Da indisciplina
O novo Conselho Directivo atribuiu-me como tarefa de férias lectivas a coordenação do Grupo da Indisciplina, que tem por função reflectir sobre ela, caracterizá-la na Escola e propôr algumas soluções.
Como me pareceu que deveria ouvir colegas do pré-escolar e do 1º. ciclo do agrupamento, para procurar ficar com uma perspectiva mais diacrónica, tive hoje uma primeira entrevista com a colega do primeiro ciclo.
Desta entrevista muito rica, ficaram-me duas ideias essenciais:
Primeira, de que no primeiro ciclo, não há disponibilidade de recursos humanos para terem um gabinete de atendimento para os casos de indisciplina na sala de aula. Ora, em matéria de indisciplina, a intervenção pedagógica tem de se caracterizar por:
- uma resposta rápida;
- um tempo de qualidade entre o adulto e a criança/jovem, para que o adulto o ajude a reflectir sobre o que houve de inadequado no seu comportamento;
- mais tempo de qualidade, para que o jovem verbalize o comportamento adequado que, numa situação idêntica, deveria ter adoptado;
- um tempinho de qualidade, em que o jovem e o adulto possam conversar um bocadinho mais, fazer outras coisas juntos, como ler ou uma outra actividade, para "amenizar" os cambiantes daquele acto concreto de comunicação. Esta última é uma hipótese teórica muito minha, não li qualquer investigação que o comprove; as duas actividades anteriores têm uma eficácia que a investigação testemunha.
A segunda ideia que a Maria da Luz me transmitiu é a de que os meninos, de uma idade média entre os seis e os 10 anos actualmente chegam a passar um dia inteiro na Escola. A conclusão óbvia é a de que, estatisticamente, a conflitualidade se passará sobretudo no recinto escolar.
Contudo, observa a colega, todas as actividades têm de ser estruturadas, Assim sendo, nestas doze horas, os meninos estão constantemente em actividades sujeitas a regras: as regras da aula, as regras do refeitório, as regras do estudo, as regras dos tempos livres, todas diferentes, dependendo as actividades.
Mas onde está o tempo de qualidade só para brincar, para treinar a autonomia e a responsabilidade, a exploração do mundo, a apropriação de significados, com base em actividades mais livres e menos estruturadas, com adultos, mas também sem adultos, para treinar competências motoras, como subir às árvores, competências sociais, como apanhar o figo, atirá-lo à cara da irmã e saber lidar com a fúria dela, numa típica situação de conflito ou competências individuais, de organização e estratégia pessoal, do tipo, já fui nadar no rio e ainda quero ir aos melros hoje. A ver se me despacho e saio de casa sem a mãe dar conta.
Quando eu reagi à sua descrição da Escola como um Universo cada vez mais concentracionário (não tenho presente a expressão exacta da Maria da Luz, mas penso ser-lhe fiel com esta descrição), dizendo-lhe que os professores (e os funcionários, naturalmente) sempre fazem um esforço para amenizar e colorir o mundo da escola, a Maria da Luz explicou-me tudo muito bem explicado e eu penso que percebi o seu ponto de vista.
Ainda há que ter em conta que a moratória social é cada vez mais longa e aumentou exponencialmente numa única geração: cada vez os cidadões passam mais anos na escola. Que consequências podem advir desta realidade?
12 comentários:
12 horas na escola?
Como são feitas estas contas? Entram às 8h e saem às 20h, por ex.? Há alguma escola com este horário de funcionamento?
A ML disse-me que alguns entram e saem pelas 7.
Vim retribuir a visita :) Gostei de como escreve e para ficar melhor informada sobre a educação vou voltar mais vezes.
Dizes o que eu já dei conta nos miúdos. Passam tanto tempo sob o jgo das regras que a tentação de as infringir é enorme! É preciso o tempo de brincar, de fazer asneiras, de poder fazer as coisas próprias de crianças!!
Discordo completamente!
As crianças não têm regras em casa... por variadíssimas razões que agora não abordarei.
Nota-se uma galopante "infantilização" tácita de muitos alunos.
A Escola é acima de tudo um local de trabalho e não tem apenas por missão ensinar os conteúdos programáticos. Tem acima de tudo, exactamente pelo tempo que as crianças e jovens lá passam, a obrigação de educar.
Ora a educação é saber lidar com regras, hierarquias, contornar "por cima" as frustações e as injustiças... porque o Mundo ´"lá fora" é assim: com regras, com hierarquias, cheio de injustiças e frustrações.
Falo com os meus alunos de forma idêntica que falo com os meus filhos... ou seja, não lhes crio ilusões de um mundo maravilhoso e justo. Ensino-os a controlar as emoções e a utilizarem os mecanismos legais para não perderem a razão: participem por escrito... apresentem testemunhas!
Assim ensinamos a crescer e implementamos a autonomia!
Tem dado muito resultado...e eles agradecem!
Bjos
Ana Gralheiro
Celebrando a participação de todas as outras senhoras, deixem-me que acolha com uma palavra especial Ana Gralheiro. Presumo que seja familiar do Dr. Gralheiro, de Sul, S. Pedro do Sul e espero que ele esteja bem de saúde, na sua provecta idade, que é idêntica à da minha mãe.
Ana, é evidente que tem razão e os meus filhos também atestam uma educação com regras, digo eu, que só recebo elogios dos professores.
Não pretendo desculpabilizar a falta de regras e acredito que a escola tenha que as impôr. O que eu digo é que eles estão muito tempo na escola, tempo demais. Obviamente, por todas as razões e mais uma, a escola tem de impôr regras, mas onde há uma regra, ela terá sido criada porque eli reside um risco de um comportamento inadequado. O que eu digo é que não há tempo de experimentar os limites em contextos menos organizados, em que se estabeleçam formas mais naturais de exercício dessa autonomia.
Tempos lectivos de 1h30 são uma fonte do contra-poder da indisciplina! Os alunos são massacrados com conteudos lectivos, cognitivos, afectivos e sei lá o quê e têm momentinhos de descompressão desafiando as regras, com auriculares, telemóveis sempre por perto, conversinhas que não podem esperar, para desespero dos professores que têm por missão "despachar" manuais escritos para retardados mentais, pesadonos, cheios de frases sem sentido e de lixo visual para estupidificar e encarquilhar as costas dos jovens. Portugal é o único país da UE em que jovens de quinze anos aturam aulas de 1h30, não é? E os conselhos pedagógicos, por esse país fora, já reflectiram sobre os efeitos perniciosos desse modelo? Há tempos vi numa FNAC edições americanas de manuais japoneses de matemática do secundário - que maravilha, uma exposição claríssima e isenta de bonecada. E os japoneses têm óptimos resultados no PISA.
(Nem na faculdade tinha aulas de 1h30. Realmente os tempos lectivos tinham essa duração, mas como se gozavam intervalos de 10 ou 15 minutos dentro do bloco de 1h30, apenas ficava 1h15 de aula.)
Da indisciplina,
Conclusões preliminares. Os actos mais graves de indisciplina passam-se, não nas aulas, mas noutros espaços da escola.
A Lei não reconhece este facto.
Estão lá tempo demasiado e muito desse tempo a fazer coisas aborrecidas e a aturar gente aborrecida.
Ao contrário da Ana Gralheiro acho que a função principal da escola é passar o gosto pelo aprender. É no contexto do aprender que as pessoas se vão "educando".Se estivermos entusiasmados a esmiuçar um texto ou a descobrir a solução para um problema não vai passar-nos pela cabeça pegar na fisga.
Estou farta da escola que "ensina a estar" com um fartote de regras.Sobra pouca disponibilidade para aprender.
Quando era DT acho que nunca dei andamento a nenhuma participação. Iam sempre todas devolvidas ao autor, levando como anexo soluções bem mais formativas que a queixa/castigo. E resultava.
Será que educação é saber lidar com
regras e hierarquias? Cheira-me a tropa, unidade especial, comandos, ss...
O que pretendo é saber lidar comigo mesma na interacção com os outros e com o mundo. Foi isso que passei aos meus filhos (que, não desfazendo nos filhos dos outros, são excelentes e suspeito que nunca fizeram participações)e tento passar aos meus alunos. Mas talvez isto não seja "educação".
Também nunca deixei os meus filhos presos na escola dez ou doze horas.
A escola passou a ser um reservatório de meninos. Também alguns alunos meus entravam na escola às 7h30 e saiam às 18h30 ou 19h.
As AEC que se "dizem" aprender a brincar, não o são, porque os alunos têm fichas de avaliação,trabalhos para casa e posteriormente uma avaliação semestral qualitativa. Os conteúdos leccionados, em duas áreas especificas (inglês e música)são identicos ou iguais ao 5.ºano.
No dia seguinte deparava-me com alunos cansados e alguns comportamentos menos adequados.
Obrigada.
Sou filha de Jaime Gralheiro, que fez 77 anos no dia 7 do 7 de 2007. Continua activissimo e mais lúcido que eu!
Eheheh!
Bjocas
E muita saúde!
Ana
Enviar um comentário