Bater no construtivismo virou moda
(mas não passa de mais uma versão do nacional-caceteirismo)
Desde que Nuno Crato publicou um livro em que atacava o construtivismo de forma muito superficial e confusa, não param de surgir réplicas de pessoas que, ao escreverem, revelam imediatamente que não fazem a mínima ideia do que estão a falar e é pena. Vejamos um exemplo:
"...os resultados escolares dos nossos alunos mais não fazem que reflectir, por um lado, a falência das teorias construtivistas da educação (de facto ninguém se consegue ensinar a si mesmo de per si)..."
Não se percebe onde é que a pessoa que escreveu esta frase vai buscar a ideia de que o construtivismo significa que uma pessoa se ensina a si mesmo e, ainda por cima, de per si (sic).
Ora, o construtivismo considera a aprendizagem como um processo de construção do conhecimento e é por isso que se chama construtivismo.
Construtivistas de referência são Piaget, Vygotsky, Ausubel e, para a aprendizagem em contextos virtuais, Papert e Jonassen.
Piaget
Piaget considera que o conhecimento resulta da interacção entre o organismo e o meio e que os objectos do conhecimento são o próprio meio, pelo que conhecer é interagir com o meio e estabelecer com ele um sistema de relações, através da assimilação e da acomodação, que dependem da progressiva organização das estruturas mentais e cognitivas. A linguagem LOGO foi desenvolvida de acordo com o paradigma da epistemologia genética de Piaget. Como se vê através dos conceitos piagetianos de assimilação, de acomodação e de interacção com o meio, nunca Piaget afirmou que um indivíduo aprende sozinho.
Vygotsky,sobre quem já escrevi aqui inúmeras vezes
Um conceito fundamental de Vygotsky, sobre o qual já escrevi, é o da Zona de Desenvolvimento Próximo.
Há coisas que um indivíduo consegue fazer sozinho e outras que consegue fazer com a ajuda de um adulto ou de outro indivíduo mais experiente.A zona de desenvolvimento próximo é assim activada pela presença de outros mais velhos, mais experientes, mais sabedores.
Ora, de acordo com esta perspectiva, aquilo que eu sou capaz de fazer hoje com ajuda, deverei ser capaz de fazer autonomamente no futuro.
Assim, é a aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento, ideia consubstanciada na sua célebre frase:
"O único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento".
O conceito de zona de desenvolvimento próximo, basilar no pensamento de Vygosky, evidencia também o papel do outro , mais velho ou mais experiente, na nossa aprendizagem. É, aliás, por essa razão que a sua teoria é também designada por sócio-interaccionismo. Em Vygotsky, mais do que qualquer outro, a interacção social é um factor primordial de aprendizagem.A Escola tem assim um papel essencial no seu pensamento.
Ausubel
Conceitos basilares da teoria de Ausubel:
- aprendizagem significativa, processo pelo qual a informação nova se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do estudante, isto é, para internanizar novos conhecimentos é necessário que o estudante tenha conhecimentos anteriores onde vá ancorar os novos.
- "organizadores prévios": essa ancoragem faz-se em organizadores prévios , uma espécie de material introdutório que permite a aprendizagem de novos materiais e que faz a ponte entre o que o estudante já sabe e o que ele tem de aprender, de modo a que essa aprendizagem se processe organizadamente.
Mais, os organizadores prévios fornecem o contexto para a incorporação na aprendizagem de pormenores que se vão progressivamente diferenciando, de modo a que o estudante estabeleça novas relações conceptuais e adquira significados cada vez mais abrangentes.
Quando o professor explora relações entre ideias e conceitos, lhes aponta diferenças ou semelhanças, integra nova informação em material já aprendido, procede a uma reconciliação integradora, outro conceito importante em Ausubel.
A aprendizagem significativa de Ausubel integra assim três conceitos fundamentais: o dos organizadores prévios, o da diferenciação progressiva e o da reconciliação integradora.
A teoria de Ausubel deu aliás origem aos mapas conceptuais, a que já aqui me referi, como forma de organização e de representação do conhecimento.
Como se depreende, a figura do professor está bem presente em todos eles, na medida em que é ele que determina quais os organizadores prévios necessários a uma nova aprendizagem, conduz a diferenciação progressiva e, por maioria de razão, procede à reconciliação integradora, na medida em que é ele a conduzir a exploração das relações entre ideias.
Então como é que o construtivismo pode ser um conceito associado a ensinar-se a si mesmo?!?
segunda-feira, dezembro 17, 2007
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5 comentários:
O Prof. Carlos Fiolhais, em A Coisa mais Preciosa que Temos (2004,Gradiva), escreve o seguinte num capítulo intitulado Os Erros do “eduquês”: "O construtivismo, por sua vez, é uma doutrina psicológica e sociológica cuja fama já conheceu melhores dias. Defende que só as ideias construídas pelo próprio têm consistência suficiente para permanecer. Há um certo fundo de verdade nessa afirmação, mas é completamente delirante esperar que o menino Joãozinho, que está no 9º ano do ensino básico, corra um dia da banheira a gritar “eureka”, tal qual Arquimedes, ou que construa por ele a tabela periódica tal qual Mendeleev. A um nível universitário, podem bem esperar os construtivistas que um estudante reinvente sozinho a teoria da relatividade geral (p. 51)"
Mas o que é que isto tem a ver com as aplicações educacionais do construtivismo?
O mesmo Prof. Fiolhais entra numa flagrante contradição quando no mesmo livro (pp. 84-87) defende métodos de ensino da ciência que genuinamente se podem considerar construtivistas. Para falar em Arquimedes, Fiolhais sugere que se ponha à prova a concepção generalizada de que os corpos mais pesados se afundam e os mais leves flutuam. Como? Muito simplesmente colocando num recipiente com água batatas e maçãs com o mesmo peso e constatando que as maças flutuam e as batatas se afundam. Antes da experiência pede-se aos alunos uma antecipação do resultado, confrontando-se essa expectativa com os resultados observados. É na sua exploração que reside em parte a essência dos chamados métodos activos em educação. E não é necessário muito para perceber rapidamente que estas metodologias são muito mais exigentes para os professores e para os alunos. Mas acima de tudo o que não são de todo é deixar os alunos à sua sorte numa espécie de explorações sem sentido. Quem assim o afirma não sabe do que fala.
Pelo facto de o nosso sistema educativo produzir resultados insatisfatórios a tendência é tentar isolar uma causa (o "eduquês" é o alvo preferencial) e fazer desse diagnóstico a origem de todos os males. É disparate e uma explicação intelectualmente indigente.
Subscrevo o texto e o comentário. A falta de conhecimento, a indigência intelectual, o medo de existir na heterodoxia e a subserviência canina explicam muito do que (não) somos....
Belíssimo texto e toca num ponto fulcral com grande elegância que sinceramente me falta! Chama-lhe desconhecimento, eu nesses ataques, vejo uma burrice militante , ignorância disfarçada em páginas de anseio mediático puro, de aproveitamento do instante complexo que vivemos.
Farto das Marias, das Filomenas e das Mónicas, dos Cratos e Mitãs e das suas generalizações, das suas inconsequentes observações "populuchas" . Nacional-caceteirismo, chama-lhe - belíssima expressão! Quase uma nostalgia do que foi dos tais ontem que nunca cantaram! Bolas de Naftalina a que esta gente cheira!
É não perceber, não querer entender o nosso mundo, é quase escatologia de fuga para trás, para não querer reflectir sobre o presente!
Parabéns pelo exercício fascinante de inteligência e sensibilidade que é o seu blogue.
Gostei tanto, Idalina... Gosto da tua lucidez, da correcção das tuas intervenções. Tudo parece tão simples. Vou copiar este texto para os meus arquivos (tenho um dossier enorme sobre estas questões, às quais ainda adiciono, está bom de ver com a linha que vou seguir, o construcionismo de Papert...). Aprendo imenso contigo. Beijinho
Agradeço a gentileza das v/ palavras. Ao comentário do PJ, vou responder com outro post, uma vez que ele toca em questões teóricas essenciais, que eu já tinha pensado desenvolver, introduzindo até um texto muito significativo de Chico Buarque, e que se relaciona com as questões do pensamento e da linguagem, na forma como Vygotsky as tratou.
:)
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