As aulas de substituição, com maior ou menor resistência por parte dos alunos, entraram na rotina. Há quartas-feiras em que cheguei a fazer três, quando uma colega teve de faltar prolongadamente por motivos de saúde. No segundo ciclo, tudo decorre com bonomia, ou com os materiais pedagógicos que foram construídos para o efeito, a que os alunos começam a oferecer alguma resistência ou, para meu divertimento e deles, com jogos de vocabulário e outros. O jogo de forca é o nosso favorito: eles vão negociando o número de elementos do presumível enforcado, a coisa pode prolongar-se e chegar ao pormenor de um lacinho, calças, casaco e sapatos por cima dos pés para a última e trágica viagem, consoante o grau de dificuldade do vocabulário e a cada resposta errada eu vou desenhando deliciada e pormenorizadamente um novo elemento com novas características, uns pés enormes, umas orelhas de abano, para aumentar o suspense.
No 3º. ciclo as coisas estão mais pacíficas, o que condiz com o clima de acalmia e de respeito pela autoridade dos adultos que, paulatinamente, fomos conseguindo impôr. Todavia, é impressionante como entramos naquelas turmas e conseguimos perceber que uma boa percentagem deles vai ficar pelo 9º. ano: essa percepção é assustadora. Porque é que isto acontece? São alunos que não parecem ter grandes dificuldades económicas e contudo parece que a Escola simplesmente não constitui uma experiência estruturante e significativa. São sobretudo rapazes com uma ou mais repetências. Que competências terá dentro de uns dez anos uma pessoa que não passou do 9º. ano? Que oportunidades é que o sistema educativo terá de lhes proporcionar?
Aquela moreninha lá do fim da sala olhava para mim desconsolada, sem conseguir contribuir com uma palavra que fosse para os nossos campos semânticos. No fim da aula, aproximei-me dela e perguntei-lhe:
- Como é que uma rapariga tão linda tem um ar tão abatido?
- S'tora, não percebo nada de Inglês.
- E o que é que gostas de fazer, quais são os teus projectos?
- Quero fazer teatro.
- Tens uma escola óptima ali em Cascais, sabes?
- A s'tora conhece? Acha que é boa?
- Conheço, já lá estive e é mesmo muito boa, estuda para acabares o 9º. ano que eu depois vou lá contigo, prometo.
Abriu-se-lhe um sorriso, uma perspectiva.
- És linda! - conclui.
Menos mal...
2 comentários:
"Todavia, é impressionante como entramos naquelas turmas e conseguimos perceber que uma boa percentagem deles vai ficar pelo 9º. ano: essa percepção é assustadora."
Mais assustador ainda - acho eu! - é que o professor sinta que nada pode fazer para impedir esse panorama de insucesso escolar.
Você tem essa percepção, Fábio?
Trata-se de uma turma onde fui fazer uma substituição. Eu pessoalmente confesso que não a tenho tão frequentemente com alunos meus, até porque a minha aposta foi sempre nos “diferentes”. Mas tenho mais do que tinha há 20 anos. Como é o caso de um rapazinho negro que tenho este ano. Vejo ali factores de risco a montante do início da escolaridade, logo no início da escolaridade, na família monoparental, no irmão mais velho preso, na mãe com um emprego precário, nos seus companheiros, na sua situação actual. TUDO quanto fazemos, no Conselho de Turma, parece tão efémero e periclitante.
Talvez quando eu fizer um pequeno sumário das causas do abandono escolar identificadas por Alexander e Entwisle eu consiga explicar melhor do que estou a falar.Tive de apagar o post anterior, que o periclitante saiu-me com as letras todas trocadas.
Enviar um comentário