sábado, junho 09, 2007

A criança educa-se na cidade
Sempre que se fala da educação para a saúde sexual e reprodutiva nas Escolas, emerge incessantemente o velho argumento de que esta educação é da responsabilidade da família.
Em primeiro lugar, há que desmistificar este conceito de “família”. Pessoalmente, considero que o principal responsável pela educação de uma criança é a família. Acontece que, para quem trabalha com elas, é fácil entender que o conceito, tal como é tradicionalmente entendido, tal como surge no contexto desta argumentação, nas suas múltiplas conotações, se está a desmoronar - a família, nos dias de hoje, é uma entidade totalmente distinta, em que até pode ser a “avodrasta” a principal confidente do/a jovem adolescente. É bom que o/a jovem adolescente tenha um tal recurso afectivo que, com a maior frequência, deixou de existir na família nuclear mas, em termos de educação para a saúde reprodutiva e sexual, não existem quaisquer evidências, científicas ou outras, que uma “avodrasta” seja a pessoa mais adequada para esclarecer algumas das dúvidas que o/a jovem dos dias de hoje possa ter, e certamente não o será mais que a professora de Ciências do 3º. Ciclo que, com todo o tacto e conhecimento científico e empírico, convida a médica de família do Centro de Saúde para falar com os jovens sobre a matéria; é que à “avodrasta”, embora admitindo que ainda mantenha uma vida sexualmente activa e feliz, não se lhe puseram, durante o período presumivelmente mais activo e certamente mais reprodutivo da sua vida sexual, os problemas que as novas gerações enfrentam hoje.
Uma segunda falácia do argumento de que a educação para o afecto mais ligado à sexualidade e para a saúde reprodutiva e sexual deve ser feita em família, é contrariada pela evidente complexidade que caracteriza a socialização da juventude na sociedade actual. Seguindo este raciocínio, toda a educação, seja para o conhecimento, seja para os valores, teria de regressar à ideologia (mas não à prática) anterior ao iluminismo. Ora, a evidência das condições sociais de hoje é de que a sociedade tem de funcionar em rede. Para o seu desenvolvimento intelectual, a criança vai à escola, para o seu desenvolvimento moral a criança vai à catequese, à mesquita ou afins, para o seu desenvolvimento físico, a criança pratica uma actividade física no ginásio, para o seu desenvolvimento social, a criança integra grupos e associações da mais diversa natureza, para aprender música vai a uma escola ou professor de música. Em todas estas actividades encontra pessoas e pares com os mais diversos sistemas de valores, em que o mero acto de se sentar numa cadeira pode ser objecto de uma intervenção educativa.
Ora, para serem coerentes, os defensores da reserva familiar à educação reprodutiva e sexual dos jovens, teriam de se responsabilizar em família por toda a educação do jovem. Será caso para lhes propor que experimentem e avaliem o resultado, em termos de competências individuais e sociais para viver na sociedade actual, embora todos os exemplos históricos – e pré-históricos, como sejam os das sociedades mais primitivas, apontem no sentido de que a criança se educa, se desenvolve individual, social e eticamente na comunidade.

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