sexta-feira, fevereiro 16, 2007

A árvore do perdão, de Edward Burne-Jones


A nota de hoje da Conferência Episcopal Portuguesa refere-se ao resultado do recente referendo como um sinal de "uma acentuada mutação cultural no povo português"; como causas de tal mutação refere:

a) a mediatização globalizada das maneiras de pensar e das correntes de opinião;

b) as lacunas na formação da inteligência, que o sistema educativo não prepara para se interrogar sobre o sentido da vida e as questões primordiais do ser humano;

c) o individualismo no uso da liberdade e na busca da verdade, que influencia o conceito e o exercício da consciência pessoal;

d) a relativização dos valores e princípios que afectam a vida das pessoas e da sociedade;

Quanto à "mediatização globalizada", terá os seus defeitos, mas sempre é melhor que estarmos "orgulhosamente sós" nos nossos princípios e valores. Não quero dizer com isto que tenhamos todos de pensar da mesma forma, mas saber que o povo português é permeável a novas formas de analisar e julgar as suas realidades parece-me globalmente positivo.

Quantos às lacunas da inteligência e às fragilidades do sistema educativo, parece que estamos de acordo, pelo menos nas palavras. De facto, nem a cultura nem o sistema educativo portugueses têm sido propícios à reflexão crítica. Para tal, basta reportarmo-nos às grandes polémicas portuguesas para concluirmos que sempre tivemos uma forma de discutir primária e caceteira.

Por outro lado, e por incrível que pareça, em pleno século XXI, as jovens portuguesas terminam a escolaridade obrigatória com 15 anos de idade, sem que os Ministérios da Educação e da Saúde consigam atinar num protocolo com vista a proporcionar a todas as jovens uma consulta de saúde reprodutiva e sexual.
Convenhamos que aqui, a tendência expressa da Igreja institucional foi a de remeter esta educação para o seio familiar, como forma de exercício da consciência individual; logo, não me parece coerente que venha agora assacar responsabilidades ao sistema educativo.

Mais ainda, se a Igreja nunca enfrentou o problema da educação sexual dos jovens como um problema colectivo, como é que agora critica o "individualismo no uso da liberdade" e a consequente relativização dos valores?

Jesus, na sua sabedoria, invectivou e desarmou escribas e fariseus, ordenando-lhes que atirassem a primeira pedra se livres de pecado e perdoou sem hesitar. Foi por isso que votei SIM. Confesso que não me parece que esta nota episcopal prima pela coerência. Confesso também que o apelo à objecção de consciência dos profissionais de saúde me parece, acima de tudo, uma forma de mau perder ressaibiado. O que não quer dizer que reserve para mim toda a coerência do mundo.
À sombra das árvores, associo mais uma forma de lenitivo para o calor e o cansaço da alma e do corpo do que propriamente o fruto do pecado.
Meus filhos, a vossa benção para esta mãe incoerente e pecadora.

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