terça-feira, dezembro 18, 2007



Relendo João e Maria de Chico Buarque de Hollanda, 1977

Entramos no mundo do faz de conta com "Agora eu era o herói E o meu cavalo só falava inglês", sugerido pela forma verbal "era" no passado, em que o sujeito se propõe ser uma personagem masculina, inventando para si um interlocutor: “Era você ”, mais precisamente uma interlocutora: “Além das outras três” e constrói uma narrativa de feitos que justificam o assumir do seu papel de herói-cavaleiro medieval "o meu cavalo", possuidor de um cavalo muito especial:"só falava inglês", como eram os cavalos dos cavaleiros medievais, uma espécie de extensão so seu corpo e do seu espírito, um pouco ao jeito de Luky Luke, ambos transpostos para um cenário de guerra injusta: "Eu enfrentava os batalhões", temporalmente situada no período da Segunda Guerra Mundial, em que os opressores estão bem definidos: "Os alemães e seus canhões"; além do cavalo, o sujeito recorre ainda às suas armas de brincar: "Guardava o meu bodoque" (fisga), assegurando que, além de bom cavaleiro, também é bom companheiro de danças, puxando o tempo da narrativa para cenários mais recentes, alargando as opções da sua interlocutora " E ensaiava um rock Para as matinês".
Este herói, imagina-se também um rei e um juiz do reino da fantasia, das histórias felizes de príncipes e princesas, capaz de impor a sua doce lei:” A gente era obrigada a ser feliz”, e com poder para coroar a sua interlocutora imaginária: "E você era a princesa Que eu fiz coroar".
Apesar de todas estas propostas de sonho e de ilusão,ela parece não estar muito disposta a aceitar as regras do jogo: “não fuja não” e é preciso negociar protagonismos, em que o sujeito da acção se transforma, por sua vez, no seu objecto, assumindo ela agora o seu comando das operações: “Eu era o seu pião o seu bicho preferido”.

De mãos dadas, sugere, serão mais fortes, bastando para tal que, num gesto de inclusividade, o eu e o tu se transformem em nós: “A gente agora já não tinha medo”, ficando a causa deste medo em suspenso e sujeita a interpretações diversas.

Na última estrofe, percebe-se finalmente que o espaço do faz-de-conta “deste quintal” é o espaço possível para a brincadeira, fora do qual o jogo se torna impossível e o sonho se transforma numa realidade pouco feliz: “Era uma noite que não tem mais fim”, sendo a noite o tempo e o espaço da separação, da ausência e da incerteza: ”E agora eu era um louco a perguntar O que é que a vida vai fazer de mim”.
Quando chegamos ao fim da narrativa, ocorre-nos perguntar se quando ele lhe pede "não fuja, não", não estará a recusar-se a acordar do sonho, a abandonar o faz-de-conta, a regressar à realidade para a qual ele parece não querer acordar. (a realidade brasileira dos anos setenta?)

E o que é que isto tem a ver com o construtivismo?

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