domingo, abril 15, 2007

Farpas, 2007


"Aquele" assunto

Eu tinha prometido a mim mesma, com dedos cruzados e tudo, que ia resistir à tentação de falar "daquele assunto", resistir à charge fácil, muito masculina, muito testosterónica, muito vampírica, tipo "dá-lhe na cabeça que é para doer mais", "bebe-lhe o sangue até que te escorra pelo queixo", e evitar reagir a todos aqueles que, na minha entourage, ou insistem em negar a evidência dos factos ou insistem em dizer que tudo se resume a uma vingançazinha relacionada com o caso da OPA sobre a TELECOM. Que seja.
Não fosse o pesadelo que, na noite passada, me transportou ao início dos anos 80: enquanto presidente de vários Conselhos Directivos tive de assinar centenas de contratos de docentes e de lidar com o estado caótico em que se encontravam os registos biográficos de inúmeros professores. Tal circunstância era altamente penalizadora para esses profissionais, na medida em que os processos de prova de habilitações eram literalmente infernais, daí resultando prejuízos materiais e morais que chegaram a ser irreparáveis. O período dos concursos era particularmente caótico, com telefonemas de Escola para Escola para esclarecermos os hiatos de informação dos processos dos docentes.
Lembro-me particularmente de um jovem músico que pertencia a uma das bandas mais interessantes da época e que agora me surge recorrentemente num anúncio da TV. O Mário, o meu filho mais velho, era então muito criança e, como eu passava o dia na Escola, andava por lá, invariavelmente atrás do dito jovem músico. As meninas também o adoravam. Era um jovem professor, profundamente educado e doce, que estava a braços com uma enorme complicação de certificados de habilitações. Um dia, aborreceu-se e foi-se embora. O que nós, no Conselho Directivo, não fizemos para o trazer de volta, entre telefonemas para a mãe e tal! Até fui chamada à Inspecção para prestar declarações a atestar o abandono do lugar... demorei o meu tempinho... foi mesmo até perceber que já não tinha qualquer margem de manobra e mesmo assim desculpabilizei-o quanto pude, até porque não era obrigada a declarar o que sabia a título privado. Abandonou o ensino. Desejo que esteja bem na vida.

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