sábado, março 22, 2008

Indisciplina na Escola: por momentos, deixemos os pais de lado...


Relativamente aos acontecimentos recentes na Escola Carolina Michäelis, deixemos, por momentos, os pais de lado. Só por momentos. Já sei que a maioria de nós, também pais, irá dizer que se um filho nosso ousasse comportar-se daquela maneira, quem tratava do caso em pormenor seríamos nós. Eu, pelo menos, diria: Agora nós, menina.

E a coisa ficaria feia.


Mas, por momentos, reflictamos sobre se aquela menina seria capaz de um comportamento idêntico noutra Escola; se aquela turma seria capaz de um comportamento tão aberrante noutra Escola.

Isto é, centremo-nos, por momentos em equacionar a hipótese de o problema estar naquela Escola concreta, a Carolina Michäelis.

Porque é que haveríamos de fazê-lo?

Em primeiro lugar, porque é normal que as relações de causalidade se procurem dentro do seu círculo ecológico próximo, neste caso, a sala de aula, a escola.

Em segundo lugar porque, das inúmeras reacções que o episódio suscitou, há um número significativo de reacções tendencialmente mais ponderadas que falam do que a Escola já foi e no que é agora, falam em percepção de impunidade, falam em idênticos episódios recentes naquela escola que ainda não foram resolvidos ou, a terem sido resolvidos, foram mal resolvidos, resultando daí a tal sensação de impunidade. Aliás, pela natureza dos vídeos no Youtube sobre a Escola, começamos a perceber que ali há um problema.

Convenhamos que, no final do segundo período, volvidos que estão já dois terços do ano lectivo, é estranho que ainda haja alunos com telemóveis ligados na aula.

A Escola tem ou não regras sobre esta matéria?
Se a Escola tem regras, estas são consistentemente aplicadas?

Porque se as regras existem e foram consistentemente aplicadas, é certo que já houve alunos que experimentaram o telemóvel na aula e não se saíram bem, o que dará aos outros a indicação de que, se fizerem o mesmo, vão sair-se mal.

Ora não parece que esse seja o caso. Ao contrário, tudo indica que já tenha havido casos de utilização de telemóveis na aula e outras diatribes idênticas e não tenha havido uma disciplina clara e consistente.


Todo o comportamento dos alunos denota essa percepção de impunidade. Não apenas da parte daquela aluna, mas da maioria dos alunos da turma.

Quem tem experiência de docência, sabe que há turmas mais difíceis que outras, e sabe igualmente que aquele comportamento colectivo é característico de uma Escola sem regras, nem consequências.

O que pode então um(a) professor(a) fazer quando trabalha numa Escola sem regras? Ou numa Escola, em que a aplicação da disciplina é meramente casuística, dependendo das relações de poder que nela se estabelecem?

. Pode fingir que não vê: é muito mais frequente do que possamos imaginar: os professores simplesmente fingem que não vêem: ninguém se aborrece muito: nem o próprio, nem a Direcção da Escola, ninguém.

O problema é que a Escola perde uma das suas funções essenciais, que é a de modelar os comportamentos adequados.

. Pode entender que está lá para ver e para agir - uma atitude muito mais exigente para todos, uma verdadeira maçada. Participar do aluno, envolver o director de turma, este ter de chamar a família, eventualmente ter de accionar o processo disciplinar, que é uma coisa que dá trabalho a toda a gente: ao Conselho de Turma, à Direcção da Escola. Há sempre um inteligente que pergunta: o conflito não poderia ser evitado? Porque o pior de tudo é o conflito e o trabalho, o esforço que implica enfrentá-lo.

Já pensaram no perigo que uma professora altamente qualificada, como já lhe chamaram, não vou investigar se a informação é verdadeira ou falsa, estou simplesmente a formular uma hipótese, pode constituir para a actual equipa directiva da Escola?

Não vou desenvolver a tese, porque já todos conhecemos medianamente o seu desenvolvimento natural.

Em suma, o que me parece é que a Escola Carolina Michäelis está doente , o problema é interno e é lá que tem de ser resolvido, se a Escola quer ver-se livre de um tão triste protagonismo.

Comecem por tirar de lá a actual direcção e fazê-la voltar à sala de aula.

6 comentários:

Existente Instante disse...

Colega Idalina

Acredite que é a primeira e última vez que vou comentar num blogue o caso "Carolina Michaelis". Se o faço no seu, deve-se simplesmente à perspectiva de abordagem inteligente e abrangente que a colega faz do caso, bem distante das opiniões apaixonadas, bem intencionadas, mas desprovidas de quaisquer critérios que não sejam "de solidariedade imediata, ou "colagem", legítima por emocional a um mal estar bem concreto da nossa classe, por razões que conhecemos.

A Idalina toca num ponto fulcral: Este caso não surge isolado, surge num contexto curioso que a Idalina não nomeou, e que para mim é um dos busílis do funcionamento organizativo da Escola: O Clima. E percebeu que o clima vivencial de escola do Carolina não é o melhor, e nem sequer me estou a referir a um só factor: a liderança e os seus processos. Os casos irresolutos, as regras difusas, as sanções não aplicadas, ou tremeluzentes punitivas, parecem em tudo o que fui lendo que se conjugam para situações que configuram o que a Idalina aponta. Agora, é estranho verificar que esta escola, até nem esteve mal cotada nas avaliações "inspectivas", todavia com todo o respeito pelas mesmas, elas não conseguem aferir o tal clima de escola que como sabemos determina em muitos casos as diferenciações, porque só um ignorante, é que acha que as escolas são todas "iguais" ( e estou a referir-me às públicas).

Professores que somos, sabemos que muitas vezes a par da zona, do estatuto, o clima que se vive numa escola, determina solidariedades, encontros, comunicações, empenhos, satisfações profissionais.
Só não concordo com a Idalina quando afirma que a actual Direcção deveria retirar-se,( tantas deveriam fazê-lo colega Idalina) porque sabe muito bem que mesmo fazendo-o, se os outros factores não fossem concomitantemente melhorados, era um passo em vão.
Assim concordo com a Idalina quando afirma que o Carolina está doente e sei-o por conversas privadas e até comentários de alunos, todavia, mais do que a tibieza, ou "gestão de negócios correntes" do CE, importava analisar as dimensões "climáticas" desta escola, quer ao nível dos processos de liderança, motivações dos actores educativos, interacções/cooperações, canais e dimensionalidade da comunicação, sistemas de controlo, estilos de decisão, objectivos fixados e mesmo níveis de desempenho. Isto só para citar as dimensões de climas organizacionais de Likert.

Mas podíamos ir mais longe e investigar de que forma no Carolina Michaelis, a autonomia individual e preservada na tomada de decisões, o apoio que é sentido pelos docentes e funcionários no seu trabalho, as relações e interacções pessoais na escola, ou a motivação humana neste estabelecimento de ensino, segundo Bonnet, que não diferem muito do escrito acima.
Penso que é nesta luta entre a ambição destas realidades e a vivência da realidade com ajustes sistemáticos, que uma escola pode ir adoptando o seu clima e vivenciar experiências de satisfação dos seus actores, senão cara Idalina , uma escola "anda", funciona , naquilo que chamo "fazer a correnteza dos dias". Talvez fosse bom estudar as escolas públicas de sucesso, fora dos relatórios da inspecção, falar com os viventes desse sucesso e perceber muita coisa. Existem escolas ( independentemente da zona geográfica, da tipologia, do equipamento) com baixo índice de instabilidade, de agressividade e violência escolar, com elevados índices de satisfação de docentes, discentes e E.E e esses casos deveriam ser conhecidos, estudados.
Talvez...talvez por isso, a nossa colega pudesse ser um perigo para o CE, ou talvez não...talvez a demora na reacção à comunicação da agressão fosse devida a essa solidariedade não sentida, talvez a uma certa "solidão ambiental" que vai grassando em muitas escolas, talvez...
Desculpe esta longa postagem e parabéns pelo seu blogue que informado, sóbrio, cultural e elegantemente certeiro, está nos meus favoritos

Paideia disse...

Caro Existente instante, desta vez resolvi não me referir explicitamente ao conceito de clima escolar - que já descrevi há tempos - mas às dimensões do dito; se reparar, estão todas lá e o colega volta a enumerá-las de forma explícita, designadamente:

- Um conjunto de regras claras e consistentemente aplicadas;
- A coesão dos profissionais;
- A liderança.

Ora, dos dados que é possível recolher, há falhas graves, quer na dimensão das regras, quer na dimensão da coesão dos profissionais.

A questão das regras está intimamente ligada à liderança. Se reparar, houve casos anteriores que não foram adequadamente resolvidos e isso é um problema de liderança.
Se a professora não se queixou de imediato, temos de pensar que há problemas de coesão e de falta de confiança na eficácia da liderança.

E voltamos à liderança.

Quanto à classificação dada pela Inspecção, presumo que os critérios avaliem outras variáveis além do clima.

Penso que, tal como o caro colega, esta será a primeira e a última vez que me refiro ao caso.
Antes de o fazer, li cuidadosamente os comentários do youtube - custou, mas teve de ser, para perceber alguma coisa ;) - e, sinceramente, o que retirei do fenómeno foi, essencialmente, um problema de clima organizacional.

Bem haja pelas amáveis palavras e pela distinção que me concedeu com o seu comentário inteligente e profundo.

António P. disse...

Excelente texto.
Curiosamente antes de o ler e ao jantar falava com uma sobrinha minha ( já universitária e muito escandalizada com a comportamneto da jovem )e alaetav-a para a situação que aqui descreve ão bem
Cumprimentos

Paideia disse...

De facto, a grande maioria dos jovens tem um desenvolvimento moral equilibrado e compreendeu facilmente o quanto de errado havia nesta cena por parte desta adolescente e dos seus companheiros.
E tb há os "teóricos" que saberiam resolver melhor que ninguém a situação. No dia a dia, porém, é difícil encontrar alguém que resolva uma situação de conflito - seja no supermercado, na padaria, na passadeira de peões. E isto porquê? Porque estamos habituados a uma cultura de subserviência em que o mais fraco cede ao mais forte. Quando, por qualquer razão, o equilíbrio é instável, não sabemos usar da assertividade, porque esta, no nosso país, paga-se cara, pode crer.
:)
Cumprimentos.

Anónimo disse...

Porque é que as Escolas não definem regras e consequências?


Costa Neves

Anónimo disse...

Excepcionalmente lúcido, o seu texto.

Josefina Neves