sábado, maio 05, 2007

Não temos números credíveis sobre o abandono escolar, é isto? Com as notícias dos jornalistas, nunca se sabe se perceberam o que foi dito ou se, propositadamente, distorceram o que foi dito.
Pois é estranho, porque há pessoas em Portugal que têm vindo a fazer um estudo sistemático da situação e dos seus contornos regionais e existem números que nos podem permitir uma reflexão e a procura de novas (ou não) hipóteses explicativas.
O que é impressionante é a falta de conhecimento rigoroso que denotam as intervenções sobre a matéria no I Congresso Nacional de Combate ao Insucesso Escolar: uma mão cheia de ideias gerais e vagas sem sustentação científica. Ainda se fazem congressos assim em Portugal, o que só contribui para nos manter a todos na confusão e na ignorância.
Os principais problemas identificados:
· “A Escola está desajustada para todos os seus agentes sociais”. Esta é uma conclusão que, nos dias de hoje, há-de estar sempre certa. Não há que falhar com uma tese destas. Por isso existe a teoria da contingência. Esta teoria auto-explica-se e simultaneamente, para quem ainda nasceu num mundo razoavelmente previsível, coloca-nos em permanante dúvida e insegurança: tudo tem que ser constante e continuamente ajustado, é do destino das sociedades contemporâneas.
· “Impreparação do próprio sistema de Ensino para resolver os seus problemas” - quais problemas, será de perguntar, porque para sabermos resolver um problema temos de saber qual ele é . Esta é, portanto, outra afirmação digna de Camus na sua fase mais depressiva. A depressão, na literatura, pode ser criativa, nas Ciências sociais nem tanto.
· “Certos factores culturais” - eu gosto da palavras ”certos” pela sua clareza e definição: ficamos todos a saber quais são e como contrariá-los. Estarão a referir-se a uma “certa” democracia de sucesso vivida nos anos 80? Mas já passou muito tempo e, à luz do que Darwin afirmava, as espécies para sobreviverem têm de ser flexíveis. A menos que se estejam a referir a incapacidades genéticas. Por outro lado, a sociedade tembém tem de dar sinais que a escolarização é um factor de desenvolvimento pessoal.
· “Falta de gosto pelo estudo e uma maior dificuldade na aprendizagem das matérias curriculares” - aqui começamos a entender-nos e a ter a possibilidade de começar a formular uma hipótese teórica, de modo a poder testá-la: a falta de motivação condiciona a aprendizagem? O que não faltam são estudos a comprová-lo. Vamos que ter de encontrar MAIS hipóteses explicativas. A maior dificuldade na aprendizagem das matérias é em comparação com quê? Sim, porque sendo maior é em comparação com alguma coisa. A democracia fez-nos mais burros? Deve ser um fenómeno exclusivamente nosso, não foi assim na Suécia, não foi assim em nenhum lado. O comparativo é em relação a outros povos? Não creio que exista qualquer fundamento científico. Sempre podemos encarar a hipótese de sermos burrinhos como uma oportunidade de superação, foi assim que os suecos encararam o seu subdesenvolvimento.
· “Verifica-se ainda um número reduzido de alunos nos diversos graus de ensino” - ora pois, se eles não estão lá, estão em menor número do que deviam estar. Isto, que eu saiba, não é uma explicação é uma constatação.
· “Impera uma generalizada má qualidade do mesmo, segundo os estudos da OCDE”. Bom, tenho que ver melhor estes dados. Mas lembro que, quando alguns países começaram a revelar maus resultados no PISA, aconteceu uma verdadeira revolução. Aqui, tudo parece ser pacificamente encarado com normalidade. Estamos contudo a começar a fazer alguns esforços, quer com o plano da Matemática, quer com o plano de leitura, como na plano tecnológico, mas temos urgentemente de encarar o desenvolvimento da nossa literacia como um desígnio nacional.
· “A Educação em Portugal é trabalhada no isolamento” - é uma frase com muita metafísica: de todo não se percebe a profundidade e o alcance concretos desta conclusão. A sensação de "isolamento" percorre a identidade profissional dos docentes, em todas as culturas.
· “A Escola não conhece a pessoa que é o aluno, nem a sua história de vida” - esta frase é profunda, mas o que quer objectivamente dizer? O aluno só passa a essa condição quando entra na escola. Aí é que começa um aluno e a sua história; é o seu percurso escolar que não se conhece? É o ser social que não se conhece? Em que aspectos? Não se percebe mesmo.
· Pode antever-se uma espécie de explicação para a frase anterior na seguinte: “as mudanças constantes de professores” constituem um factor de desconhecimento”: é uma tentativa de explicação que faz sentido, mas "fazer sentido" não é conhecimento científico é uma mera hipótese explicativa.
· “Por causa do insucesso, os standards exigidos são por isso cada vez mais baixos”. Suponho que isto significa que o grau de exigência por parte da Escola baixou. Este é um argumento de peso: no outro dia, quando dei o vocabulário relativo ao tempo, resolvi “despachar “ logo mais quatro vocábulos relacionados com as estações do ano, introduzi numa ficha um esquema ilustrativo do movimento de translação, porque, quando se ensina Inglês, penso eu, podemos integrar outros saberes e eu procuro sempre fazê-lo o mais possível, pois acredito que o ensino tem de ser desafiante.
Fiquei a saber que cerca de metade dos meninos não sabiam o que era o movimento de translação e, muito pior do que isso, não sabiam quais os meses do ano a que correspondiam as estações, a Primavera tanto podia começar em Janeiro como em Abril ou Julho. Ora, isto denota um retrocesso em termos de saberes estruturantes, porque, em princípio, os meninos dos meios rurais têm estes saberes integrados na sua cultura. Não há maneira de construir um edifício sólido de conhecimentos, nem de desenvolver competências cognitivas superiores, quando metade de uma turma chega ao Segundo ciclo sem este tipo de conhecimentos.
· “Os pais dos alunos, por norma, não vão à escola, o que sublinha a necessidade de serem sensibilizados para a importância da educação dos seus filhos”. Efectivamente, aqui, devemos convir que um dos factores de abandono escolar internacionalmente identificados é a falta de envolvimento da família na escolarização dos pequenos. Mas “ serem sensibilizados”? Qual é o significado desta passiva? Desculpem lá! O caseiro dos meus avós já era sensível à educação dos filhos (aliás, essa é uma das razões para o facto de as terras que os meus avós deixaram, não terem ninguém que as cultive, mas não será a razão principal -portanto, o Sr. Joaquim sabia tanto da vida como os meus avôs, era aliás um homem de grande sabedoria).
Em “Outros aspectos considerados relevantes”, as conclusões finais apontam para que “0 Abandono da Escola é o «cansaço» do Insucesso”. Bom este factor não pode ser colocado em outros. Na verdade, esta é uma variável crítica, tornando-se mesmo no principal factor de abandono precoce, identificado em estudos internacionais para os alunos do terceiro ciclo e ensino secundário, designadamente nos estudos de Alexander e Entwisle (2001) e nos de Fortin el al., também de 2001.
O problema exige um diagnóstico sério e rigoroso. Já passou o tempo dos “palpites”.

2 comentários:

José Carrancudo disse...

Recentemente publicámos no nosso blogue uma análise, da qual deduzimos duas medidas concretas, transparentes e urgentes, ao nível dos métodos de ensino. Feito isto, o resto irá melhorar - no seu tempo.
Quanto aos resultados do Congresso mencionado, apenas podemos concordar com o autor. Embora devamos acrescentar que foram os "educadores" participantes no Congresso que criaram os problemas hoje existentes no sistema de ensino escolar.

Paideia disse...

Sr. Carrancudo, quanto a "medidas concretas, transparentes e urgentes", diga-me: são concretas, porque? Urgentes, porquê? Transparentes, porquê? Sabe que a escrita académica levou-me a encarar com alguma desconfiança tantos adjectivos juntos. Quanto ao resto, não estive no Congresso, não sou educadora entre aspas e se eles os criaram,esta afirmação precisa de ser demonstrada. Se estão criados, há que os "descriar". Boa tarde. Passe bem.