sábado, março 10, 2007

Jota(Nome de jogador tão talentoso como incapaz de gerir a sua vida e de tirar partido do seu enorme talento. Nem de propósito. )

Eu podia começar este discurso com a prosa poética que percorre os textos dos professores que, tal como eu, se formaram no discurso pedagógico optimista, marcado pelas concepções dos anos sessenta.
Na verdade, o que eu sinto e penso é que tais concepções estão desajustadas e aquele discurso tem hoje a marca da mais profunda hipocrisia, daquela que, com sorrisos e gestos estudados, afirma que toda a esperança do mundo está nas crianças. O mundo, esse, particularmente a partir do 11 de Setembro, atira-nos indiferente com uma realidade em que as crianças nascem num mundo disposto a perpetuar as formas mais sanguinárias e cruéis da manifestação da nossa indiferença, mascarada de metáforas belas. Como vão ganhar forças, energias, aprender a agir de forma diferente, se todos os modelos perpetuam a espiral hipócrita da indiferença mascarada de metáfora belas: e o melhor do mundo são as crianças... (o mais dramático é que são mesmo!!!)
É verdade que me apaixonei pelo brilho dos seus olhos, pelo seu ar de menino reguila, para o qual eu desejaria que todos os encontros fossem de boas aprendizagens e socializações, que o valorizem e o façam crescer a acreditar no que é justo e certo, a acreditar no esforço pessoal, como forma de superar as dificuldades da vida.
"Quando eu crescer vou assaltar carros... e a s'tora!", diz sorrindo maroto. "Ai que susto!", reajo com um sorriso de plástico. E o meu sorriso plastifica quando tenho a percepção de que, à semelhança do outro que tive em Paço de Arcos e que era um menino tão inteligente, eu visitei, pela última vez, na prisão. Este tem todos os indicadores de que vai acabar de forma idêntica.
Que será feito do Érre, o menino que dizia que preto só para construção civil ou para a prisão? Que doze anos já tão falhos de esperança e de expectativas positivas...
Na verdade, estou mais do que apreensiva porque os indicadores de que parece não haver experiências positivas que literalmente roubem este menino ao lado mau da vida são mais que muitos. Em educação, é preciso ter muita paciência e não desistir, mas a sensação é a de que a vida lá fora o atira inexoravelmente para a exclusão e que todas as vivências e experiências de cidadania, de carinho, de afecto, do caring que todos os dias faço questão de transmitir-lhe, na Escola não chegam para contrariar a espiral de miséria queafecta já todos os seus comportamentos.
No outro dia não pude mais. Subi à gestão e pedi ajuda: a resposta não podia ser melhor - fomos os dois, o Jota e eu, à papelaria da Escola com uma requisição para material novo. Depois, subimos à Biblioteca e arrumámos o novo dossiê (lindo! Que inveja!), com separadores, reforçadores de furos. Mas os lápis e as canetas desaparaceram sem um contentor mais pequeno que os organize; nesse aspecto, a ajuda da Inês Jorge foi preciosa: pegámos numa bolsa em muito bom estado, lavámo-la muito bem e passeia-a ao Jota através da DT.
Mas a (boa e nova) borracha já está em fanicos e de bolsa e respectivos conteúdos, nem novas, nem mandados.
É verdade que nos construímos com aquilo que vamos construindo, mas nada parece chegar para segurar aquele menino. Ainda tão novinho e já tão marcado por esse miséria que se nos cola a cada pensamento, a cada decisão a cada gesto.
P.S.: e contudo, cada separador do dossiê já meio esbandeado, tem escrito no verso a respectiva cor em Inglês... Obrigada, meu querido menino, por reacenderes a minha esperança.

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