sábado, novembro 18, 2006


Conversas à esquina da aula

Dizem que tem uma personalidade esquizóide.É um diagnóstico do foro médico e eu sou uma simples professora. O que eu vejo é um pré-adolescente sofredor, infeliz com o seu corpo, solitário (ele diz que é porque quer, mas quando a atenção se centra nele, os olhos brilham-lhe) e, previsivelmente, com o grande problema em enfrentar as frustrações próprias da idade e da condição.
Outro dia, disse-me em plena aula que era burro e eu respondi-lhe grosso que na minha aula ninguém chama burro a ninguém. "OUVIU BEM? E não me obrigue a levantar a voz, que eu preciso dela para cantar!"
De vez em quando faço-lhe uma espera, com as minhas saídas teatrais: saco de um espelho, coloco-lho bem à frente e atiro: "O que é que vês?"
Inteligente e com um sentido de humor refinado, olha-me de cima (literal e figuradamente), saca do seu próprio espelho (!!!) e diz: "Pareço eu." Isto promete. Insisto: "Vês um belo rapaz, é o que vês, não achas?" É daquelas evidências em que ele, mesmo que não queira, tem de concordar. Insisto: "Olha para o teu cabelo: é bonito?" "Acho que sim." Usa umas roupas muito largas e enfia um barrete grosso logo que sai de uma aula. "Com licença!", digo eu, tirando-lhe o barrete, dando uma volta por trás e escondendo-lho bem no fundo da mochila (vais ter que te mexer bem, se o quisres pôr...). "Excuse me!": componho-lhe a melena, endireito-lhe o casaco, ajeito-lhe a bolsa que usa à cintura, olho-o bem de frente e atiro " You DO look handsome!". Pronto, lá tenho de lhe explicar porque é que não posso chamar-lhe pretty: é que ele pode não gostar e é maior que eu...
Ó stôra, mas handsome é "mão-alguma", não é? (Queres conversa).
"Segue, segue, segue!" (Mando eu, agitando a mão como os Gatos Fedorentos).
"E quando chegar ao café do Barboja?", pergunta ele?
Queres conversa e eu já estou cheia de fome: "Amanhã, encontramo-nos no passeio marítimo, OK?"
"E se chover?", Pergunta.
Um dia de cada vez.

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