sábado, fevereiro 03, 2007

É para isto que servem as provas de aferição?
Os telhados da Aldeia da Pena

Maria, uns dez anos franzinos acabados de fazer e muita vontade de aprender. Maria vem de Leirados, uma aldeia recôndita da Beira interior para Aldeia de Sul. Daí segue para Sul, sede de freguesia e daí ainda, para S. Pedro do Sul, onde frequenta o 5º. Ano de escolaridade, em pleno maciço montanhoso do “Monte Magaio”, no qual, diz-se, o raiar do Sol é mais bonito e as cores mais deslumbrantemente fortes, mas o ocaso chega mais cedo.
Todos os dias, Maria percorre assim quase vinte quilómetros de caminhos íngremes e estradas de curvas e gelo. Sim, porque apesar do esforço da autarquia em proporcionar transporte a estes meninos, muitos deles têm a viagem repartida em três etapas e muito frio entre um transporte e outro. Já de noite, ao chegar à entrada da sua aldeia, as perninhas de Maria ganham uma nova energia e gana de voltar a casa que deixou ainda sem que a luz do Sol lhe chegasse à cara e às mãos.
Quando se educa uma mulher, educa-se uma aldeia, é certo; mas uma equipa ministerial tem de utilizar outros instrumentos de decisão para além de uma calculadora, uma régua e um esquadro sobre o rectângulo de assimetrias que somos: de Maria, é de esperar que os resultados escolares não sejam exactamente idênticos aos dos meninos que os pais deixam à porta das escolas dos meios urbanos, pelo que este critério dos resultados não pode ser aplicado de chapa a um plano de reordenamento escolar.
Quando dizemos que Portugal é um país de assimetrias, não estamos a referir-nos ao quadrilátero bem proporcionado que formamos, ideal para a construção de uma jangada que, Atlântico adentro, arraste consigo as pérolas-ilhas que constituem os nossos arquipélagos; estamos a referir-nos a contrastes profundos nos indicadores de desenvolvimento, na distribuição da riqueza, nas oportunidades e recursos que, por sua vez, se reflectem na assimetria dos resultados da Educação.
Os resultados das provas de aferição, quando conhecidos, e dos exames nacionais retratam um país desequilibrado, com Lisboa, Porto, Coimbra e Braga a liderarem e as regiões deprimidas do interior a manifestarem, também no sector da Educação, todas as suas fragilidades estruturais multifactoriais, com uma política agrícola altamente penalizadora à cabeça.
A filosofia e os objectivos iniciais das provas de aferição constituíam-nas como instrumentos de avaliação do sistema educativo. Logicamente, os seus resultados deveriam ser devolvidos aos agrupamentos de Escolas, que sobre eles reflectiriam e poriam em marcha, num procedimento de reflexão colectiva, os processos de melhoria que entendessem necessários e urgentes.
Todavia, no entender da actual equipa do Ministério da Educação, às provas de aferição cabem novas funções: sinalizar as escolas marcadas para morrer, legitimar a dispensa de cerca de 900 professores do primeiro ciclo e de reencaminhar os meninos que obtiveram uma média inferior à média nacional e que frequentem escolas com menos de vinte alunos, para outras escolas, certamente mais distantes das suas terras e famílias e eventualmente (apenas eventualmente) melhor equipadas em recursos humanos e materiais.
Temos assim um pequeno país dividido ao meio – o litoral e o interior – o primeiro para viver, trabalhar, produzir, evoluir, e o segundo – eventualmente, apenas eventualmente – para as férias de quem possa dar-se a esse luxo. Ou para vender, a preços módicos, aos europeus fanáticos de paraísos perdidos.
Texto publicado no Público de hoje, página 8

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá sou do Ervilhal, não nascido, mas criado . Fiquei maravilhado com esse texto que me relembra as minhas raízes.
O meu mail é manuelcruz66@hotmail.com

Anónimo disse...

fiquei comovida, Idalina.
Um abraço.
Neuza