sábado, março 10, 2007


Educação, culpas e culpado(a)s



Quando lhe referi que o stress docente é qualquer coisa de visível e palpável na nossa Escola e está a atingir níveis muito elevados, consubstanciados em situações e exemplos concretos, e que muito desse stress deriva dos preocupantes níveis de indisciplina observados, a IR da CI retorquiu:
-Sim mas se a A não consegue disciplinar os alunos a culpa é dela!
Voltamos ao lado perverso das concepções pedagógicas dos anos 60: os alunos têm direito a ser educados em liberdade; se não a respeitam, a culpa é do professor. A verdade é que cada professor está sozinho na sua sala, com todas as suas crenças, com todas as suas dúvidas e a cultura dominante é a de que um professor não pode ter dúvidas, por mais que a realidade se lhe apresente em situações de fio da navalha, sobre as quais não podemos ficar a elaborar mas, a cada momento temos de agir e, de cada vez que agimos há-de haver sempre alguém que, do alto da sua omnisciência aplicada na sala do primeiro andar em que a própria cadeira está de costas viradas para o pátio e para a área mais problemática da Escola, justamente aquela onde estão os alunos que a Escola já “aculturou”, justamente os mais velhos e onde todas as manifestações de que a nossa educação para a cidadania está a falhar. Eu também tenho aquela turma de que a colega saiu a chorar. Às vezes apetece-me “discipliná-los”, isto é, fazê-los trabalhar sob a pressão da caderneta com possível recado para casa em cima da mesa, mas outras vezes não estou com o tipo de energia para tal e “alargo” a malha da disciplina. “Alargar” esta malha, isto é, ceder um pouco ao disparate, ser um pouco mais complacente, é algo que teoricamente estaria errado. Isto é: a disciplina requer consistência de métodos e de procedimentos. Mas o professor não é uma máquina: cada dia é dia de um olhar diferente sobre aqueles alunos, sobre aquela relação pedagógica; o professor traz para a aula todas as suas experiências de vida, como adulto que já foi criança, como pessoa, como pai. E nesta conjuntura se gera e ensina a flexibilidade, característica que exige muito exercício. Mas como se aprende a flexibilidade e o exercício dela quando o professor está constantemente sujeito a esta filosofia da “culpa ser dela”? Esta filosofia remete qualquer professor para uma solidão angustiante e exclui qualquer possibilidade de, sem medos, podermos abertamente partilhar as nossas dúvidas, mas também, porque não, as nossas certezas.
Aliás, este peso da CULPA é, na nossa cultura, algo de profundamente ligado à condição feminina: todas as formas de expressão apontam para a mulher como a principal responsável do que se percepciona como mau, porque é do mau que mais se fala. Mas este é outro departamento cujos reflexos na relação pedagógica constituem um eixo de reflexão independente e particularmente interessante. Mas stressante, também porque se, a cada passo, vemos alunos - mesmo as meninas! - que, com as suas professoras, reproduzem uma relação entre sexos que é penalizadora para a mulher, se a cada passo, temos de demonstrar e modelar outras formas de relação, num país em que a violência doméstica sobre as mulheres atinge metade das famílias (este é só a ponta o icebergue), temos a percepção da dimensão do problema, em termos de relação pedagógica e em termos disciplinares. A quem de nós não ocorreu ainda, quando vemos um(a) aluno(a) fora dos eixos, pensar: "Está a faltar-te a mão do Pai..." Porque quando pensamos na mão do pai, pensamos em firmeza (o que não quer dizer discernimento...) e assumimos a importância dessa firmeza. Assumimos sempre a importância de ambos os papéis parentais como geradores de equilíbrio - são os psiquiatras os primeiros a fazê-lo.

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