terça-feira, março 25, 2008


Riscos azuis, opinião, informação e matrizes teóricas...


(Ainda a Carolina Michäelis e os informantes de um programa da TV)

Felizmente, os avanços da neurociência e da imagiologia cerebral permitem já mapear o cérebro, de modo a compreendermos melhor como funciona e as diversas funções de cada uma das suas áreas - é um campo de investigação absolutamente fantástico: foi a isso que o Dr. Quintino se referiu hoje num programa televisivo, quando falou dos riscos azuis.


Esta sofistifação de meios tornou mais específico o conhecimento que temos do desenvolvimento humano, nos seus múltiplos aspectos, designadamente no aspecto da socialização.

Contudo, os velhinhos psicólogos que informaram a nossa parentalidade já nos explicavam que o comportamento daquela menina da Carolina Michäelis é típico de uma criança de 2 anos e meio. Qual é o pai que não se lembra de a criancinha, por essa idade, se atirar com o rabo ao chão e desatar em gritaria a plenos pulmões, ou porque tinha fome, ou porquer tinha sono, ou simplesmente porque não a deixaram fazer uma dada coisa ou manipular um determinado objecto? A diferença essencial é que, aos dois anos e meio, o rabo está fisicamente mais perto do chão e a criancinha não tem tanta força física...

A sério, eu até tenho fotografias do meu mais velho num desses "incidentes críticos" ele, que até foi sempre um grande pachola.

Uma rápida vista de olhos ao velhinho primeiro volume do Dr. Arnold Gesell, já muito esfarrapado e cheio de notas à margem, marca a data do primeiro incidente crítico dos dois anos e meio: Setembro de 1980.

Isto, para dizer que, relativamente aos risquinhos azuis de que o Dr. Quintino falava, o seu modelo teórico de análise é, naturalmente, o modelo psicológico, isto é, a dimensão individual daquele comportamento exibido por aquela menina.

A mim, o que me interessou foram os factores de contexto; um modelo teórico que estuda os factores de contexto é um modelo de tipo sociológico.
Portanto, em função do que queremos saber ou compreender é que escolhemos o modelo de análise.

A mim, o que me tem movido a reflectir e recolher informação é procurar compreender quais os factores de contexto escolar que levam àquela situação considerada na sua globalidade.

E porquê?

Em primeiro lugar por uma razão teórica: a literatura sobre a indisciplina é esta perspectiva teórica que adopta.

Em segundo lugar pelo conhecimento já construído pela investigação séria sobre a indisciplina em meio escolar, que já se centrou sobre um conhecimento básico: a indisciplina em meio escolar explica-se sobretudo por factores internos à Escola.

Em terceiro lugar, por uma razão prática: que ensinamentos posso recolher sobre este episódio, tanto mais que, profissionalmente, estou a trabalhar nisto?

Em quarto lugar uma outra razão prática: com que dados válidos é que posso trabalhar e reflectir, sendo que a minha pergunta de partida é

Que factores de contexto justificam ou explicam aquele episódio?

Eu até me poderia interessar pelos aspectos individuais, pela dimensão psicológica do problema. Deparo-me contudo com um óbice de natureza prática: não conheço a menina e, portanto, praticamente tudo o que poderia fazer seria especular.

Poderia até interessar-me pelas percepções da sociedade relativamente ao fenómeno; aí teria pano para mangas: recolheria todas as opiniões, faria a análise de conteúdo,organizaria as percepções por grupos sociais, tendo em conta a idade, o género, a profissão dos informantes... Mas também não me interessam muito as opiniões.Na verdade, este é o 17º. texto que aqui escrevo sobre a indisciplina e um deles é justamente sobre essas perceções.

O que me interessa mesmo é o contexto escolar que explica o fenómeno, tanto mais que, e aqui surge a quinta razão prática,não posso modificar o contexto social alargado, mas posso contribuir para mudar os factores de contexto escolar que o explicam.

Passemos então ao método e ao material de análise: não me interessam tanto as opiniões de pessoas estranhas ao fenómeno, porque essas não o explicam na sua especificidade; se fossem opiniões de pessoas da Escola, ainda me ajudariam a compreendê-lo; além dessas pessoas,outras opiniões não me servem para entender aquele fenómeno concreto, a não ser as dos especialistas, porque esses têm os seus modelos de análise e conhecimento cientificamente adquirido.

Para aquilo que eu quero saber, tenho como matéria prima o próprio video, que é bastante elucidativo e a informação, sublinho informação, não as opiniões sobre os antecedentes que podem contribuir para a explicação do fenómeno.

E que informações são essas que laboriosamente (sim, estas coisas dão trabalho) recolhi, analisei e categorizei?

1. A turma é "problemática": dimensão: organização escolar; porque é que uma turma do 9º. ano é problemática? É que com a verticalidade dos agrupamentos a justificação para que se constituam turmas problemáticas no quinto ano já é difícil de aceitar, a não ser pelo facto de haver falta de equidade na formação das turmas, que é um problema real das nossas escolas,quanto mais numa turma que já vai no 3º. ano do ciclo: sendo problemática, porque não foi simplesmente desfeita a meio do ciclo? Haverá poucas turmas de 9º. ano? Seja qual for a razão, este é um problema de organização escolar, até porque, se se desse o caso de a turma não poder ser desfeita, outras soluções poderiam ter sido adoptadas.

2. A menina tem antecedentes; não sabemos como é que esses antecedentes foram trabalhados, mas há um problema de quantidade: a informação disponível é a de que já serão em grande número, o que já teria eventualmente justificado uma intervenção disciplinar que pudesse vir a evitar que se chegasse ao ponto a que se chegou: dimensão do problema (falo em dimensão no sentido metodológico): falta de regras claras, de uma clarificação das respectivas consequências e da sua aplicação criteriosa e oportuna. Este ponto também serve para explicar o comportamento do resto da turma.

3. Há também a informação de que o clima da Escola se terá deteriorado nos últimos anos; esta situação parece estar associada a vários factores, tais como a alteração da população escolar (um informante falava até do efeito da construção de uma estação de metro perto da escola).

4.Parece haver uma dificuldade em formar equipas directivas, que é de tal ordem que, uma escola como aquelas, que deve ter (ou ter tido) um corpo docente relativamente estável, está a ser gerida por uma colega do quadro de zona pedagógica - e esta minha observação não inclui qualquer juízo de valor, mas apenas a constatação do facto de que há uma dificuldade em formar equipas directivas, que é outro factor interno: o da liderança.

5. Uma eventual falta de coesão dos profissionais, ou, no mínimo, a percepção dela, uma vez que a colega envolvida não tomou a iniciativa de apresentar queixa interna.

6. Cenas que revelam um ambiente pouco propício entre os alunos , documentadas por vários vídeos no Youtube, incluindo episódios que configuram casos de bullying entre alunos, entretanto retirados.

7. De acordo com a informação do Dr. Quintino - não vejo que haja razão para duvidar dela, porque me parece um profissional bastante credível e com uma sólida formação científica, já uma equipa de psicólogos da segurança social se tinha prestado a ajudar a escola com estes problemas, mas até à data, ainda não teve resposta da sua Direcção. Em que categoria vou eu colocar esta informação? Na categoria liderança.

8. Um outro factor que, sendo strito sensu externo à escola, não o é lato sensu: o facto de a Direcção Regional ter pendente uma decisão sobre um caso anterior: se o caso se deu em Dezembro, não se entende porque ainda não está resolvido. Em matéria de disciplina, a celeridade conta: um caso ocorrido em Dezembro que ainda não tem solução revela a falta de compreensão de que, em disciplina, a celeridade conta.

Este é o meu modelo de análise do fenómeno e estes são os dados que recolhi e em que me fundamentei, mas concedo que, não sendo esta a minha área de especialização, haja opiniões mais fundamentadas que a minha.

Venham elas.

Sou toda ouvidos.

11 comentários:

ana paula pinto disse...

Cara colega,muitos parabéns!
Agradeço a sua opinião e a paz que ela me traz.
Depois de dias com o estômago embrulhado pelas análises feitas em torno do caso Carolina, vejo confirmada, com orgulho, a tese de que são os professores, que associam o trabalho no terreno ao estudo e à reflexão, que melhor "lêem" a Escola e tudo o que nela tem lugar.
Ana Pinto

Anónimo disse...

Aceitando a análise como relevante, no entanto não vejo em que aspectos é que difere, por exemplo, de uma avaliação dos problemas existentes na selecção nacional de futebol sub-21, quando os jogadores entusiasmados vandalizaram os balneários, ou em relação à violência em instituições prisionais.

Ou seja, um método instrumental que serve para quase tudo, é capaz de não ser o mais adequado ao problema da violência na Escola, principalmente quando ignora a ideologia que tem estado na base da ruptura operada em relação ao modelo do "passado" e à hermenêutica do conceito de "autoridade".

Interrogação: as coreszinhas que assinalam a actividade cerebral não serão a última versão tecnológica para a compreensão do ser humano, tal como a frenologia o pretendia ser em tempos menos apetrechados ?

Paideia disse...

Obrigada pelas suas boas palavras, Ana Paula. Realmente, o episódio estragou-nos um pouco este tempo que deveria ser sossegado. Só racionalizando, contornamos a indignação.
Anónimo, não percebo nada de futebol. Gosto do Ronaldo,que faz (muito menos) anos no mesmo dia que eu. E gosto do Ricardo, também; o resto são 22 tipos a correr atrás da bola. Quanto à interrogação sobre as cores, leia Damásio, Baron-Cohen e outros: explicar-lhe-ão melhor que eu.
Quanto ao método, não gosta do instrumental (não sei a que método se refere, procurei em Tuckman, mas nunca ouvi falar deste, nem nunca o ensinei), mas não me sugere a sua alternativa. Não acha que a sua argumentação fica algo superficial?
Até breve!
:)

Anónimo disse...

Mas o que é que a imagem digitalizada do cérebro tem com a frenologia?!?

Anónimo disse...

1. Não sei se percebeu que o seu modelo de análise é organizacional e pouco ou nada tem a ver com as pessoas concretas em causa ou com a ideologia educativa em que decorre a própria violência.

Isto é, não aborda o essencial das razões que conduziram ao estado actual de muitas das nossas escolas, não trata os intervenientes como pessoas, mas dedica-se a lançar um olhar tecno-científico sobre relações mensuráveis e objectiváveis, de acordo com uma perspectiva empresarial.

2. Experimente ler Hacker, P.M.S. e Bennet, M.R. bem como Wittgentein e talvez perceba o que eu quero dizer.

Anónimo disse...

Errata: Wittgenstein, L.

Paideia disse...

Caro anónimo,
1 "o seu modelo de análise é organizacional e pouco ou nada tem a ver com as pessoas concretas"
Se eu não conheço as pessoas concretas como posso recorrer à fenomenologia?

2.Conhece o que se chama "grounded theory"? Leia Glaser e Strauss.


3. Tem a noção de que devemos ter a humildade suficiente para chegarmos a saber que há conhecimento construído e que não é preciso inventar a roda?

4. Já agora, dada a fragilidade da sua argumentação, não se limite a copiar nomes da wikipedia; leia:
Watt, Higgins, Dobosksy, Terrance Scott, Gottfredson,Kevin Filter,Watson, Todd. Estes são alguns dos mais releventes investigadores na matéria. Por relevância, aparecem nos primeiros lugares numa boa base de dados educacional. Depois, é ler o que escrevem e pensar.

4. Não me atire com o seu WittgenSTEIN. Já não se apedrejam mulheres na cultura europeia.E não me faça perder tempo com as suas argumentações apedrejísticas, que, em português corrente, são caceteiras.

Anónimo disse...

Curiosa a sua reacção

Fez-me lembrar a do seu mestre Daniel Sampaio a tentar desvalorizar/destruir a argumentação dos outros com base na autoridade de cátedra.

No seu caso ainda é mais pungente, uma vez que recorre à vitimização/violência de género ?...

Paideia disse...

Observação psicologizante:


A sua penúltima visita ao meu blogue saldou-se em 104 minutos e 20 páginas revistas. Não valho tanta curiosidade. Volte ao seu WittgenSTEIN. Quem sabe não lhe cabe a si resolver, de vez, os problemas da filosofia? Eu tenho mais que fazer.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Paideia disse...

Desculpe, anónimo. Tenho algumas certezas em matéria de disciplina e de ciberbullying. A idade não traz só desvantagens. Agora percebo a sua busca incessante do meu nome pela net. Volte ao seu WittgenSTEIN. Ou regresse a Russel. Quando comecei a ler Russel, o mais provável é que o anónimo ainda não tivesse dentes.