Um caso de insucesso
Onze horas da manhã. Gabinete de atendimento de uma escola de segundo e terceiro ciclos, um espaço para receber jovens cujo comportamento na sala de aula aconselha ao seu deslocamento para o referido gabinete. Habitualmente, é-lhe atribuída pelo/a professor/a curricular uma tarefa do âmbito da disciplina a que deveria estar a assistir.
Por princípio, procura-se estabelecer com o jovem um diálogo no sentido de determinar a causa do comportamento desajustado e de o fazer reflectir sobre qual o comportamento que poderia, em alternativa, ter adoptado.
O jovem de uns doze anos, vejo pelo livro que o acompanha que frequenta o 6º. ano, vem trazido pela própria professora, com idade próxima da reforma e para ser sua avó (desculpa lá R. és uma querida!), lívida, visivelmente enervada, mas muito contida e atira-me com o seu dossiê para cima da mesa, com ar arrogante e displicente.
“Vês porque é que to trago?” Pergunta a colega com voz sumida. “Acalma-te. Vai descansada”, respondo procurando transmitir-lhe alguma tranquilidade, que nisto das mulheres menopáusicas os AVC’S são muito mais frequentes do que nos homens. “Deixa-o comigo. Cá nos entenderemos.”
Olho-o de novo, preparando estrategicamente a primeira interacção. Ele vocifera: "a aula é uma m... este país é uma m... a escola é uma m… a professora é uma m...." Parece-me relativamente consistente e sistemático.
Tento estabelecer comunicação com ele dizendo-lhe: "Bom dia, chamo-me Idalina Jorge, sou professora de Inglês e estou aqui para te ouvir e para conversar contigo. Olha, queres sentar-te aí ao pé do teu colega?” Indico-lhe o sofá e começo a experimentar uma tríade comunicacional, no sentido de iniciar um diálogo menos formal e institucional. O outro tem uma barra gelada azul sobre o joelho e toda a acção parece ter-lhe aliviado a dor que o consumia. “Ó pá, tem calma!”, aconselha com ar meio divertido, mas não muito, olhando-me de soslaio e medindo-me as reacções. “Como te chamas?", pergunto. "Para que quer saber o meu nome?" atira-me, fazendo voz alta e grossa, tal qual os homens falam com as mulheres. Por ora, mantenho o padrão relacional: " Não te parece natural que as pessoas comecem por se conhecer pelos seus nomes?" "Mas eu não quero, estou farto desta m... Estou farto dos países! (matéria curricular) C.r..lh ".Sim, essa mesmo, a autêntica, a vernácula, a comum, mas extra-curricular..
"Olha, retorqui, “queres então dar uma volta pelo pátio comigo, para me contares porque estás tão zangado?" "Não, quero ir-me embora desta m..., estou farto disto!". Levanta-se inopinadamente do sofá onde se sentara e sai. Ainda vou atrás dele, pode não parecer, mas tenho alguma agilidade, mas já desaparecera atrás do Bloco.
São 11h10m. A sala está arranjada, tem plantas vivas de que cuido nas horas mornamente “desencaminhadas” em que meu pensamento se desprende e solta, um quadro na parede que pelo "traço" e pela cor, dever ser teu, C., dá para o pátio bem cuidado e arborizado, em que luz e sombra se projectam no chão sugerindo-me uma pintura de Renoir, e para o hall, imaculadamente encerado e coberto de auto-retratos de alunos, encaixados em molduras coloridas. Vou redigir o relatório do meu insucesso. Nome do aluno? Não identificado. Turma? Não identificada. Ano? Eventualmente 6º.
Também penso em vernáculo, mas é melhor redigir o relatório. Quem sabe, mais tarde, o blogue.
(houve um colega queridíssimo que teve a suprema amabilidade de me escrever a dizer que não ficasse deprimida)
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