domingo, outubro 22, 2006

Greve, dia I: hipótese

Não vou fazer greve. Perdi o meu pai aos 8 anos, empobreci, como acontece com a maioria das famílias a quem o pai falta, fui vítima de tentativa de abuso intrafamiliar não consumado devido à minha firmeza, trabalho desde os 15 anos, tenho um filho deficiente, fiz estágio de barriga, com 26 anos, tive a nota máxima, morava em Bobadela, efectivei-me no Alentejo, fui lá "bater com os costados", levei comigo o meu filho de 18 meses, sempre doente, o meu marido ficou em casa, fazíamos um amor sedento e desesperado ao fim de semana, enquanto as casadinhas com militares que tiveram 12 de nota de estágio ficaram ao lado da casinha, o Jorge punha-me a cassete “Ne me quitte pas” quando nos ia levar à camioneta para o Alentejo, depois fiz uma pós-graduação em ensino especial, tinha a minha Inês três anos, depois fiz mestrado e depois doutoramento com o meu filho doentíssimo e estou na escola que é o lugar dos professores. (Certo?!?)
No dia da greve fiquei na escola praticamente todo o dia, ofereci-me para ajudar a Comissão Instaladora nalguma tarefa. Como não fui necessária, conversei com o meu “velho” companheiro J., que estava de greve e também passou o dia na escola. Pleiteámos muito sobre a Escola, umas vezes concordámos, umas vezes discordámos, rimos muito, pensámos muito, ele perdeu uns tostões para o Estado, o que eu vou fazer com os meus não se publica (segundo as leis de Deus), mas nisso vou ganhar-lhe porque os meus tostões vão ser muito mais úteis. Bem feita, J., toma, toma!
O facto de não ter feito greve não significa que seja acrítica nem me impede de reflectir sobre os efeitos nefastos da desacreditação dos professores a que a Sra. Ministra se tem dedicado.
Vejamos alguns conceitos tradicionalmente associados à imagem do professor e que foram identificando a sua profissionalidade:
A imagem ligada ao espírito Socrático e à sua melhor descendência em termos didácticos e pedagógicos: “tudo pode ser ensinado, desde que o seja de forma intelectualmente honesta”; a imagem do professor que tem verdadeiro gosto pela sua profissão e se dedica à educação da juventude; o apaixonado pelas matérias que ensina e que consegue transmitir esse gosto aos seus discípulos; o que conhece os padrões do desenvolvimento humano e utiliza esse conhecimento para tornar o ensino e a aprendizagem produtivos e interessantes; o professor controlador e controlado que, nos casos mais extremos, se tornou num estereótipo ligado a certas correntes que deixaram na História marcas sangrentas e que pode tornar-se auto-destrutivo, porque dificilmente produzirá uma figura inspiradora e geradora de criatividade e gosto de aprender.
O que a Sr. Ministra fez foi retirar aos professores a autoridade natural que lhes deve ser reconhecida enquanto adultos cuidadores da juventude, esse cuidado que resulta da fusão de dois conceitos essenciais: o educere latino e a paideia grega.
É como se, de repente, se gerasse um movimento de haraquiri social, de fazer passar aos jovens que as figuras indispensáveis ao seu desenvolvimento, os seus pais, os professores, os adultos em geral não prestam.
Ora, os jovens necessitam de modelos de adultos dignos, convictos, entusiásticos, saudáveis, consistentes, dedicados, bem-humorados, enérgicos e com auto-estima, tudo o que a Sra. Ministra retirou ou negou aos professores.
Hipótese: As consequências nas Escolas de fazer passar uma imagem de professores preguiçosos, incompetentes e pouco dedicados foram e serão terríficas.

1 comentário:

Os Amigos da Escola disse...

desesperados são os que já não esperam, né?
Em dias de greve, a escola fica mais parecida com a ESCOLA ideal:
-menos gente
-menos ruído
-menos confusão
-menos idas ao hospital
-menos, menos, menos,
mas... também muitas coisas boas e mais, tais como a possibilidade de fazer coisas diferentes, o clima presta-se, a empatia é maior, alunos e professores ficam mais uns com os outros.É claro que um dia, a greve fará sentido, todos os portões das escolas estarão com correntes, correntes de toda a gente que não se apresenta nas escolas, correntes de pais e filhos que regressarão a casa, não irão possivelmente ao trabalho, e talvez com esta dimensão, se pense como tudo está ligado, o professor é um funcionário público, então com todos os outros funcionários manifestem-se para valer doa a quem doer, e irá valer a pena saber que só se fazem omeletas com os ditos e as ditas que aqui não há diz CRIM(E) inacção!