domingo, novembro 26, 2006



Amadeo


Este fim-de-semana a família desandou em peso (tirando o Mário, que preferiu o seu Benfica) para os lados da Gulbenkian e arrastou consigo a minha amiga Mi.
Não sei se foi o facto de eu ter nascido em 1952 que fez despoletar o reconhecimento da obra de Amadeo ou se é mesmo porque se terá entrado na era do Aquário.
A procissão do corpo de Deus, em Amarante intrigou-nos. À parte os dignitários religiosos e políticos, superintende, forte e altivo, o cavaleiro guerreiro S. Gonçalo; mas quem era aquela figura verde, algo maligna, sinistra, que, inopinada e inconvenientemente irrompe pela procissão, “desarmonizando” todo o cenário de dignidade e festa? Será o tal padre politica e etilicamente peçonhento?
Aquele quadro da tourada, aqui para nós, e às escondidas da Bá, filha da minha amiga Mi, que é toda anti-touradas OUVE-SE. Eu nunca fui a uma tourada mas, como toda a gente, já passei por elas na televisão. Eu consigo ouvir o resfolgar dos cavalos inquietos, a agitação da assistência “aficionada”, o frenesi dos cavaleiros e peões. À parte a Guernica, cuja sinestesia é arrebatadora, nunca tinha tido com outro quadro uma sensação sinestésica tão forte. Parafraseando Gomes Leal, as cores são vozes e as linhas sons. Todo o conjunto é claramente audível.
A influência das artes decorativas e dos trajes tradicionais portugueses e um certo sincretismo entre as influências árabe e bizantina na cultura portuguesa, despertadas pelo vigor do ballet russo da época que o pintor apreciou, estão eloquentemente representadas nas suas “bonecas”, que me fazem lembrar as bonecas de pano que a minha tia Celeste me fazia, quando eu era menina.
Há contudo ali um par de quadros, mais um trio, incluindo o dos barcos, à esquerda, que ficava divinalmente na minha sala. Ai… ai… Idálina (como me chamava o jovem brasileiro de Alencar, secretário de cultura que eu conheci em Itália e do qual a minha Inês resmungava que me bajulava) “’cê é qui tá ganhando pouco, né?” "Qui nada, pô! Tá é faltando parede!"

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