O que eu escrevi, em Janeiro de 2008 para o CORREIO DA EDUCAÇÃO, a propósito da publicação do DL 3/2008
Dos Apoios Educativos Especializados
Notas à publicação do DL 3/2008
Foi publicado em 7 de Janeiro o Decreto-Lei 3/2008, que tem por objectivo definir os apoios educativos especializados aos jovens com limitações significativas ao nível da actividade e da participação, “decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social”, como estabelece o ponto um do artigo 1º. Do referido decreto.
Uma primeira nota de regozijo pela inclusão expressa das alterações do espectro do autismo e, consequentemente, da consagração legal das unidades de ensino estruturado que já funcionam em vários agrupamentos de escolas.
O artigo segundo desta peça legal estabelece o princípio da inclusão de jovens com as ditas limitações significativas em escolas do ensino regular, o que causa naturais preocupações, quer porque, em termos de crenças ainda há muitas pessoas que pensam que uma integração plena não é a resposta mais adequada e equitativa para muitos destes jovens, que beneficiariam de algumas medidas que vulgarmente se designam de “meio menos restritivo possível”, quer porque a integração plena destes jovens constitui um desafio à capacidade de organização das escolas, exigindo mais meios logísticos que visem uma real igualdade de oportunidades; neste momento, a percepção de que as iniciativas governamentais têm um carácter estritamente economicista é muito forte e as escolas perguntam-se justamente se os meios físicos, humanos, tecnológicos chegarão, de forma a garantir um ensino eficaz e equitativo para estas crianças e jovens. O princípio da integração plena é justo – e merece uma segunda nota de regozijo – desde que os meios necessários cheguem, mas, pelo que temos vindo a observar, não é de esperar que assim aconteça.
Uma terceira nota de regozijo para a criação de escolas de referência para alunos surdos, cegos, com perturbações do espectro do autismo e com multideficiência, dotadas de equipamentos, respostas educativas e de especialistas nas diversas áreas; essas escolas vão certamente constituir-se em centros de excelência no desenvolvimento cada vez mais adequado de respostas educativas e de profissionais especializados.
O pomo da discórdia e da preocupação está contudo na adopção da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da OMS como documento de referência à avaliação educacional, com base na qual será elaborado o programa educativo individual (artº. 6º. ponto 3).
O que é então a CIF?
A Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde agrupa de forma sistemática os diferentes domínios de uma pessoa com uma determinada condição de saúde; a CIF procura proporcionar uma linguagem unificada e padronizada para a descrição da saúde e dos estados que com ela se relacionam, bem como uma estrutura de trabalho; esta classificação é baseada num modelo biopsicossocial que abarca quatro domínios; as estruturas do corpo, as suas funções, as actividades e a participação e os factores ambientais.
Um conceito importante que a CIF introduz é o da funcionalidade, que permite dar uma imagem mais ampla e significativa da saúde das populações e criar
uma base científica para a compreensão e o estudo a nível internacional dos factores determinantes da saúde e das condições que com ela se relacionam.
O primeiro argumento contra a CIF deriva justamente de ter sido criada com base em definições que não se ajustam às condições específicas do desenvolvimento infanto-juvenil. Daí que tenha sido muito recentemente adoptada (em Outubro de 2007) e esteja ainda em experimentação a versão da CIF (ICF-CY) para a infância e a juventude, “esperando-se que venha a servir para afirmar os direitos e as necessidades universais das crianças”, como afirmou Rune J.Simeonsson, Presidente do Grupo de Trabalho internacionalmente designado para criar uma versão infanto-juvenil da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, que vem proporcionar uma linguagem comum e universal de saúde, de molde a facilitar a avaliação, a comparação de dados entre países, a documentação e a investigação do estado de saúde da população jovem.
A CIF é um sistema de classificação e tem, como qualquer outro, um conjunto de pressupostos sobre a diversidade humana. No domínio da educação os sistemas de classificação visam identificar a determinar a elegibilidade das crianças para os serviços de educação especial. Tratando-se de um instrumento muito recente, é natural que cause apreensões quanto à sua eficácia em contexto educativo, e uma natural e compreensível preocupação com as consequências da categorização nas políticas, nas práticas e nas decisões de distribuição de recursos, cada vez mais sujeitas a uma exigência de transparência e de equidade.
A conceptualização da deficiência tem estado em contínua evolução e é uma questão complexa. O que deve ser considerado deficiência ou uma necessidade educativa especial e de como estas se relacionam com as Dificuldades da aprendizagem, saber quais as categorias a considerar na área educativa são questões relevantes e, também neste ponto, existem dúvidas legítimas quanto à categorização adoptada, uma vez que esta não considera certas categorias.
Constitui um passo em frente contar com um instrumento que conceputaliza a diferença em termos de interacção com o ambiente, de compreender a diferença no contexto em que ela ocorre, na preocupação de criar nas escolas condições para reduzir as dificuldades tanto na aprendizagem como no comportamento.
Também é verdade que esta classificação vem responder ao desejo dos pais de terem uma explicação para os problemas que os filhos enfrentam e de serem preferencialmente adoptadas classificações sem conotações de transmissão genética
e/ou de negligência parental, ao mesmo tempo que existem instrumentos de classificação que garantem a provisão de serviços educativos especializados.
Mas como é que se garantem apoios adicionais às crianças que, não sendo deficientes, precisam deles? A verdade é que os sistemas de classificação são utilizados para distribuir recursos, garantir apoios profissionais e desenvolver recursos, decidir a colocação, mas também para mudar a responsabilidade de um grupo de profissionais para outro, e para recolocar as crianças, pelo que, utilizar a classificação em nome da equidade exige uma grande cuidado e consideração.
Quanto tempo terão então as crianças que não enquadram nas actuais categorias e mesmo assim, necessitam de serviços educativos especiais, tais como as crianças com défices de linguagem, distúrbios emocionais, dificuldades de aprendizagem, défices ortopédicos e outros défices de saúde, de esperar, para beneficiarem de serviços educativos diferenciados?
Os alunos cobertos por esta legislação constituem uma escassa percentagem dos jovens com necessidades educativas especiais. Ora, o conceito de "necessidades educativas especiais" foi criado justamente para abranger os jovens que, não tendo deficiências sensoriais ou mentais, chegam à escola e não aprendem e, não aprendendo, não têm sucesso educativo e, não tendo sucesso educativo, ficam em risco altamente acrescido de exclusão social. São estes que constituem a larga fatia de jovens que a Escola tem de integrar.
Creio ser esta a preocupação predominante de pais e de professores relativamente à legislação agora publicada. Em que medida é que, em nome da integração, e por demora em disponibilizar apoios específicos, não haverá mais crianças e jovens em risco de abandono, por não acederem a serviços educativos especializados?
Janeiro de 2008
sábado, fevereiro 23, 2008
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