terça-feira, janeiro 08, 2008


APOIOS ESPECIALIZADOS

Foi publicado o Decreto-Lei 3/2008,que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

Uma primeira nota de regozijo pela inclusão expressa das desordens do espectro do autismo e, consequentemente, da consagração legal das unidades de ensino estruturado que, estando já a funcionar em vários agrupamentos de escolas, continuam a ser objecto da desconfiança de vários Conselhos Pedagógicos, porque o pior de tudo é a ignorância, o preconceito e a soberba que a acompanham.

Uma segunda nota de regozijo para o facto de a aplicação ter sido alargada aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, com repercussões legais que chegam à retirada do paralelismo pedagógico aos estabelecimentos que recusarem a admissão a crianças com necessidades educativas especiais.

A criação de escolas de referência para alunos surdos, cegos, com perturbações do espectro do autismo e com multideficiência, dotadas de equipamentos, respostas educativas e de especialistas nas diversas áreas da deficiência.

São motivos de preocupação:

A avaliação educacional por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde,da OMS, com base na qual será elaborado o programa educativo individual (artº. 6º. ponto 3). Ora, esta classificação internacional é uma referência para os cuidados de saúde, mas é manifestamente insuficiente e inadequada em matéria educativa.

Com efeito, os alunos com deficiências nas áreas sensorial e mental constituem uma escassa percentagem dos jovens com necessidades educativas especiais.

O conceito "necessidades educativas especiais" foi criado justamente para abranger os jovens que, não tendo deficiências sensoriais ou mentais, chegam à escola e não aprendem e, não aprendendo, não têm sucesso educativo e, não tendo sucesso educativo, ficam em risco altamente acrescido de exclusão social; refiro-me designadamente aos cidadãos que sofrem de transtornos da aprendizagem (F81 do DSMIV), do desenvolvimento da coordenação (F82, DSMIV)que, não sendo de carácter médico, interferem significativamente no rendimento académico e/ou nas actividades da vida quotidiana, os transtornos da comunicação (F80 do DSMIV), que, também eles, podem não estar associados a um défice sensorial, motor ou neurológico, os transtornos generalizados do desenvolvimento (DSMIV, F84) alguns dos quais não estão ainda especificados, os défices de atenção e comportamentos perturbadores (DSMIV, F90 e 91), que podem não ter carácter permanente caracterizados por desatenção, hiperactividade e impulsividade, e que, mesmo em remissão parcial, têm, como qualquer professor ou pai sabem,implicações dramáticas no rendimento escolar.

Como os leitores podem verificar, o DL 3/2008 restringe as medidas educativas previstas no ponto 2 do artigo 16 às necessidades educativas especiais com carácter permanente, que, referidas à CIF se enquadram exclusivamente na área das deficiências mental, sensorial e multideficiência, e cuja permanência é o único referencial de aplicação (cf. Preâmbulo; artigo 1º., nº. 1; artigo 2º., nºs. 2 e 4; artigo 4º., nº. 1; artigo 12, nº. 1; artigo 14, nº. 1; artigo 16, nºs. 1, 4 e 5;artigo 19, nº. 2 e artigo 30, alínea a).
A avaliação educacional tem de ser feita com base no funcionamento dos indivíduos em contexto educativo e não com base em critérios de funcionalidade dos indivíduos adultos e de natureza médica, que nem sequer foram ainda adaptados às idades mais jovens.

O problema de fundo desta legislação é sabermos com que recursos podemos contar para incluir essa larga fatia, que é mesmo a maior fatia das necessidades educativas especiais, e que está estimada entre os 12 e os 18%, de pessoas que, não sendo deficientes, precisam de medidas educativas adequadas ao seu perfilde funcionamento académico.

Há alguns anos considerava-se que as "dificuldades de aprendizagem", que é uma forma linguisticamente eufemística de traduzir o conceito de learning disability ocupavam apenas parcialmente a vida dos indivíduos, isto é, o período em que estavam na Escola, para lá do qual estes cidadãos podiam ser perfeitamente integrados, tanto na vida social, como no mundo do trabalho; ao invés, hoje em dia, as exigências do trabalho e da qualificação colocam essas pessoas em risco acrescido de exclusão social.

6 comentários:

Miguel Pinto disse...

Estive prestes a sugerir-te um comentário no meu cantinho. Estou mais esclarecido agora que li esta entrada mas ainda não consegui encontrar resposta(s) para esta questão:
O legislador ao procurar defender os direitos dos mais vulneráveis (embora sejam cada vez menos os protegidos pelo afunilamento normativo) não estará a procurar camuflar a sua obrigação de defender os direitos de “todos” aqueles que encontram barreiras educacionais?

JMA disse...

Já estou mais esclarecido, mas não o suficiente para intervir criticamente. Agradeço a sistematização da Idalina que me parece sustentada. E compreendo a preocupação do Miguel.

Paideia disse...

O problema é justamente esse. Esta legislação restringe os apoios específicos à deficiência sensorial e à multideficiência. Repara que a nova legislação prevê medidas educativas (alíneas a) a f) do artº. 16, Cap IV), aplicáveis exclusivamente às situações de deficiência sensorial e à multideficiência. Ora, as necessidades educativas especiais não são de carácter exclusivamente médico e permanente, mas abrangem situações de inadaptação escolar que a medicina ainda não consegue explicar, como é o caso dos exemplos que retirei do DSM IV.
Reservei o meu serão à releitura da Declaração de Salamanca e a outros programas como o No Child Left Behind para explicar melhor o como esta legislação ignora ou coloca no limbo, através da alínea e) do artigo 6º., todos os casos não enquadráveis na deficiência sensorial e na multideficiência.

Paideia disse...

JMA, o que eu quero dizer é que todos os exemplos que citei do DSM IV ficam EXCLUÍDOS dos apoios especializados (vejam o título do documento legal).

Anónimo disse...

O meu fascínio por um instrumento de trabalho com grande potencialidade como a CIF é, não me permite compreender as inquietações que predominam em todas as esferas envolvidas, mais directamente, com a nossa população escolar que, experimenta de uma forma mais ou menos constante, ou mais ou menos permanente necessidades educativas especiais.
Se por um lado a CIF tem uma base clínica e médica, por outro descrimina os indicadores que estão envolvidos em qualquer processo de aprendizagem, seja el em contexto escolar, social, familiar e sempre muito pessoal. Quem tem responsabilidades na elaboração dos Planos para estes alunos, não se pode cingir ao contexto escolar. É aqui que a CIF se revela securizante e ao mesmo tempo abrangente na abordagem às problemáticas destes alunos.
Convido todas as mentes inquietas a debruçarem-se, de uma forma despreocupada em sem preconceitos, sobre a CIF.

Paideia disse...

Já me debrucei sobre o instrumento, Girassol. Aquilo que Girassol não explicou é a origem do seu fascínio pela CIF. Talvez tivesse sido mais instrutivo, pois, como compreenderá, não será por a CIF lhe parecer fascinante que é um instrumento mais adequado aos contextos educativos, que são aqueles em que trabalho. Se a CIF é um instrumento adequado a outros contextos, como os da saúde e da reabilitação, quem trabalha neles é que sabe. Mas, por favor, argumente com justeza e lógica. Fascinar, fascinar, fascinam-me os pôr-de-sol e as noites de lua cheia, em Agosto, em que o Tejo parece de prata.