Da qualidade de ensino, enquanto segredo, segundo a empresa McKinsey
A McKinsey é uma empresa de consultoria de empresas e de governos, que produziu um relatório sobre os segredos da qualidade do ensino.
A primeira conclusão que tira é de que o dinheiro não é decisivo em matéria de qualidade.A título de exemplo, cita o caso da Austrália que, apesar de ter triplicado a despesa por aluno desde os anos 70, nem por isso consegue alcançar países que ficam muito aquém, em matéria de investimento na educação.
Isto visto assim até parece aceitável. Traduzido para português, tende a colocar no mesmo plano o que não é passível de comparação. Em Portugal, há escolas em que professores e alunos gelam de frio, degradadas ao ínfimo da condição humana, em que chove na sala de aula e os tectos ameaçam ruir, escolas que nem sanitários em condições dignas têm. Não estamos portanto a falar de investimentos idênticos, nem em termos relativos e muito menos em termos absolutos. Portugal precisava de mais dinheiro investido na educação. Podemos dizer que não há, agora vir divulgar relatórios deste tipo e traduzi-los de forma a que o leitor possa tirar ilações deste teor, parece pretender que se conclua que não precisamos de investir mais em educação, o que chega a ser criminoso.
O relatório cita ainda estudos realizados em Tennessee e em Dallas, estudos esses que teriam demonstrado que um grupo de alunos médios entregue a maus professores tem maus resultados, enquanto que, se entregue a bons professores, teria bons resultados.
Estudos realizados em Tenesse, que é um dos cinquenta estados americanos, e em Dallas, que é uma cidsade texana. Mmmm…
Em primeiro lugar, e porque a origem dos estudos não é revelada, ponho-me à procura deles em várias bases de dados em educação. Eu sou tinhosa e a empreitada dura alguns dias: não encontro quaisquer referências. Estudos publicados em revistas que têm um editorial board de revisores qualificados é que não são.
Vamos agora pensar em como esses estudos, para terem algum valor científico, poderiam ser realizados.
Em primeiro lugar, teríamos que encontrar um grupo de alunos médios e atribuir-lhes maus professores e de formar posteriormente um grupo de controlo, com alunos médios e bons professores.
A dificuldade de efectuar estudos experimentais em educação deriva justamente das condições em que um tal estudo decorreria.
Estes grupos de alunos não poderiam ser grupos naturais. Teriam de ser criadas duas turmas exactamente idênticas,em termos de rendimento escolar, depois de seleccionado um grande grupo de alunos médios.O mesmo teria de ser feito em relação aos professores. Não é fácil efectuar uma selecção destas numa cidade como Dallas. Teriam que ser deslocados alunos de várias escolas e colocados na mesma escola, o que levantaria suspeitas.
Uma outra dificuldade prende-se com a ética de uma investigação desta natureza. Seria completamente anti-ético submeter um grupo de alunos a um grupo de maus professores: nenhuma investigação pode realizar-se com prejuízo dos sujeitos da investigação.Portanto, qualquer investigação em educação que utilizasse este design conceptual estaria à partida minada no seu cerne, por questões de natureza ética.
A segunda tese McKinsey é a de que turmas pequenas não significam melhores condições de aprendizagem, embora desta asserção a tese McKinsey exclua - ainda bem - o nível básico de escolaridade.
Se eu formar uma turma de 30 meninos das classes média-alta e os colocar numa escola com um excelente centro de recursos, espaços de lazer e um refeitório com boa comida, é natural que eles tenham melhores resultados que uma turma de 20 meninos alentejanos, que saem de manhã cedo para a Escola e regressam ao fim da tarde, cansados, mal alimentados, numa camioneta que os vai depositando paulatinamente nas aldeias. Isto é, mantendo a mesma variável independente: número de alunos, todas as variáveis interferentes vão actuar sobre a variável dependente. os resultados escolares.
A última tese McKinsey é a de que a qualidade dos professores afecta os resultados dos estudantes, mais do que qualquer outra variável, mas nem é preciso que ganhem muito.Os senhores economistas, numa assentada, destroem dezenas de anos de investigação em educação e ao mesmo tempo justificam que os professores nem precisam de ganhar assim tanto para serem bons professores.
Pois. Quem precisa de ganhar bem são os economistas que produzem estes estudos. Poupam em salários de docentes, em rácios de alunos por turma e em despesas de educação.
Como cereja no topo do bolo, acrescentam que os países que investiram muito em educação não estão a tirar disso grande proveito.
Será porque os economistas os arrasaram com as suas teorias económicas?
Na verdade, quando esses países se livrarem dos maus economistas e de piores políticos terão lá o capital humano que lhes permitirá sair da crise. Enquanto isso, fazem falta em muitos outros países, em que os recursos humanos são escassos, como se tem visto pelo seu trabalho desenvolvido nas antigas colónias portuguesas.
Quem paga mais à McKinsey pelas suas descobertas fenomenais?
E agora passem à campanha publicitária do próximo sabonete, por favor.E gastem milhões.
(Quadro: Rembrandt,Money-Changer, 1627)
domingo, dezembro 23, 2007
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10 comentários:
Confesso que estes estudos altamente científicos e cheios de conclusões me fascinam. É que se, na Universidade, tivesse feito um trabalho em que chegasse a estas conclusões depois de analisar apenas dois casos, o meu professor de Métodos Quantitativos (ou demografia, que era o mesmo) ter-me-ia aplicado a nota (também ela bastante conclusiva) de um 7 ou 8 (se estivesse bem disposto).
É claro que continuo sem perceber por que razão estes consultores insistem em analisar as escolas como se fossem uma empresa de encher chouriços. Mas isso deve ser uma limitação minha...
Enquanto procurava o tal relatório da McKinsey, encontrei um programa de rádio interessante sobre o assunto.
É que eu até acredito que as escolas tenham de utilizar parcimomiosamente os seus recursos humanos e materiais e que devem ter uma gestão financeira eficaz. E até é verdade que, de entre as variáveis internas à Escola, a qualidade dos professores é a mais importante, mas não é A MAIS IMPORTANTE DE TODAS as variáveis...
A seguir a este raciocínio, vem naturalmente outro: o Estado não tem uma vocação de rentabilidade, logo, o melhor é a opção por escolas privadas....
É que eu até acredito que as escolas tenham de utilizar parcimomiosamente os seus recursos humanos e materiais e que devem ter uma gestão financeira eficaz. E até é verdade que, de entre as variáveis internas à Escola, a qualidade dos professores é a mais importante, mas não é A MAIS IMPORTANTE DE TODAS as variáveis...
A seguir a este raciocínio, vem naturalmente outro: o Estado não tem uma vocação de rentabilidade, logo, o melhor é a opção por escolas privadas....
"E até é verdade que, de entre as variáveis internas à Escola, a qualidade dos professores é a mais importante, mas não é A MAIS IMPORTANTE DE TODAS as variáveis..."
Então qual é?
Concordo perfeitamente. Sem bons professores não pode haver bons resultados mas é como dizes: há mais coisas a ter em atenção. Em relação aos recursos materiais resta saber quanto custa a pesadíssima (e ineficaz) máquina do ME (estou a falar do pessoal da 5 de Outubro e dos outros departamentos do ME). A quantidade de burocracias a que as escolas estão obrigadas (neste momento é preciso quase um único funcionário para não se perder nada no verdadeiro dilúvio de trabalha enviada e/ou pedida pelos vários ministérios) contribui muito para este esbanjar de recursos.
Há, no entanto, um perigo: como gastamos mais por aluno do que os países mais à frente poderá haver a tentação (muito real nas sumidades que nos dirigem) de que é necessário reduzir o investimento (talvez com a excepção das TIC porque sempre vai havendo uns dinheirinhos de Bruxelas e fica sempre bem umas distribuições de portáteles e quadros interactivos e projectores - mas nada de software para além do mais básico, que isso não é preciso) sem primeiro ver onde se esbanja.
PJ, tal como já escrevi atrás, as variáveis mais importantes no sucesso escolar são: a família, nas suas diversas dimensões, tais como monoparentalidade associada à pobreza e a condição social. Alguns investigadores incluem ainda uma terceira: os amigos. A Escola, em si, só vem a seguir a estas.
PJ, tal como já escrevi atrás, as variáveis mais importantes no sucesso escolar são: a família, nas suas diversas dimensões, tais como monoparentalidade associada à pobreza e a condição social. Alguns investigadores incluem ainda uma terceira: os amigos. A Escola, em si, só vem a seguir a estas.
Eu desenvolvi estas questões nos meus posts sobre o abandono escolar.
Na sua frase fala em "variáveis internas à Escola." Agora fala em variáveis externas à escola. São dois planos de análise distintos que não devem ser confundidos. Reformulo a minha pergunta: tendo em conta populações de alunos comparáveis quais as variáveis internas à escola que são mais determinantes para o sucesso escolar?
PJ,
Falei em variáveis externas mais importantes que as internas à Escola.
Mais importantes que as variáveis internas são as seguintes externas:
1.família,
2.nível social e, afirmam alguns investigadores,
3. os amigos.
Em 4º.lugar vem a primeira variável interna à Escola:
.O(s) professor(es);
Em quinto lugar vem uma segunda variável interna à Escola:
.O clima escolar (já anteriormente defini o construto de "clima escolar" e as suas várias dimensões).
Mas a questão principal relativamente a este artigo é a confusão conceptual que frequentemente se faz entre eficiência e eficácia escolares.
O primeiro é de natureza economicista, porque em educação tb há que ter em conta as questões económicas e o segundo é de natureza estritamente educacional e prende-se com um conceito base: o da equidade. NÃO há eficácia sem equidade.
Voltarei a estes conceitos brevemente, que agora estou a fazer os doces da ceia de Natal.
:)
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