(Em torno do óleo s/ tela, Começando o dia, de Edmundo Cruz e de um poema de Cesário Verde)
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Um poeta e um pintor impressionistas. Cesário Verde poderá ser considerado o Pai da moderna poesia portuguesa e quando vi este quadro, ocorreu-me de imediato a sua poesia De Tarde, pela força com que a figura feminina irrompe do cenário rústico, pela energia com que carrega o cesto da roupa, pelos dourados reflexos do Sol, que evocam os damascos, o pão de ló molhado em malvasia, pelas formas generosas da jovem cujo decote, se fosse maior, faria naturalmente emergir os seios redondos, quais peitos de rola. É verdade que as papoulas surgem rubras num quadro à parte, o Papoilas, mas consigo imaginá-las colhidas, enfeitando o decote , depois da roupa estendida. Misturado com o da malvasia, as tonalidades do vestido evocam o odor da roupa lavada num tanque de pedra, à beira do qual cresce um arbusto de alfazema.
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