sábado, fevereiro 09, 2008


O medo


Eu reconheço que o medo é um sentimento de sobrevivência essencial, atávico e próprio da condição humana.

O medo


Eu reconheço que o medo é parte integrante do instinto de sobrevivência de qualquer ser vivo.


Há momentos, contudo, em que o medo nos apanha, nos controla, nos domina a razão e o sentimento, nos torna indefesos e pusilânimes.

O medo de perder: perder no amor, na praça, no trabalho.


O medo do pai, do irmão, do marido mais velho, do dono, do patrão, na sua versão feminina.

Na nossa sociedade, não sei bem se o medo remonta à derrota de Alcácer Quibir, à decadência do nosso império ou se é anterior, mas antes desse evento trágico não me parecem existir muitas manifestações históricas ou literárias.

O medo percorre a nossa literatura e diria que tem expressão literária máxima algures nos anos 70, em escritores como Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues, com os seus universos carregados e claustrofóbicos, e, sobretudo, Augusto Abelaira, de quem hoje pouco se fala.

É o medo de uma pequena burguesia aturdida nas suas contradições de classe, entre o desejo de ascensão social e a consciência da injustiça e da desigualdade, contra as quais agir ainda custa caro.

De uma forma ou de outra, é este medo que tem levado a maioria das escolas a aceitar obedientemente todas as diatribes e atropelos a que os professores e a escola pública têm sido sujeitos nos últimos tempos.

Um medo do cá mehei-de safar com um mínimo de esforço, de funcionário a funcionar nos mínimos, obscuro, paralizante, iníquo.

Um medo avoengo, entorpecedor, um bloqueio-medo-regresso às cavernas, um medo-vergonha, um medo tolhido e “tolhente”, um medo humilhante de ser apanhado isolado nas malhas da refrega social, um medo que nos transforma em ilhas desertas e nos deixa inexoravelmente sós, uma agonia de ver, uma náusea, um desgosto, um medo de falar, de intervir, de agir, uma amarra.

3 comentários:

Susana Serrano Pahlk disse...

Por acaso nunca concordei com essa teoria do medo português! Parece-me mesmo só pobreza de espírito.

Paideia disse...

Susana, creia que é medo, mesmo.
Não sei bem o que quer dizer com "pobreza de espírito". Penso que é uma certa incapacidade para reflectir criticamente. Ora, a reflexão crítica exige uma assertividade que falta na nossa cultura. E falta-lhe porque temos medo.

:)

Susana Serrano Pahlk disse...

Sinto sempre que a pobreza de espírito é um estado mental quase nacional; é falta de cultura, de sentido crítico, de iniciativa, de civismo... Só que a nossa história não bate muito certo com este espírito!
Os historiadores saberão identificar melhor, mas eu acho que esta corrente de "não-pensamento" está de alguma forma ligada ao constitucionalismo, isto é, desde que há políticos profissionais. Esta última espécie gosta de manter as coisas sempre bem controladas. Acontece que neste momento já é intrínseco a um número muito elevado de portugueses, a começar pelos que estão no poder.
O medo é mais o de perder regalias ou algo que se sente como caído do céu.
Acho que este assunto dava para uma grande conversa.
Fico por aqui, para já!