segunda-feira, dezembro 17, 2007


Interacção e aprendizagem



(respondendo a PJ)
O meu interlocutor PJ, numa reacção ao meu texto sobre " Bater no construtivismo virou moda" refere-se a um texto, cujo autor:

"escreve o seguinte num capítulo intitulado Os Erros do “eduquês”: "O construtivismo, por sua vez, é uma doutrina psicológica e sociológica cuja fama já conheceu melhores dias. Defende que só as ideias construídas pelo próprio têm consistência suficiente para permanecer"

Eu gostava de começar por dizer que referir-se à fragilidade de uma doutrina, argumentando que a sua fama já conheceu melhores dias , me parece ser uma forma muito débil e superficial de argumentação. Bandura e a sua teoria da aprendizagem social foram ostracizados durante uma década e posteriormente reabilitados, à luz das novas interpretações do papel da interacção na aprendizagem.

Além do mais, a asserção seguinte, atribuída ao construtivismo:

"só as ideias construídas pelo próprio têm consistência suficiente para permanecer"

é incorrecta e corresponde a uma má interpretação, eventualmente a uma leitura deficiente - ou mesmo a nenhuma leitura - de textos tão essenciais como Pensamento e Linguagem (não sei se existe em Português, mas a versão francesa é das mais respeitáveis e é a que eu tenho) e a desenvolvimentos posteriores como o de Engeström, na sua teoria da actividade.

Vejamos então como é que esta interpretação é defeituosa:

O que Vygotsky afirma é que o conhecimento deve ser activamente construído,num processo em que a linguagem e a mediação têm a primazia.
Esta mediação é feita de dois modos: primeiro, o professor medeia a relação do estudante com o que ele tem de aprender, utilizando uma ferramenta essencial que é a linguagem; num segundo momento, o estudante, através da sua própria linguagem, cria o seu significado do que aprendeu, isto é, apropria-se desse conhecimento e fá-lo seu, nas suas palavras, que são a sua explicação, o significado que atribui ao que aprendeu.

Eu, Idalina, digo-vos: primeiro, decorei a lei da gravitação universal sem a perceber: nos testes tinha de a debitar e debitava-a exactamente como estava nos livros, mas só mais tarde é que eu, verdadeiramente a compreendi, na medida em que lhe atribui um significado, me apropriei dela.
Antes disso, eu sabia enunciá-la graças à minha excelente memória, mas não a percebia, porque a linguagem era muito complicada, eu não percebia o que queria dizer "matéria atrai matéria", não conseguia perceber "na razão directa" e não conseguia visualizar o que era "massa".
Assim que me apropriei destes conceitos, lhes atribui um signficado, a lei começou a fazer para mim todo o sentido e comecei a tentar "experimentar" a lei, de forma concreta, o que me levou a sucessivas aproximações ao seu significado. A minha professora nunca se apercebeu que eu não tinha entendido nada do palavreado, porque o que ela me pedia era que debitasse a lei. Nunca me perguntou: Como é que interpretas isto? Portanto, não é uma questão de aprender sozinho, muito pelo contrário: queremos um estudante que, mais do que conhecer factos, números, definições e fórmulas, seja capaz de activar o que aprendeu, de produzir, utilizar, organizar e comunicar o conhecimento, distinguir a informação essencial da acessória, posssuir um conhecimento de trabalho que lhe possibilite desenvolver novos conhecimentos e construir novos significados autonomamente, isto é, não se limite às funções cognitivas inferiores, de conhecimento ou mesmo de conhecimento e de compreensão.
Vygotsky refere-se à relação entre a interacção social e a mudança cognitiva individual - como se vê, lá está a presença do adulto, do mais experiente, do par mais desenvolvido a influenciar a minha mudança cognitiva; refere ainda que a aprendizagem ocorre através da interacção social que despoleta as aquisições individuais, isto é a internalização do conhecimento.
Não se trata portanto de o indivíduo construir o seu conhecimento, mas de se apropriar do conhecimento, de o activar, de desenvolver a sua autonomia.

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