sábado, janeiro 12, 2008

Sobre apoios educativos (got the IDEA?)

A preocupação de integrar na escola e na sociedade os cidadãos com características particulares tem influenciado as designações em língua portuguesa, normalmente pautadas por algum eufemismo.

Pese embora o facto de os modelos de avaliação e de intervenção serem predominantemente o resultado da investigação que se expressa em língua inglesa, em que são utilizados termos como disorder, geralmente traduzido em português por “alteração”, em vez da palavra “desordem”, que pessoalmente também me soa mal, ou "transtorno", utilizado na língua espanhola, ou do termo “learning disabilities”, que em português foi traduzido por “dificuldades de aprendizagem”, leva a maioria das pessoas, mesmo os profissionais, e também o Sr. Secretário de Estado Valter Lemos, a confundir o conceito de “dificuldades de aprendizagem”, com uma situação mais comum, que são as dificuldades escolares.

Ora, estes dois termos não são de forma alguma sinónimos.

O conceito de “dificuldades de aprendizagem” refere-se a transtornos em um ou em vários processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou na utilização da linguagem falada ou escrita. Estes transtornos manifestam-se em défices nas capacidades de ouvir, pensar, falar, escrever, ler, ou de calcular.

O termo inclui alterações perceptuais, lesões cerebrais, disfunção cerebral mínima, dislexia e afasia desenvolvimental. O conceito de disfunção cerebral mínima tem vindo a ser progressivamente concretizado, à medida que o conhecimento do funcionamento cerebral e os meios técicos para o estudar têm evoluído.

O termo não inclui problemas de aprendizagem primariamente resultantes de 1)défices visuais, auditivos, motores,ou mentais, 2) alterações do comportamento ou 3)desvantagem ambiental, cultural ou económica.

A designação anterior foi adoptada na PL 94-142, publicada em 1975, nos Estados Unidos e tem informado as políticas de apoio a crianças com necessidades educativas especiais em todas as alterações que entretanto foram sendo introduzidas.

Sob a designação de “learning disabilities” foram então incluídos os jovens que não sofrendo de qualquer deficiência, não tendo alterações de comportamento ou não sofrendo de desvantagens ambientais, culturais e económicas, mesmo assim, chegavam à Escola e não tinham sucesso. Chamou-se-lhes então os três factores de exclusão.

Este fenómeno de discrepância entre o potencial de aprendizagem e o desempenho em diversos contextos, designadamente o contexto escolar passou a ser designado, a partir de 1977, de factor de discrepância.

Em suma, o conceito dificuldades de aprendizagem inclui um factor de discrepância e três factores de exclusão.

Foi esta discrepância entre o potencial da criança e a sua realização escolar que informou, desde 1977, as medidas de ensino especial adoptadas nos EUA para estas crianças e jovens, até 2003.

No entanto, começaram a surgir críticas cada vez mais insistentes aos critérios da legislação em vigor no sentido em que, para beneficiarem de medidas de ensino especial, as crianças tinham de atingir uma discrepância severa até poderem beneficiar das medidas preconizadas.

Igualmente importante foi a consideração de que os estudantes cuja língua materna não era o Inglês, os das minorias étnicas e em desvantagem sócio-económica haviam de poder ser incluídos em programas de apoio educativo.

Um estudo do National Research Center on Learning Disabilities efectuado em 2003, passando em revista as práticas em vigor para a identificação de estudantes com necessidades educativas especiais concluiu que a legislação até então em vigor tinha de ser alterada, de forma a que o sistema actuasse de forma mais expedita e incluísse nos serviços de educação especial as crianças em desvantagem social, económica ou cultural.

Foram então alteradas as condições de referenciação e de acessibilidade, materializadas no documento legal IDEA 2004, em que as autoridades escolares não tinham de esperar que as crianças chegassem à discrepância severa para serem atendidas e acompanhadas pelos serviços respectivos.

Foi adoptado o princípio geral de que a avaliação de um estudante com dificuldades de aprendizagem passaria a ter de incluir vários instrumentos e estratégias, incluindo a informação prestada pelas respectivas famílias, a observação do desempenho académico e do comportamento e dos progressos do estudante nas turmas e classes do ensino regular.
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1 comentário:

Luz disse...

Obrigada, mesmo!
Sou professora de educação especial por vocação há 23 anos.
Há 12 anos obtive um DESE em Educação Especial, variante de Dificuldades de Aprendizagem.
Na minha vida profissional tenho acompanhado todo o tipo de evoluções e “involuções” deste sector, ao sabor dos diferentes governos e suas políticas económico-pedagógico-sociais.
Ultimamente tenho-me sentido como se aquilo que aprendi ao longo dos anos de prática e formação académica, não existisse, não fizesse sentido, não tivesse valor algum.
Pior, que trabalhar com crianças com dificuldades de aprendizagem é uma coisa menor para um profissional de Educação especial: uma tarefa sem mérito que não exige especialização, algo que qualquer um pode fazer, uma resposta educativa simples e fácil de levar à prática (que o professor do regular só não dá sozinho porque é preguiçoso ou não se interessa o suficiente pelos seus alunos mais fracos).
É importante que as pessoas com verdadeira autoridade na matéria – autoridade que vem da prática, da formação académica e da fundamentação teórica – venham a público repor a ordem, a ética, a moral enfim.
Por isso lhe agradeço e peço
que continue a falar,
que grite o mais alto que puder,
até que a voz lhe doa tanto
como me dói a mim o coração
nesta idade das trevas que atravessamos.
Maria da Luz Carvalho de Figueiredo