sábado, abril 28, 2007

Voltaram os estudos sobre a questão das turmas mistas e as habituais reacções "politicamente correctas".
Não nego que a questão seja muito controversa e que o que não falta são estudos a demonstrarem teses que os seus autores pretendem ver demonstradas.
Mas também é verdade que os jornalistas trabalham a superfície das coisas, fazem parangonas das conclusões e não estão muito interessados em explicar o contexto. Aliás, em princípio, não saberão fazê-lo, a menos que tenham estudado metodologias de investigação com alguma profundidade, o que não é provável.
O que já é menos desculpável é que professores venham depois pegar nestas notícias apressadas e se permitam especulações falhas de rigor e de cientificidade.
No caso do último estudo que mereceu a atenção dos orgãos de comunicação social em diversos países, as variáveis que estavam em causa eram:
tipologia das turmas: mistas/não mistas - sucesso académico, escolhas vocacionais.
E as perguntas de investigação eram: "Será que as turmas mistas influenciam o sucesso académico e as escolhas profissionais? Em que sentido? Há diferenças entre os sexos?"
Trata-se de um estudo cuja metodologia não permite estabelecer relações de causa-efeito, porque não é um estudo experimental, isto é, a população não foi escolhida aleatoriamente, nem houve um grupo de controlo criado aleatoriamente. Logo, é possível que outras variáveis tivessem funcionado como variáveis interferentes. Mais, num estudo que não é experimental, o que encontramos são relações de associação; logo, não podemos afirmar uma relação de causalidade. Associação é diferente de causalidade.
É evidente que a questão das turmas mistas versus turmas ou de raparigas ou de rapazes, é delicada e que, à primeira vista, não parece "natural" separar raparigas e rapazes, já que a sociedade é feita das capacidades de todos, de como elas se combinam, articulam, completam; mas também há outras coisas que, não sendo naturais, provaram ser mais eficazes do que as naturais.
Todavia, tornemos bem claro o que está em causa: o que o estudo afirma é que, no caso das mulheres, existe uma correlação positiva entre turmas só femininas e o sucesso académico e escolhas profissionais mais ligadas a profissões tradicionalmente "masculinas", como as das áreas científica e tecnológica. Por outro lado, no caso dos rapazes, as turmas mistas parecem ser-lhes favoráveis em termos de sucesso académico.
É só isto o que o estudo diz. E tem alguma lógica, se tivermos em conta os padrões de desenvolvimento de rapazes e raparigas. É por isso que temos de ter em conta uma outra variável demográfica - o nível etário. Eventualmente com uma população diferente em termos etários, os resultados poderiam ser diferentes. Aliás, as perguntas de investigação não seriam exactamente as mesmas, já que, numa população universitária ou pós-graduada não estarão em causa as questões de natureza vocacional, como estarão em estudantes do terceiro ciclo ou do ensino secundário.
Ora, relacionar os dados deste estudo com atitudes conservadoras é, no mínimo, uma atitude pouco rigorosa, para não dizer de má-fé.
Agora, também poderia argumentar-se que as pessoas que afirmam que estes estudos estão ligados aos sectores conservadores, o que estão a defender é a manutenção de profissões masculinas e femininas e a sustentar formas de equilibrar o "desequilíbrio" que já é notório: chegam cada vez mais mulheres à universidade, em número superior aos homens.
Nestas coisas, eu sou muito prática e tenho imensa curiosidade. Perguntei às raparigas e aos rapazes o que é que eles pensavam disto.
Respostas prontas. Os rapazes: NEM pensar, nós queremos turmas mistas!
As raparigas: Nós queremos turmas uni em escolas mistas! E sabiam explicar exactamente porquê, com uma precisão espantosa para gente com doze anos.
E agora digam que elas não são espertas. No intervalo das aulas, uma espreitadela "ao outro lado", para relaxar do esforço académico; quanto ao trabalhinho, estamos conversados: negócios à parte. Exactamente como no meu tempo, na minha escola secundária. E não é por isso que não deixo de ter bons amigos, de longa data, e dessa data. Fazendo as contas, estavam mais homens a assistir ao meu doutoramento que mulheres. A minha filha, essa, esteve sempre lá. O primeiro a abraçar-me e a parabenizar-me comovido... foi o meu filho!
Pois.

4 comentários:

Anónimo disse...

Venho agradecer-lhe a visita ao meu cantinho. O seu comentário deu-me oportunidade de conhecer o seu blogue [há um tempo que ando pouco "bloguista", portanto pouco atenta à blogosfera, e neste caso acabo de ler um pouquinho (voltarei com mais tempo), o suficiente para não me perdoar a distracção :)].
Quanto ao tema deste post, não me passaria pela cabeça considerar conservadores os dados que refere e que não ignoro. Mas, outra coisa diferente, a meu ver, serão opções que eventualmente se venham a fazer com argumentos que possam ser um aspecto particular, parcial, de uma questão bem mais ampla, onde outros aspectos há a considerar. Mas, a esta hora tardia, fico por aqui (Aliás, em termos de comentários públicos por cá, não estive atenta, só dei conta no noticiário da SIC há dias).
Um abraço.
Isabel Campeão

Anónimo disse...

Como dizia um jornnalista de um filme que vi recentemente: "No news is bad news, bad news are good news"...

Miguel Pinto disse...

Não seria prudente questionar em primeiro lugar o conceito de turma? É que na escola da ponte, por exemplo, não há turmas. O que é uma turma?...

Paideia disse...

No caso concreto do debate sobre este estudo e das "leituras" que dele se fazem, Miguel, penso que temos mesmo de nos cingir ao conceito de turma, como comunidade de aprendizagem, com as características que lhe são comuns.
Até breve.