Washington Allston. Falstaff Enlisting His Ragged Regiment at Justice Shallow's, c. 1806-08.
Sir John Falstaff
Uma das personagens mais complexas e intrigantes da dramaturgia Shakespeareana é a de Sir John Falstaff.
Como é que um sujeito decadente, comilão, alcoólico, mentiroso, cobardola, gorduroso, que acompanha com a escória social pode tornar-se a mais simpática e interessante de todas as personagens da obra de Shakespeare, a ponto de a rainha ter insistido na sua continuidade em Merry Wives of Windsor? O seu perfil varia consoante as peças e é mais político numas que noutras.
É mais repugnantemente cobarde em Henry IV e mais repugnantemente lúbrico na comédia. Sendo cavaleiro, vive ali no limbo social das tascas e casas de mau caminho, em ruas esconsas por onde a gente de bem não transita. Ainda assim, mesmo sem réstia de dignidade ou pudor, mantém com o Príncipe uma proximidade mal vista pelo Rei e é nessa ligação ao lado “certo” da vida que, linguisticamente, entendemos a dimensão da sua duplicidade e da sua decadência.
A época de Shakespeare é marcada por um extraordinário enriquecimento linguístico baseado na introdução maciça de neologismos de origem latina que perpassam nas personagens “nobres” e “educadas” da obra de Shakespeare. Estamos num período em que, em termos de mudividência e culturais o velho e o novo mundo se vão digladiando e incorporando e, como a obra de Shakespeare tão brilhantemente ilustra a cada passo, em que cada um tem afinal de escolher o seu lugar. São tempos politicamente difíceis.
A morte do Rei e a ascensão do jovem Príncipe constituem afinal esse momento de ruptura, em que o brigão decadente entra finalmente em desgraça e implora:
“my King, my Jove! I speak to thee my heart” (2H4 5.5. 46)!
Ao que o jovem Rei responde com desprezo:
“I Know thee not, old man . . .
When thou dost hear I am as I have been
Approach me, and thou shalt be as thou wast,
The tutor and feeder of my riots.
Till then I banish thee, on pain of death” (2H4 5.5. 45, 60-63)
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