítida impressão de que não gostam dos professores – por mais que queiram distingui-los dos sindicatos. Ora, o que está em jogo no actual debate sobre a educação, é a transformação de uma situação há muito desastrosa, criando condições para um ensino de qualidade, à altura das ambições de “modernização” global do País, proclamada pelo Governo. Nesse quadro, a Educação constitui um pilar essencial do projecto governativo do primeiro-ministro: se ele falha, falhará todo o projecto. Neste momento constata-se que o clima das escolas (professores cansados, abatidos, deprimidos – dos que pertencem às “excepções”) (tão deprimidos, tão humilhados, que é impressionante observar pessoas com trinta anos de serviço, profissionais do melhor gabarito, completamente desnorteados) não contribui para a boa aplicação dos novos estatutos que aí vêm.Quem se importa com os professores? Questão que poderia deslizar, perigosamente, para esta outra: quem se importa com o ensino? Quem, nesta reforma, pensa no tipo de trabalho, material e imaterial, que o professor fornece, para que a relação mestre-aluno produza os efeitos esperados? Relação extremamente delicada, que não se reduz à transmissão de conhecimentos, mas que exige do professor um investimento múltiplo, emocional e intelectual, que provoca um desgaste psíquico e existencial extremo (como o Professor José Gil sabe disto! Só mesmo quem vive a sua profissão com tudo o que tem para dar!).Que se me permita citar umas linhas que escrevi noutro local: “ O investimento na docência convoca forças de toda a ordem, os dons, a capacidade de controlar e de se auto-controlar, a plasticidade para se adaptar e lidar com cada aluno em particular, o equilíbrio incessante entre o papel de docente e o de educador, o constante brio que se exige de si (o terrível superego do professor que o força a ter a melhor imagem de si para estar em paz consigo mesmo), (meu Deus, como me revejo nestas palavras!) a responsabilidade que assume pelo aproveitamento do aluno, etc. Ele não investe uma ou duas “competências”, investe na aula a sua existência inteira”(Só quem é professor e vive, com uma inteireza assim, a sua profissionalidade pode sentir a força destas palavras, a força deste investimento) .Mas não são só o espírito e os métodos pedagógicos que devem ser considerados dentro de um contexto mais alargado. É a própria nocão de “racionalização” do ensino que tem de ser repensada. A acção política educativa parece padecer de toda uma série de disfunções e desfasamentos: muda-se o estatuto da carreira docente, com novas tarefas, mais trabalho, mantendo-se inalterados os conteúdos e negligenciando a formação necessária dos maus professores; instauram-se regras de avaliação, mas não se eliminam os compadrios e as conivências (no comment); exigem-se boas vontades para certas tarefas, e quebram-se as vontades não oferecendo contrapartidas; voltam-se os pais contra os professores, estes contra a instância que os tutela, o pessoal administrativo contra os professores, e já mesmo se formam alianças alunos-pais contra o Ministério…(como eu já disse: "Quem com ferros mata, com ferros há-de morrer!") Tudo isto é mau para o ensino e para a educação. Como se a “racionalização” do ensino básico e secundário, ao preocupar-se apenas com alguns dos seus aspectos, e sem visão global, induzisse necessariamente outras formas de irracionalidade e anarquia."
Comentário final (mais do mesmo: e já la vão 30 anos!).
O medo, a inveja, o compadrio... a não-inscrição.
Bem-haja, Professor José Gil.


Frescura e patine
O poema que o Jorge me dedicou o ano passado e pendurou no pátio, está a acusar as marcas do Sol, do vento e da chuva. Há letras que estão um tanto sumidas. Ele quer reavivá-las, eu prefiro que ele o deixe assim, com umas letras meio gastas. É como o nosso amor: trinta e quatro anos de vida em comum, de alegrias, tristezas, ausência e saudade, saúde, doença e cartas de amor deixaram no nosso amor uma patine, feita de muito carinho, partilha, compreensão e dois filhos muito amados, mas, no essencial mantém a frescura de quando ele começou a cortejar-me e me desmanchava as fitinhas de veludo com que eu prendia o meu cabelo ainda forte. Começámos a namorar no dia em que Salazar morreu. Na natureza tudo se transforma.

tenha aulas de substituição


A rapariga está no 11º., tem 16 anos, tem o seu projecto de vida. Leu a minha carta no Público sobre as aulas de substituição e quis saber a minha opinião: "E no Ensino Secundário?". Desse, só sei falar como mãe e o que eu tenho a dizer é o seguinte: Se o professor faltar, ela sabe o que fazer com o seu tempo e decidirá o que fazer com ele: pode ir para a biblioteca, estudar, pesquisar, fazer o que tem a fazer. Até pode passar o tempo no pátio das tílias, de que os alunos tanto gostam. Ou ir ao Jardim ou à praia: Oeiras vale MESMO a pena. O honorável Sebastião e Silva também terá tido os seus momentos de lazer. Se a Escola tiver alguma queixa, tem duas opções: ou castiga-a, ou deixa o caso com os pais. Nós tratamos do assunto.

terça-feira, novembro 14, 2006



Já cá estão as fotografias da defesa de tese de Mestrado da Dora!

Finalmente, a “minha menina” chegou ao fim da jornada. Com êxito! A arguição foi musculada, bem ao estilo Socrático (do meu gosto, mas algo assustador para os leigos), a Dora aguentou-se, embora me tenha enviado um mail com um emoticon todo engessado.

Duas brilhantes intervenções, uma da área da Didáctica, outra da área da Psicologia. Tenho visto poucas arguições, a nível de Mestrados, de tão elevado nível.
Um único senão: a intervenção final do “tira-linhas”. Por amor de Deus, depois de intervenções da qualidade que ouvimos, tínhamos que assistir à conversa do tira-linha, põe linha? Mais edificantes são os meus diálogos com a D. Engrácia da retrosaria ali em cima:
- Bom dia, D. Engrácia, o Sr. Artur está melhor?
- Vai andando D. Idalina. E o seu Marinho?
- Está melhor, obrigada. Já vai à bola e tudo.
-Graças a Deus! Olhe, D. Idalina, ainda não chegaram as linhas que encomendou. Chegou o fio 5440, não chegou 0 5444, a cor que a senhora quer. Talvez para a semana...


Bom, malgré a conversa do tira-põe linha, a Dora lá tirou uma excelente nota.
Ficámos todos muito felizes. Sobretudo os pais babosos (que inveja!) e o maridão.

"All is well that ends well."

domingo, novembro 12, 2006


De volta aos clássicos

Wuthering Heights

Este livro de Emily Brontë é um dos meus preferidos da literatura inglesa.
È uma história de paixão e vingança, com cenário na região de Yorkshire
O livro só viria a ganhar projecção na sua segunda edição publicada já depois da morte da autora, em 1850.
O Sr. Lockwood e Nelly Dean são os narradores da história que tem início com a chegada de Heathcliff ao Monte dos Vendavais e da sua paixão avassaladora por Catherine Earnshaw, a filha do seu benfeitor.
Esta relação frustrada pela diferença social que os separa tem como cenário a paisagem local e a arquitectura característica da região do Yorkshire. A complexidade do enredo, a ambiguidade e a imaginação fértil de Emily Brontë percorrem os temas da crueldade da doença, da morte e a forte estratificação social da época vitoriana. A ambiguidade da novela tem a sua expressão máxima já no fim, ao ficarmos sem perceber quem são os vencedores: se os sentimentos que representam a sociedade civilizada, se a intensidade devoradora da paixão. Terá Emily Brontë cedido ao conformismo característico da sociedade do seu tempo? A estrutura simétrica da novela evidencia essa incerteza, na morte dos dois amantes, para quem a realidade terrena pouco importa. Aliás, Emily poderá ter decidido eliminá-los porque ambos constituíam um perigo para o equilíbrio e a paz da sociedade vitoriana.

O meu excerto favorito é quando Heathcliff «covering her with frantic caresses, said wildly, -- - "You teach me now how cruel you've been -- cruel and false. Why did you despise me? Why did you betray your own heart, Cathy? I have not one word of comfort. You deserve this. You have killed yourself. Yes, you may kiss me, and cry, and wring out my kisses and tears; they'll blight you -- they'll damn you. You loved me; then what right had you to leave me? What right -- answer me -- for the poor fancy you felt for Linton? Because misery, and degradation, and death, and nothing that God or Satan could inflict would have parted us, you, of your own will, did it. I have not broken your heart -- you have broken it; and in breaking it you have broken mine. So much the worse for me that I am strong. Do I want to live? What kind of living will it be when you -- -- O God! would you like to live with your soul in the grave?" »
Depois de quatro anos de EBSCOdependência, estou de volta aos clássicos.

sábado, novembro 11, 2006


Escola, violência e risco

Imaginemos uma Escola frequentada por um aluno bem comportado, provenientede uma família exemplar, que educa primorosamente os seus filhos. São gente simples e comum e pais particularmente corteses e participativos; ele trabalha numa empresa privada, ela é funcionária pública. O rapaz mais novo, jovem adolescente tem, tal como a mãe e a irmã mais velha, uma figura franzina. Teve o azar de se encontrar numa turma com um um menino com pai e com avós - a mãe faltou-lhe - o destino prega destas partidas - sei bem o que isso é. Este menino não pode ser castigado - diz o pai - está em risco de suicício se fôr para casa reflectir uns cinco dias , que é o que ele está a precisar . Atestado médico confirmatório do médico psiquiatra não há, nem ninguém exigiu. A família também está demasiadamente ocupada para cuidar do seu rebento - a Escola e os colegas que se amanhem com ele. E há direcções escolares que fingem acreditar no pai, porque assim tudo se torna mais fácil.
Na verdade, a hierarquia foi pressurosa em dificultar ao máximo os procedimentos necessários à guia de marcha de um menino para casa com o objectivo de reflectir, em família, sobre o seu papel na sociedade.
Se o menino agredido, roubado, insultado, extorquido, maltratado, farto de o ser, farto de ter medo de ir para a Escola, baixar o seu rendimento escolar ou chegar a ter um acto de desespero, foi só um azar. Porque há os que dizem que se suicidam (raramente o fazem) e há os que se suicidam mesmo (raramente o dizem).
Afivelamos um ar pesaroso, compramos flores e dormimos todos o sono dos justos: do topo à base da hierarquia.

sexta-feira, novembro 10, 2006

(Neste Jardim à beira-mar plantado I, de João Garção)

Mais correspondência minha com Ruben Marks publicada no Diário de Notícias de hoje


Caro Ruben, reconheço que em matéria de conhecimento do sistema educativo sueco estou em desvantagem consigo. Vou então, estrategicamente, deslocar a discussão para latitudes em que a temperatura é um pouco mais amena. A situação da Educação em Portugal reflecte apenas o estado da sociedade portuguesa. Efeitos perversos do belíssimo acontecimento histórico de74, associados à democracia do sucesso dos anos 80 criaram em Portugal uma mentalidade de garantismo de direitos adquiridos que o fenómeno da globalização e as fragilidades estruturais do País estão a tsunamizar.
Esta filosofia do direito a tudo, da insuflação artificial da auto-estima, cimentada em literatura cor-de-rosa e cifrões (“Ó stôra, p’rakék’eu preciso dxtudari, s’o meu pai ganha mais c’à stôra a vender batatas?!?” - episódio autêntico) produziu uma geração de adultos, pais e professores, que não sabem muito bem como educar a sua juventude, o que é trágico. Somos ainda todos Altamente Especializados na profissão dos outros, mas deploravelmente incompetentes, negligentes e Salazarentamente Soberbos na nossa.
Dou-lhe ainda toda a razão, Ruben, quando afirma que os menos responsáveis são os meninos e que há figuras que um professor simplesmente não deve permitir-se fazer, como chamar nomes à sua Ministra em público, o que não o impede de se manifestar civicamente: a modelação é importante em educação. O problema é que, durante todo o Verão, foi orquestrada contra os professores uma campanha de denegrição para preparar medidas que inevitavelmente tinham de ser tomadas. Do ponto de vista da autoridade natural do adulto cuidador que o jovem deve ter como princípio essencial foi lastimável.
O insulto é um caminho perigoso e sem retorno, os comportamentos modelam-se e a sabedoria portuguesa avisa que quem com ferros mata, com ferros há-de morrer.
Bem-haja por debater estes temas, Ruben. Há muito para debater e o Ruben já é, afinal, um dos nossos. Por exemplo, não é verdade que, ao terminar uma licenciatura, alguém esteja preparado para a docência. Aliás, estamos com sérios problemas na formação inicial dos docentes, diagnosticados por diversos estudos e pela evidência empírica: os jovens candidatos a professores não sabem, por exemplo, explicar a essência da sua função. Por outro lado, a progressão fundamentada na avaliação do desempenho parece-me um princípio mais razoável que a progressão automática, mas sobre esta matéria a Lei tem monstruosidades que nos levam a pensar em exportar legisladores para a Sibéria ou para o Alaska, onde causarão menos estrago, mas a responsável política pela sua publicação é a Sra. Ministra.Por aqui me fico hoje. Até breve, Ruben.


"Não façam trocadinhos
com a minha profissão!"


O meu director precisa de gente para completar as necessidades de recursos humanos na equipa de ensino especial da Escola e lá entendeu que eu tinha formação e perfil para o efeito.
O pedido de mobilidade seguiu no dia 20 de Outubro para as instâncias competentes e ainda anda em trânsito “ Faculta-me o ofício” pedi e logo no dia seguinte – mera coincidência – tive de, com grande urgência, fazer uma declaração de aceitação que já pôde ir de fax. Ele há dias em que comunicar é de auto-estrada, ele há outros em que o caminho é de cabras. Com a fotocópia do ofício em punho, comecei a fazer telefonemas: 1º. Telefonema: Direcção Regional: que o assunto já estava de saída. Para onde? Desde que data? A informação é-me negada. Segredo deontológico (sic) foi a argumentação. Mas eu também tinha deontologia e não me parecia bem estar meses a leccionar turmas, que haveria de ter que largar.
Segue-se o 2º. Telefonema: para CAE. Posso falar com o Dr. Manuel Rocha? Aí a deontologia refina: Que não senhora, que estava muito ocupado. Resolvo telefonar-lhe todos os dias só para testar o grau de ocupação.
Está a parecer-me que há umas cadeiras nos serviços centrais a precisar de uma vassourada para desobstruir o trânsito. Tipo “segue, segue, segue, não vira e vai dar uma ganda volta” para a tua Escola, antes que o mofo se instale. Digo eu, que tenho a mania das limpezas e de arejar espaços de baixa circulação. E “não façam trocadinhos com a minha profissão”.


Uma aula de substituição

Carregada de dossiês com trabalho a meio, livro de ponto e pasta, lá atinei com a sala. A professora de EV faltara e eu ia substitui-la.
A pesada “folha de serviço” da turma do 9º. Ano aconselharia uma escolha prudente do professor de substituição que, em princípio, já deveria conhecer as sinergias da turma e os líderes da asneira. Felizmente, a substituição calhou numa hora em que eu estava de serviço, em vez de algum jovem professor que, incauto, caísse no circo de feras.
Abri a porta dos alunos, apresentei-me e mandei entrar. Galhofa, dichotes e protestos:
- Só me faltava mais esta...não nos bastava a besta da M. (a professora ausente).
Sempre à porta, procurei estabelecer diálogo, dizendo:
- Preparei uma aula de observação do aproveitamento das águas no pátio e gostava de ver os dados que somos capazes de recolher. Na realidade, havia gasto mais de duas horas na preparação desta aula, sempre com o intuito de utilizar o método científico, já que – diz-se, mas eu não acredito – os nossos meninos são avessos às Ciências.
Quando já haviam decorrido seis minutos de “diálogo”, mudei de estratégia:
- Têm um minuto para entrar.
Metade da turma entrou, a outra metade ficou lá fora, hurrando e dando murros e pontapés na porta. Na sala, a grande algazarra prosseguiu. Procurei sem êxito que o meu silêncio os acalmasse. Chamei a delegada de turma, pedi-lhe que me apresentasse a turma e que conferisse comigo o número dos alunos em falta, entre risadas e berros. Perguntei qual o professor em falta e um aluno respondeu que “foi a M., não conhece?”. “Só conheço a professora R e gosto muito dela”.
De repente, batem de novo à porta, num som ajustado. Um aluno, chamemos-lhe J, pede-me educada e simpaticamente para entrar, ao que acedo. Um outro aluno, chamemos-lhe E, pergunta grosseiramente, porque não entrava ele também. Respondo-lhe que entrará se me pedir com maneiras; pediu e entrou.
J. pergunta-me qual a disciplina que lecciono e respondo-lhe; é então que me pede que fale um pouco Inglês, ao que acedo. J. aquilata: “Tem uma excelente pronúncia”; Agradeço o apreço e pergunto-lhe se prefere sotaque à Príncipe Carlos ou à Alabama e exemplifico ambos. Escolhido o Príncipe Carlos e aproveitando a onda, sugiro que, dado o adiantado da hora, reflictamos um pouco sobre o que é ser estudante. What is to be a student?, registo em letra grande no quadro, que divido ao meio, para que cada um venha pôr, do lado esquerdo, as suas dúvidas sobre vocabulário, a que outros responderão do lado direito. Mal sabem usar o quadro. Apago as primeiras interrogações e desenho linhas horizontais, para que tudo fique mais legível. Olho em redor. Não há regras de aula visíveis e as mesas de trabalho dos estudantes estão em desorganização total.
- Em cima da mesa – acrescento – deixam apenas uma folha de papel e um lápis. Tudo o resto vai para dentro das mochilas. A maioria dos alunos acata com rapidez a indicação, mas uma entre eles atira:
- Issékérabom! Escrever em inglês numa aula de substituição! Ólhamésta!
Respondi pausadamente que ela iria ter em cima da mesa apenas uma folha de papel e um lápis. Sei que a organização do espaço de trabalho é uma aprendizagem a que as professoras do primeiro ciclo dão particular importância. A aluna continuou no mesmo tom. Três vezes repeti a indicação, três vezes se negou a cumpri-la. Até que eu lhe disse que, um minuto depois, tudo o que estivesse em cima da sua mesa, para além do papel e do lápis, seria retirado, fazendo com a mão um gesto do centro da mesa para o extremo direito, em direcção ao chão. Esperei um minuto olhando para o relógio, ao fim do qual apliquei o gesto. A mochila foi ao chão. A aluna voltou a pôr a mochila em cima da mesa, a mochila ao chão voltou. Entretanto, entre a primeira e a segunda verificação prática da Lei da gravidade, uma outra aluna sugere-lhe, de modo que eu oiça: “ Se fosse a ti ia-me já embora”. Respondi-lhe que quando chegasse ao pé dela, a sua mesa teria de estar conforme as instruções. Depois do segundo tombo, a mochila foi posta no devido lugar e primeira menina começou a produzir texto. À outra, disse-lhe que só tinha meio minuto para se organizar. Nova verificação prática da Lei da gravidade. Lembrei à aluna que era livre de fazer o que sugerira à colega e ela saiu. Aí o trabalho começou. Finda a aula, recolhi as reflexões e participei o comportamento da turma a quem de direito. Quando cheguei a casa, a tensão arterial estava a 220-123.
Nas duas semanas seguintes fui indagando sobre se o assunto tinha sido tratado com a turma, mas aparentemente o tempo escasseou para o efeito. Ao invés, primeira a ser chamada à direcção da Escola fui eu: Que não podia ser, que tinham caído ao chão com dano uns materiais evidentemente escolares e uns paizinhos candidatos a indemnizações de um telemóvel e um i-pod. … Ai pode, pode, pensei e disse.
Um mês depois, ainda há uns brincalhões da turma que se vão pôr à espreita da minha aula. Já terão ouvido que sou uma pessoa bem disposta? Ou o problema continua mal resolvido?
E quando o hipotensor não der para as encomendas? Quem é que paga a factura do estrago? Como ninguém perguntou, pergunto eu.

segunda-feira, novembro 06, 2006



João e Idalina
Bom dia! Estamos no Centro de Recursos. É segunda-feira e estamos a ter aula de TIC. O João tem olhos azuis e doze anos e a Idalina está despenteada.
O João quer jogar um jogo e a Idalina diz que sim, mas só no fim da aula de TIC.
Será que os pais do João nos deixam tirar uma fotografia, juntos para colocar no blogue da Idalina? O João acha que sim, mas a Idalina tem de pedir autorização. Deixam pais? Sim? Sim? A Idalina diz que o João tem uns olhos onde lhe apetece nadar. O João diz que "Tudo bem!" E abre um sorriso de orelha a orelha. É um sedutor. Já pode jogar o jogo.

(Post Scriptum às 17 horas: texto escrito a quatro mãos, com uma perninha do João em cima da perna da Idalina)

domingo, novembro 05, 2006


Júlio Dinis em versão pós-moderna


Ó Xô Reitori!
Quando é que Bocência me marca a defesa da tese de doutoramento?!?
Já lá vão três meses que a entreguei e só agora é que a minha Profinha recebeu oficialmente uma das 15 cópias?
Istéké o proçexo de Bolonha? Hein?!?
E porque é que as 15 cópias têm de ser em papel, cada uma com quase 700 páginas? Tive de mobilizar a família para os entregar (o cão estava com gases, havia de ser uma vergonha). E mais um CD?
Ninguém ainda ouviu falar de poupança de energia, e tal, que uns CD sempre se podem reciclar em candeeiros?...
Segue, segue, segue, que para o lado da reitoria, quando se volta à esquerda, vai-se para o Toxinas, em Medicina, e eu não tenho boina de orelhas.

A sua pupila Idalina

(Os pupilos de hoje são uns insurrectos! Quando jobens andaram à pancada aos gorilas na nimberxidade, os gorilas faziam UH! UH! UH!, do lado de lá, as raparigas de Letras faziam Ah! Ah! Ah!, do lado de cá. Vá lá, que naquele tempo ainda havia gente com juízo e o Prof. David Mourão Ferreira lá conseguiu pôr água na fervura e poupar-nos umas marretadas. O Prof. Cintraé que não se safou, num dia mais difícil em que até bilhas de gás voaram, a levar umas pantufadas. E depois iam a correr alameda abaixo, de maratona à frente do capitão Ferreira e sus muxaxus, gente fina, e deitavam papelinhos contra a guerra nas casas de banho, que naquele tempo não havia SMS. Agora põem-se armadas em finas a fazer cronicazinhas pró Publico com queixinhas dos borbulhentos. Sois umas inbejosas e até pondes o Zé-Pedro Gomes a fazer números com elas, e tal... Bócês aí, ó jobens, pensais que nós perdemos o noxo xentido d'humor, é? K num temos é borbulhas, é? k n1 xabmus xcrbr p'rá net? É k'u Dior tapa as gelhas (ide ao dicionário, bá, ide!) e outras imperfeições da cútis(boltai ao dito), sabeis? Ora tomem! Pensais que tendes direito de assustar belhinhas, é? Ora ide! Ide ali p´ro jacuze!(Esta não, que é do Emile Zola e homem ainda m'akusa de plágio!).
Nota: Jacuzi é como eu chamo à sala para onde os meninos são encaminhados, quando se portam mal.

sábado, novembro 04, 2006

Girassóis, Sylvio Paiva, 1998

Caríssima Dora,
As sementes de girassol que me ofereceu num dos dias em que aqui estivémos a fazer a revisão final da sua tese de Mestrado já florescem e resistem, radiantes e resilientes , como você, às intempéries do equinócio. Contei-as hoje: três abertas, como que a comemorar o seu sucesso e 23 em botão. Quando é que me manda as fotografias do BIG DAY, mesmo que estejam tremidinhas pela mão do pai mais querido e mais baboso?
Vá, que aquelas cavaquinhas únicas que me trouxe de Maçon City custaram-me umas boas horas extra de malhação...

Washington Allston. Falstaff Enlisting His Ragged Regiment at Justice Shallow's, c. 1806-08.

Sir John Falstaff


Uma das personagens mais complexas e intrigantes da dramaturgia Shakespeareana é a de Sir John Falstaff.
Como é que um sujeito decadente, comilão, alcoólico, mentiroso, cobardola, gorduroso, que acompanha com a escória social pode tornar-se a mais simpática e interessante de todas as personagens da obra de Shakespeare, a ponto de a rainha ter insistido na sua continuidade em Merry Wives of Windsor? O seu perfil varia consoante as peças e é mais político numas que noutras.
É mais repugnantemente cobarde em Henry IV e mais repugnantemente lúbrico na comédia. Sendo cavaleiro, vive ali no limbo social das tascas e casas de mau caminho, em ruas esconsas por onde a gente de bem não transita. Ainda assim, mesmo sem réstia de dignidade ou pudor, mantém com o Príncipe uma proximidade mal vista pelo Rei e é nessa ligação ao lado “certo” da vida que, linguisticamente, entendemos a dimensão da sua duplicidade e da sua decadência.
A época de Shakespeare é marcada por um extraordinário enriquecimento linguístico baseado na introdução maciça de neologismos de origem latina que perpassam nas personagens “nobres” e “educadas” da obra de Shakespeare. Estamos num período em que, em termos de mudividência e culturais o velho e o novo mundo se vão digladiando e incorporando e, como a obra de Shakespeare tão brilhantemente ilustra a cada passo, em que cada um tem afinal de escolher o seu lugar. São tempos politicamente difíceis.
A morte do Rei e a ascensão do jovem Príncipe constituem afinal esse momento de ruptura, em que o brigão decadente entra finalmente em desgraça e implora:

“my King, my Jove! I speak to thee my heart” (2H4 5.5. 46)!

Ao que o jovem Rei responde com desprezo:

“I Know thee not, old man . . .
When thou dost hear I am as I have been
Approach me, and thou shalt be as thou wast,
The tutor and feeder of my riots.
Till then I banish thee, on pain of death” (2H4 5.5. 45, 60-63)





quinta-feira, novembro 02, 2006

Um objectivo que a filosofia do nosso sistema educativo não comptempla:

Pensar criticamente
(uma competência essencial ao cidadão do Séc. XXI)


“Critical thinking is the essential foundation for education,
because it is the essential foundation for adaptation
to the everyday personal, social and professional
demands of the 21st Century and thereafter.”
Paul, (1995, xi)

O pensamento crítico e a forma de o ensinar tem vindo a tornar-se em objecto de estudo de há um século a esta parte; de facto John Dewey é considerado o percursor do movimento do pensamento crítico em educação, por ter explorado o conceito de pensamento reflexivo, que definiu nestes termos:

“Apreciação activa, persistente e cuidadosa de uma crença ou forma de conhecimento à luz dos argumentos que a sustentam e das conclusões para as quais tende.” (Dewey, 1909, p. 9).


Nesta definição de Dewey, o carácter activo do processo remete para a capacidade de o indivíduo pensar, questionar, recolher informação por si próprio; por persistente e cuidadoso, entende-se que o processo de decisão sobre o que pensar, seja fundamentado em motivos e implicações criteriosamente sopesados.
Nesta tradição surge, anos mais tarde, a definição de Glaser (1941, p. 5:

“O pensamento crítico exige o esforço persistente de examinar cada crença ou forma de conhecimento à luz de provas que a sustentam e de conclusões para as quais tende.”

A definição de Glaser é muito idêntica à de Dewey, distinguindo-se essencialmente a substituição de “à luz dos argumentos” por “à luz de provas”, mas Glaser refere-se igualmente a “uma atitude ou disposição para considerar cuidadosamente factos e problemas” através da “pesquisa e do raciocínio” (enquiry and reasoning) . A tradição retoma estes dois componentes e reconhece que o pensamento crítico é uma questão de competências de raciocínio e de disposição para as utilizar.
Mais recentemente, o movimento para a sociedade da informação tem dado particular relevância ao bom pensamento como elemento crucial para um capaz desempenho pessoal e profissional (Huitt, 1993; Thomas & Smoot, 1994).
Esta mudança de paradigma social e cultural requer que a capacidade para pensar seja uma preocupação da educação: a capacidade de obter bons resultados em testes de competências básicas deixou de ser a única forma de avaliar as competências dos estudantes.Todavia, o conceito de pensamento crítico tem sido utilizado de uma forma pouco clara e sistemática, para um termo tido como essencial a uma forma sólida de pensar e de expressar o pensamento.
Por outro lado, para ensinarem os alunos a pensar criticamente, seria necessário que os professores fossem, eles próprios, pessoas reflexivas.

quarta-feira, novembro 01, 2006



Provavelmente...

A MAIS CONTRADITÓRIA, INSENSATA, IMBECIL, DESPROPOSITADA, DESESPERADA E ARREBATADORA DECLARAÇÃO DE AMOR DA HISTÓRIA DA LITERATURA (da que eu já li, é certamente)

Na voz, na expressão, no desempenho de Colin Firth: flashback aos sentimentos arrebatados da adolescência. Graças a Deus, ainda os conservo! Mil vezes já vi esta cena, mil vezes voltaria a vê-la.)



"In vain have I struggled. It will not do. My feelings will not be repressed. You must allow me to tell you how ardently I admire and love you.''


Jane Austen, Pride and Prejudice, 1813


Balancete (porque hoje é feriado)

(Com o Outono Dourado de Levitan)



Desde que reformulei o blogue já tive visitantes dos Estados Unidos (um sítio qualquer sobre propriedade intelectual - no problem), da Suíça e do Reino Unido (devem ter caído aqui por causa da palavra grega).
São sobretudo os meus visitantes de Portugal que mais curiosidade me suscitam: que terão vindo fazer? Ter-se-ão enganado na via? Que expectativas traziam? Em que medida as terei gorado? Eu gosto de receber visitas. Tenho tido visitas do Cacém, da Parede, de Lisboa, do Porto, de Almada, Seixal, Setúbal, Terrugem, Montijo, Santarém, Porto...
Hello!!! Anybody outhere? This is a strange kind o'feeling.
Digam qualquer coisa, comentem, desafiem, perguntem.


Mais uma carta minha no Público,
publicada em 31 de Outubro de 2006
(Bem haja, Público! Saravah!)




Pela sua saudinha, Sra. Ministra, com essa das oito horas é que V. Exa. acaba comigo!
Ainda Outubro não chegou ao fim, já a médica de família me pôs a antibiótico, a xarope, a ventilador e a anti-histamínico – em casa e nada de ginásio! Esta é a cereja azeda em cima do bolo cediço. Ó Dra., pronto, eu vou para casa na 6ª. Feira para ver se descanso no fim-de-semana. Mesmo assim, mandei as planificações e intervenções em Conselho de turma por mail.
Eu já nem sonho sequer usar assim os modelitos que V. Exa. usa nos debates televisivos – o vermelho fica-lhe aliás muito bem – até porque aquele menino que se senta lá no fim da aula, de vez em quando esconde-se debaixo da mesa, ou vira a mesa de lado e esconde-se atrás dela e eu tenho de me ir lá sentar com ele, com o meu caderno em punho, para lhe ouvir as reivindicações e entrarmos em negociações, os dois com ar muito compenetrado. Varro a turma com aquele olhar, quem se rir ou comentar vai para o jacuzzi, como eu chamo à sala para onde vão os meninos que se portam mal, marco exercícios enquanto decorrem as negociações, que habitualmente são curtas e chegam sempre a termos razoavelmente justos para todas as partes, em que eu nem sou parte litigante, mas apenas, perdoe-se-me a comparação, uma espécie de Sérgio de Vieira de Melo de saias, espero que com um fim menos trágico, com a ajuda de V. Exa.
V. Exa. não se incomode comigo: tenho 54 anos e, apesar do meu síndrome metabólico, como "malho" umas horas por dia, ainda tenho flexibilidade bastante para me sentar no chão, mas já agora gostava de chegar a Fevereiro com alguma saúde mental e a pouca física que me resta, para defender a minha tese de doutoramento. Deixa-me descansar um bocadinho pelo Natal, Sra. Ministra? E já agora pelo Carnaval? Uns diazinhos pela Páscoa, para efeitos culturais (um professor deve investir na sua cultura, e eu invisto bastante, creia). Bem-haja. Ficar-lhe-ei eternamente grata. A sério.

domingo, outubro 29, 2006

Porque hoje é domingo


Rose, harsh rose,
marred and with stint of petals,
meagre flower, thin,
sparse of leaf,

more precious
than a wet rose
single on a stem—
you are caught in the drift.


Stunted, with small leaf,
you are flung on the sand,
you are lifted
in the crisp sand
that drives in the wind.


can the spice rose
drip such acrid fragrance
hardened in a leaf?
Hilda Doolittle (1886-1961)


Against the wind

Deve ser da conjuntura astral: em algumas coisas parece que esta semana estou algo "running against the wind".
Vem isto a propósito da entrevista que o escritor António Lobo Antunes dá à revista do Público de hoje. O cavalheiro afirma que está cada vez mais autista.
O autismo é uma condição neurobiológica que envolve grande sofrimento para o próprio e para os que o amam e com ele têm de lidar.
Do cavalheiro se sabe que agride os outros de uma forma deliberada e acintosa. Lembro-me de várias situações que presenciei, uma delas num dos auditórios do Concelho. Maria Alzira Seixo, uma das mais entusiastas estudiosas da sua obra tinha acabado de ter um incêndio devastador na sua casa - quem a conhece sabe como as suas coisas são importantes, não apenas, nem principalmente, do ponto de vista material para ela- mas nem por isso deixou de comparecer à sessão para que havia sido convidada e, primorosamente, fez uma deambulação deliciosa sobre a obra do escritor, de tal modo que dei comigo a pensar "O que é que eu estou a fazer nas Ciências da Educação? Porque é que eu não segui os conselhos do meu saudoso Professor Moser e fiquei na Universidade a estudar Shakespeare?" (Durante a preparação do doutoramente crises destas são normais). Quando AS terminou, desculpou-se com os múltiplos afazeres que o desastre lhe impunha e retirou-se.
Pois bem, o cavalheiro homenageado, num gesto da mais pura e elementar má criação fez um daqueles seus comentários pretenciosamente blasés, tipo: esta é outra capaz de andar à pancada pela minha obra.
Um dia destes, o cavalheiro veio aqui à biblioteca de Oeiras preparar o lançamento do seu novo livro: o edifício é mesmo em frente de nossa casa e o Jorge, seu indefectível, foi. Felizmente eu estava demasiadamente cansada e fiquei em casa.
O Jorge lá lhe levou umas primeiras edições para ele assinar, ele lá comentou que algumas já eram valiosas e conversa, puxa conversa, o Jorge disse-lhe que fora colega da sua primeira mulher. Ao que o cavalheiro respondeu que só tivera uma mulher. É pena que só o reconheça agora, depois dela ter morrido. Então e aqueles scarecrows coloridos que ele exibe e em que pendura a dispneia tabágica e o tremor (etílico?).
Ser autista é uma coisa, ser mau é outra. Neste último caso o sofrimento só tem um sentido.





Do meu amigo de juventude Joaquim António Cardoso Fialho Gomes, publicou, no passado dia 23 de Outubro, a Editora Livros Horizonte um livro sobre a montagem da máquina da censura.
A apresentação deu-se nas sempre simpáticas instalações da Associação dos Militares do 25 de Abril.
OS MILITARES E A CENSURA é o resultado natural da sua tese de mestrado, orientada por António Costa Pinto e arguida por Fernando Rosas, em 1997.
Ainda há muito para investigar e contar sobre o período da ditadura militar e este contributo do Quim para a história da montagem e progressiva complexificação organizativa dos serviços de censura, da ditadura militar ao Estado Novo, a reorganização de 1933, o seu alargamento e "constitucionalização", as suas figuras de elite, foi certamente muito relevante. Das brilhantes intervenções dos oradores, saliento a proverbial irreverência de Fernando Rosas, que lhe conheço dos idos de 1973, após a sua segunda libertação do cárcere político. O Sr. Coronel Vasco Lourenço (espero não me enganar na patente) aceitou as picardias de boa mente e sorriso complacente a propósito do papel dos militares na ascensão e consolidação dos regimes ditatoriais europeus no Sec. XX e a noite acabou feliz no agradável restaurante da Associação, com um pormenor delicioso: um velhinho professor de História, já reformado, que fez questão de se associar a este evento auspicioso do seu colega e jantou prazenteiramente com a sua companheira.
Foi bonita a festa, pá.

sábado, outubro 28, 2006


Mais uma carta minha saída no Público


A Educação na Suécia

Pois é, caro colega Ruben. Na Suécia e noutros países europeus, cujos sistemas educativos eu já observei, a expensas próprias, ou através do Programa Sócrates, tudo é muito diferente.
Detenhamo-nos então na Suécia, paremos ali por Östersund, onde estacionei por algum tempo e pude apreciar o profissionalismo, a urbanidade, o civismo dos colegas suecos. Os meios materiais e humanos não seriam muito superiores, mas o conceito era diferente: era diferente a organização do espaço escolar, era diferente a dimensão das Escolas, era-o o conceito de ensino como lugar de aprendizagens muito diversificadas, dirigidas a múltiplas inteligências e não apenas ou predominantemente às inteligências lógico-verbal e matemática, era diferente a forma de gerir os recursos materiais e humanos.
Não era um espírito de poupança somítico-salazarista, era um espírito de poupança que valoriza o esforço produtivo e de quem produz. Por exemplo, no refeitório, eram as crianças que se serviam e eram elas que, depois de comerem, limpavam o seu prato, separavam a sua louça, cumprimentavam o pessoal da cozinha e saíam educada e ordeiramente. Em vez de gritos, havia música ambiente. O Director regional comentava com o grupo português: "o nosso sistema educativo é muito parecido ao vosso, não é?" eu devo ter feito um sorriso muito amarelo ao pensar no comportamento dos nossos meninos nos refeitórios: restos de pão voadores, comida desperdiçada e atirada ao chão, gritaria, maus tratos ao pessoal de serviço, desrespeito aos professores, tal e qual... muito idêntico.
Como é que conseguem manter padrões de qualidade como estes? Perguntei ao representante autárquico. "Sabe, professora. É que nós não temos sigilo bancário." Pois. Quando visitei Östersund , a única pessoa que, em Portugal, falava nisso era o fiscalista meu amigo Professor Saldanha Sanches. Por outro lado, caro Ruben, convenhamos, para aqueles lados, faz um bocadito de frio... ou como dizia a minha querida colega Assunção Caldeira Cabral: "Que bem que se está em Caxias..."
(Publicaram a carta até à palavra frio, mas Assunta, o que nos divertimos com aquela de eu, no Aeroporto, trocar a mala com a psiquiatra sueca que media quase 2 metros de altura e usava roupas de late Summer, enquanto eu ia equipada para o rigor Invernal... e as meias do colega Britânico, quando se descalçou em casa do colega sueco? Disgusting! Na Suécia, em finais de Outubro, a temperatura já era de 2 graus negativos; quando regressámos, estavam 25 graus em Lisboa. Ironizei, dizendo que ia apanhar uma grande gripe. Então, não é que apanhei mesmo? O postal de Östersund já estava um pouco fanado, mas lá saiu com uns retoques do photoshop. O lago já estava congelado e deslocávamo-nos sobre ele de um lado para o outro da cidade, no jipe do colega sueco que, como tu, já era avô, lembras-te? Chamava-se Jassel. Em Östersund também há um grande monstro do lago: o Storsjöodjuret, mas não chegámos a avistá-lo).


Modos de estar e de exercer

- Tens aí o telefone do AM? .
Isto, depois de uma prolongada espera da própria e do público que, de manhã, era numeroso.
Comecei por não gostar da terminologia em frente do público.
- Não, a minha relação com o Prof. AM é formal. Mas os contactos estão no sítio da UA.
Quem por isto passou, sabe do stresse que antecede a prova. Havia pessoas que tinham vindo do Algarve para assistir.
Subi 4 andares para ver se podia ser de utilidade, mas os contactos já estavam a ser estabelecidos.
A sua primeira preocupação: desmarcar o compromisso social da tarde (Idalina, só podes ser de Marte!). Vai marcando o número no telemóvel, enquanto me pede:
-Vais lá baixo à G. e perguntas-lhe se pode vir à tarde?
Noutras circunstâncias não teria qualquer problema em fazê-lo, trabalhamos em equipa, seria absolutamente normal. Mas nós somos o reverso de nós próprios, já percebi isso de tanto me auto-analisar. Deixo então, que o telemóvel comece a chamar o interlocutor, toco-lhe no braço levemente e digo-lhe baixinho:
- Parece-me melhor que sejas tu a falar com a G. Eu vou falar com a D.
Não seria sua obrigação ética lidar com a situação que criara e falar com ambas? Eu só pergunto, mas eu sou Marciana. Plink! Plink!
Desço quatro pisos. Componho o meu melhor sorriso, mas a boca parece fugir-me toda para o lado errado:
- O melhor é irmos almoçar, para voltarmos com mais energia. - A melhor forma que tenho de introduzir a notícia do previsível atraso de quatro horas.
FRANTIC será o termo exacto para a reacção?!? O caso não é para menos.
Ainda temos que mudar de sala. Transferimos equipamentos, comento com a funcionária a melhor luminosidade da sala, saímos. Preciso MESMO de me acalmar e de repor a boa disposição para transmitir ambas à minha menina. Olho em redor: o espaço e o dia cá fora ajudam. Telefono ao Jorge, aproveitamos para ir ao Centro de Arte Moderna, fico ainda mais irritada com a exposição do Cabrita Reis (matters don't seem to be improving, honey!).
O melhor é ver de um livro para oferecer à minha menina: Nem mais: “ O mar, o mar", de Íris Murdoch, a escritora irlandesa cuja imaginação fecunda produz uma narrativa poderosa e mágica. Bom, tem os seus momentos. Li-a no original, em Dublin e a tradução portuguesa, passada assim, em diagonal, parece-me bastante cuidada. Quando conversávamos animadamente - um Moscatel tinto é um relaxante inexcedível - surge a minha menina com o seu caranguejo verde. Apresento-lhe o meu capricórnio/peixe, comentamos a exposição, um pormenorzinho para o Halloween impele-me ao Corte Inglês e despedimo-nos até às 14.30. Quero chegar um pouquinho mais cedo para cumprimentar o nosso Arguente.que, ao todo, percorrerá hoje mais de 200 quilómetros para a função.
Quando regresso, a pessoa eu propusera para aquela missão, objectivamente uma visita nossa estava sozinha na sala. Nem na mais humilde e recôndita das escolinhas públicas portuguesas uma coisa destas seria sequer imaginável!Se há traços que distinguem o povo português, um deles é a hospitalidade.
Vem-me à memória o “Obviamente demito-o” do General Humberto Delgado. Terá sido por isso que foi assassinado. E que Sócrates (470 ou 469 a.C) bebeu o travo amargo. Eu sei. Eu sei. Eu sei. Paciência. Lá terei de sorver o meu. Convictamente.

Em diálogo com o Professor Albano Estrela sobre o poder da palavra em educação, no sítio do Educare, em 20-09-06 (com ligeiras alterações, dadas as limitações de espaço do sítio)





É da natureza da nossa profissionalidade


Vários atributos pertencem à natureza mais intrínseca da nossa profissionalidade. Um deles é o da contínua invenção da roda: o fluir das gerações obriga-nos constantemente a repensar princípios, práticas, procedimentos, de forma que chega ao paroxismo, a ponto de nos fazer esquecer princípios basilares, tais como o de que qualquer comunidade tem de ter um grupo relativamente estável de regras. Tratando-se de uma comunidade formal, as regras têm de ser claras, explícitas e escritas.Um outro é o da essencialidade do Verbo - é ele que sustenta uma reprimenda que nos remete à essência do educere, assim como o cumprimento, o elogio, o prazer genuíno da descoberta, um novo feito, um outro melhor de nós mesmos. Eles ouvem, eu acredito que eles ouvem, não apenas a palavra, mas a voz do nosso pensar, do nosso sentir, do nosso gosto (ou desgosto) de estar com eles. Como diz a minha Profinha, eu tenho mentalidade de professora do básico, mal sabe ela que esta observação me "atinge", pelo menos, até à terceira geração (os meus estudos genealógicos ficaram-se por aí, a pesquisa de memórias mais longínquas está agora noutras mãos) mas gosto de ser assim, pequenina. Quando eles pedem colo, eu dou, quando a vida me faz negaças, eles dizem: a prof. está triste - e mimam-me. Quanto à invenção da roda, melhor que inventá-la, é adaptá-la às condições do piso. Não é assim que fazem a GoodYear, a Michelin, a Bridgestone e outras?

Nota sobre a fotografia: como se nota, eu estou praticamente na mesma, eles é que já andarão pelos 38. Este foi o ano em que eu descobri que há meninos a quem eu tenho de dar mais do melhor que a minha família me ensinou a ser.

Docentes que escrevem sobre o seu mester

São 324 páginas que não consegui parar de ler. Intensamente descritivo, leva-me a pensar divertida:"Onde é que eu já vi este filme?" E traz-me à memória situações que me deixaram marcas dolorosas de uma Escola que não foi capaz de encontrar em si a energia, o saber, mas também a identidade para enfrentar a mudança. Depressa porém me misturo com os personagens e gosto de experimentar com eles como funcionam os telemóveis sem fios (página 125). Mal posso esperar pela próxima ronda do "contar e mostrar"!...
Imperdível. O livro veio com uma mais-valia em letra miudinha:

"Sexagenário procura escoleira. Assunto sério.

GJorge, 3/10/06"

(Ao fim de quase 34 anos, mais os dois de namoro, estou com ganas de responder ao anúncio)

sexta-feira, outubro 27, 2006

Meeting X

A manhã estava soalheira e quente, a turma é grande e resolvi deixar aberta a porta que dá para o pátio exterior.
Ele entra-me na sala, o meu placar está coberto de family trees, olho para o canto da sala e o rosto de R. fecha-se numa expressão embaraçada, sururu na sala, avalio rapidamente a situação, rolo os olhos, lanço aquele olhar e digo:
- R, this is your brother, I guess. What’s his name?
- X.
- Hi, X! (estendo-lhe a mão).
X Aponta para o irmão e diz:
- É o meu irmão! Porta-te bem!
- Eu sei! Gostas muito dele, não gostas?
- Gosto! (Volta-se de novo para ele) Porta-te bem!
- Ele porta-se bem. E também gosta muito de ti. Queres ver? Estás aqui! (Mostro-lhe a “family tree” de R) e segredo-lhe (agora, que já visitaste o R, vai apanhar sol, que está um dia bonito, não achas? Obrigada pela visita. Depois conversamos, OK? Gi’me five! (Estendo-lhe a mão aberta, ele retribui com um grande sorriso e sai contente por ter cumprido o seu papel de irmão mais velho).
E agora nós (dirijo-me à turma: o cromossoma 21 costuma ser assim: mas às vezes sai assim:(faço as respectivas representações no quadro), right? (mão em concha no ouvido):
- RIGHT!
- For the rest, most of us have got one head (começo a apontar para as partes do corpo e a indicar as respectivas quantidades, armando em maestro de um coro mais ou menos afinado) two eyes, one nose…, do pescoço para baixo, começam os sorrizinhos, entro na brincadeira das slight differences e sigo em frente rapidamente.

Guardo um bocadinho mais de tempo para o sumário. Depois do arrazoado habitual Unit 3 (...) escrevo “Most of us are pretty much alike.” Ukékisso ker dzer, stôra?” (How predictable!) “Olha, tive uma ideia: na aula de 4ª. Feira vais ser tu a explicar a frase à turma…” (Sorriso amarelo) “Tá bem”.
Para o Project work da semana mais uma alternativa: The human body. Não estava nos planos, mas às vezes… “a aula acontece”.

Nota: Agradeço à Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21 a autorização que me concedeu de publicar a fotografia da sua Presidente Teresa Palha, mas como o texto se refere expressamente a um rapaz, optei por estabelecer uma hiperligação para o sítio da Associação, onde os professores podem consultar material sobre a trissomia 21.

Da importância da família




Figuras tutelares: o avô Manuel e a avó Palmira

Quando, aqui há três anos, fiquei a saber que o meu filho mais velho era diabético insulino-dependente, telefonei à minha tia Celeste, a guardadora das memórias familiares e pedi-lhe:
- Tia, manda-me aquela fotografia em que eu estou no meio do avô e da avó, com o bibe da branca-de-neve e os sete anões, que tu me bordaste.
Um dia depois, a cópia da fotografia chegava-me por carta, comprei-lhe uma moldura, pu-la aqui bem perto da minha mesa de trabalho e continuei a trabalhar na minha tese de doutoramento. Escrito assim até parece simples.
Quando a adversidade nos entra vida dentro, que fazemos? Procuramos as nossas traves mestras – é preciso que elas estejam lá para aguentarmos a tormenta.
De onde nos vem essa resiliência excluindo, naturalmente, as características individuais? Essencialmente da família e das figuras parentais. Por razões diferentes perdi os meus pais cedo, mas tive a sorte infinita de ter essas figuras de substituição que foram os meus avós Palmira e Manuel (não digam nada a ninguém, mas tinha também os meus tios Maria Celeste, que me bordava os bibes, a Maria Teresa que, sendo a mais nova era a compincha, e o Luís Filipe que, sendo militar da Força Aérea ficava muito lindo de farda e sendo maluco por motas, me levava a andar na sua BMW a alta velocidade! - Foi um pai exigente e difícil, mas inexcedível em brio e dedicação).
Eu valorizo muito o papel da Escola na educação da juventude (penso que já o deixei ficar medianamente claro), mas estou em crer que é na FAMÍLIA que se joga o grande snakes and ladders da vida.
A família modela as práticas de socialização, de comportamento individual, o estilo de resolução de conflitos, a escolha dos pares, as opções de vida, se analisarmos bem as coisas.
É na família que o jovem aprende a lidar com os factores de stresse, é a família que tem um papel essencial em proporcionar ao jovem as influências ambientais favoráveis ao seu crescimento pessoal e relacional, é na família que aprendemos a construir relações de confiança, a desenvolver expectativas positivas, a nutrir sentimentos de pertença, é a família que apoia as nossas decisões críticas; a família é a guardiã da nossa memória.
Às vezes são intrometidos? - Sim. Telefonam às horas mais inconvenientes, com os assuntos mais abstrusos? “- Sim: Oh Linoka, como é que congelas a abóbora?”, “Espera aí tia, que estou aqui com uma estatística e já te telefono, está bem?”.
Mas são sempre o nosso último reduto. Primo Rogério! Vens cá amanhã almoçar connosco? (adoramos trocar picardias...) Traz a Fátima! E as fotografias de Macau, e do Camboja, e do Vietname, e do Laos e...!(Este pessoal da Justiça tem cá uma vidinha... E ainda tratam mal o Ministro! Também, há uns 30 anos que o conheço e sempre teve aquele arzinho que quem está sempre a apanhar...)

quinta-feira, outubro 26, 2006


A minha menina
Tem uma idade indefinida, que ainda não me atrevi a perguntar-lhe, mas que rondará os middle thirties.
O seu ar jovial e bem disposto não deixa entrever nem à primeira, nem à décima vista, a sua coragem, o seu profissionalismo, a sua determinação.
Tem um estilo muito sui generis: apanha os cabelos com umas flores garridas e dá umas risadinhas divertidas, encolhendo-se toda, como se se escondesse de uma grande partida: ih! Ih! Ih!
Quando me foi solicitado que avaliasse o projecto de Mestrado que ela apresentara para eu apreciar e eventualmente orientar fiquei apreensiva: didáctica da Língua Inglesa-imagem-TIC.
O projecto tinha assim, à partida três variáveis; da minha perspectiva, a imagem deixara de ter na didáctica da língua estrangeira, sobretudo a partir do funcionalismo, a importância que havia tido há muuuuitos, muuuitos anos, quando eu havia feito o meu estágio pedagógico e já se contavam aquelas anedotas do professor que aponta para o peito e diz " I'm a teacher" e o aluno responde: "Sim, professor, já percebi: tenho uma gravata verde". Tratando-se de um mestrado em Informática Educacional, procurei que ela deixasse cair o tema da imagem, mas ela que não senhora, porque queria trabalhar a imagem. Como “cozinharíamos” estas variáveis sem cairmos no déjà vu, como circunscrevíamos o objecto de estudo, sobretudo tendo em conta a multifuncionalidade da imagem, como contornaríamos a aparente tendência que a minha menina tem de encarar a imagem de um ponto de vista artístico – na realidade ela tem uma veia artística poderosa, como demonstra o quadro pendurado na porta da minha sala de trabalho e aqui reproduzido. Como iria ela trabalhar a imagem em contexto educativo?
No início do ano lectivo 2005-2006 foi colocada em Mação, a 170 quilómetros de casa. Foi um balde de água do Ártico. Mandava-me uns mails super-coloridos e com uns bonequinhos aos saltos, hoje um pouquinho de revisão de literatura, logo, mais um pouquinho de metodologia, depois, mais uma entrevista, mais tarde, o questionário, o pior foram os tratamentos estatísticos, as regressões, as multicolinearidades, as inconsistências de alguns resultados que traduziam a manifesta falta de experiência tecnológica dos seus informantes. Apesar de tudo, a coisa foi-se compondo e, como eu sempre lhe ia dizendo - eu já havia chegado às mesmas conclusões na minha tese de mestrado - são os professores dos 40-45 anos que em melhores termos parecem estar com as TIC. (Não vou hoje fazer perguntas acerca da formação inicial de professores hoje).
A pouco e pouco, sempre com um grande sorriso (quantos dias de desespero não terá tido? Quantos dias não lhe terá apetecido largar tudo, fugir de Maçon City, como lhe chamávamos, e correr para os braços do seu “caranguejo verde”?) entregou a sua tese de Mestrado no tempo regulamentar. Se não foi a primeira do Curso, foi certamente uma das primeiras, mesmo antes dos que gozaram de equiparação a bolseiro.
E lá foi risadinha a risadinha, florinha a florinha, mailinho a mailinho, laboriosamente, qual formiguinha, escrevendo a sua tese de mestrado. Um destes dias vai apresentá-la e vai ser um SUCESSO! E daqui, vai um abraço da sua admiraDORA Idalina, que a aDORA.
Muitas felicidades! (Também para o caranguejo verde! Bem merecem!).

quarta-feira, outubro 25, 2006


O que é a reflexividade docente

Reflective practice is a disciplined inquiry into the motives, methods, materials, and consequences of educational practice. It enables practitioners to thoughtfully examine conditions and attitudes which impede or enhance student achievement.
(Norton, 1994, p. 139)
Historicamente, foi Dewey (1933) quem, inspirando-se em Platão, Aristóteles, Confúcio e outros filósofos da Antiguidade, criou o conceito de reflexão docente, como uma forma específica de resolução de problemas, num processo de encadeamento activo de ideias. As suas ideias principais indicam que a reflexão pode ser vista como um processo cognitivo deliberado que envolve uma cuidadosa organização sequencial de ideias, em que cada ideia leva a um resultado e cada ideia e cada resultado encadeiam com os anteriores, com vista a um fim comum.
Dewey propõe então a seguinte definição de reflexão:“A consideração activa persistente e cuidadosa de uma crença ou suposta forma de conhecimento, à luz dos argumentos que a alicerçam e das conclusões a que nos conduz constitui o pensamento reflexivo.”
A decomposição do conceito nos seus elementos permite identificar as principais características da definição de Dewey:
- A reflexão docente pressupõe uma ponderação activa com dos objectivos e das consequências;
- O processo é cíclico e em espiral, e inclui uma avaliação e revisão da prática;
- A reflexão requer o domínio de técnicas de recolha de dados;
- A reflexão exige do docente abertura de espírito e sentido da responsabilidade;
- A reflexão é baseada em juízos que derivam da auto-reflexão e da perspectiva das diversas disciplinas;
- A reflexão docente beneficia da colaboração e do diálogo com os pares.
Do pensamento de Dewey derivaram várias questões, posteriormente desenvolvidas por diversos investigadores:
a) A reflexão é limitada ao pensamento sobre a acção ou está mais inextrincavelmente ligada à acção? ( Grant & Zeichner, 1984).
b) Qual é o tempo que medeia entre a acção e a reflexão? A reflexão é relativamente imediata, a curto prazo ou mais prolongada e sistemática, como Dewey dá a entender? (Farrah, 1988; Schön, 1983) .
c ) A reflexão é ou não centrada nos problemas? (Schön, 1987 ).
d ) Os professores, nas suas reflexões têm consciência das implicações históricas, culturais, sociais, políticas, quando formulam e reformulam os problemas da prática e procuram soluções para eles, num processo a que se convencionou chamar de reflexão crítica? (Gore & Zeichner, 1991; Smyth, 1989; Noordhoff & Kleinfeld, 1988).
Depois de Dewey, o conceito foi retomado por Schön (1987), que o definiu como um processo crítico de refinamento da prática de uma dada disciplina. Para Schön, a prática reflexiva é a análise da experiência pessoal da aplicação do conhecimento à prática profissional, acompanhada por profissionais mais experientes.
Com base nesta definição, a formação dos professores passou a desenvolver programas inspirados neste conceito de prática reflexiva, o que mereceu algumas críticas de investigadores que encararam mal o sacrifício de importantes conteúdos na formação de professores e fizeram recomendações no sentido de combinar o ensino da reflexão com a filosofia de Dewey sobre os aspectos éticos e situacionais do ensino e de contextualizar mais o conceito de prática reflexiva.
A prática reflexiva tem também sido associada à investigação-acção (Fullan, 1991; Brown & MCIntyre, 1993; Haggarty & Postlethwaite, 2003), que por sua vez é considerada uma ferramenta de desenvolvimento das escolas e dos curricula, com base numa retroacção contínua sobre problemas específicos em contextos educativos específicos (1990; Haggarty & Postlethwaite, 2003).
Neste âmbito, Parsons & Brown (2002, p. 75) consideram que o processo de investigação-acção implica observação-acção-ajustamento-nova acção e que a identificação clara dos passos da investigação-acção fortalecem a prática reflexiva dos professores.
Um dia destes, quaundo estiver mais descansada, escreverei um pouco sobre os diversos tipos de reflexão docente que já começam a aflorar neste meu texto.