terça-feira, setembro 11, 2007

Da reflexividade docente, I: A escrita descritiva e a reflexão descritiva

A investigação em reflexividade docente tem procurado tipificar os vários níveis de reflexividade docente. Nesta área, investigam Hatton & Smit que, para categorizarem a reflexividade docente nas suas formas específicas, identificaram quatro níveis de reflexão:

Nível 1 - A escrita descritiva
Nível 2 - A reflexão descritiva
Nível 3 - A reflexão dialógica e
Nível 4 - A reflexão crítica

Nesta entrada, vou procurar caracterizar e exemplificar os dois primeiros tipos, através das mensagens que recolhi em fóruns de professores: 1)A escrita descritiva e 2) A reflexão descritiva.

Na sua essência, a escrita descritiva não é reflexiva, mas um tipo de escrita que inclui relatórios e literatura e descreve acontecimentos, sem procurar justificá-los. Um exemplo de escrita descritiva num fórum de professores:

«Em 2000 estive colocada em Mesão Frio, no meio de nenhures. Deram-me os 12ºs mais extraordinários da minha vida... Decidi, a propósito de Fernando Pessoa, que seria interessante usar o CD da Porto Editora. Foi a experiência mais psicadélica da minha vida. (…)»

O segundo nível de reflexão referido por Hatton & Smith, a reflexão descritiva procura explicações baseadas em opiniões pessoais ou na revisão de literatura; não se limita a descrever factos, mas procura justificá-los de forma descritiva ou narrativa. Reconhece e cita pontos de vista alternativos na literatura; pode assumir a forma de reflexão baseada numa posição teórica ou no reconhecimento de factores e perspectivas múltiplas. Um exemplo retirado de um fórum de professores:
«Versos balbuciei co’a voz da infância...», diz du Bocage, numa alusão à herança, da sua veia poética, do pai, da avó e de outras atávicas influências que o marcaram. (...) As TIC são, de facto, importantes no processo ensino-aprendizagem. Devem, no entanto, ser bebidas com o leite materno, que o mesmo é dizer, na infância e adolescência, sob risco, se assim não for, de desmotivar os jovens/adultos, por se não sentirem hábeis e destros, a lidar com elas. Efectivamente, as idades mais tenras espoletam a indiscrição, acirram a sagacidade, estimulam o talento, açulam o apetite. (…) Vemos adolescentes, ainda crianças, com destreza de pasmar, no domínio das TIC. A minha geração conviveu tardiamente com esta realidade. Esta relação serôdia atrofiou, naturalmente, o desejo, a vontade, o querer. No entanto, creio não ter de ser um exímio manuseador, para motivar os alunos, podendo uma boa pedagogia, um projecto interessante, uma ideia nova, intimamente conviver com essa técnica perfeita e tornar o resultado ainda mais extraordinário. Para além da evidente importância na interacção escola-família, permitindo a divulgação, a partilha, com os pais, de informações relativas aos seus educandos, outros benefícios ressaltam do uso das TIC: que aumentam a auto-estima; que estimulam a capacidade de investigar; que despertam a preocupação na apresentação estética de trabalhos; que promovem a aprendizagem independente; que permitem um maior e melhor manuseamento de informação; que desenvolvem destrezas; que... (Do latim se diz, por ser língua morta – leia-se já não falada por nenhum povo nem tão-pouco adoptada oficialmente pela Igreja – não ter utilidade o seu estudo, esquecendo, clamorosamente, todas as capacidades que a disciplina desenvolve, mormente destreza no raciocínio...). Mutatis mutandi, o mesmo acontece nas TIC. Ainda que outro mérito não tivessem, só pelos apontados valiam por si! Quais poetas barrocos, subornando à forma o conteúdo, corre-se o risco, dirão alguns, de se estar a promover o entretenimento, mais do qualquer outro aspecto pedagógico-didáctico desta componente. Não, não: não falamos de destro, embora isso também seja profícuo, na sua dimensão. O significante até será igual, no respeitante à imagem acústica da palavra; dizemos TIC, que não tique!... »

Neste exemplo encontramos justificações e explicações (“A minha geração conviveu tardiamente com esta realidade. Esta relação serôdia atrofiou, naturalmente, o desejo, a vontade, o querer.”), reconhecimento de perspectivas múltiplas (“corre-se o risco, dirão alguns, de se estar a promover o entretenimento”) e reflexões apoiadas numa posição teórica (“Efectivamente, as idades mais tenras espoletam a indiscrição, acirram a sagacidade, estimulam o talento, açulam o apetite.”).

1 comentário:

Anónimo disse...

olá!
Muito interessante este tópico.
Gostaria de saber onde posso encontrar mais pesquisas sobre este tema. Pois sou aluna do curso de Pedagogia da Universidade Do Estado de Minas - Brasil, e minha monografia é sóbre o tema da reflexividade docente. Principalmente sobre estes níveis de reflexidade sobre os quais você fala.
Agradeço se puder me ajudar!
Aline.