segunda-feira, maio 05, 2008


M. era uma professora impecável. Teve uma carreira de mão cheia, em que formou professores, desempenhou os mais variados cargos, conservou sempre uma postura inovadora, mantendo sempre os seus dossiês repletos de materiais diversificadas e inovadores, procurando arranjar sempre para as necessidades de cada aluno a resposta mais ajustada e precisa, a que associava um low profile discreto, mas seguro.

O ethos de M. foi-se desmoronando quando começaram as aulas de substituição.

A reacção geral dos professores foi bastante negativa e repercutiu-se no comportamento dos alunos. Uma coisa é um professor manter a disciplina numa turma que conhece e o conhece, outra coisa é um professor manter a disciplina numa turma que, à partida, está condicionada para reagir mal a uma proposta e sabe que o clima lhe é propício.

A pouco e pouco, M. começou a entender que aquilo que estava a fazer já não era aquilo que queria fazer e foi, lentamente, desistindo.

Um dia, recusou-se a fazer uma aula de substituição.

E afirmou, excepcionalmente peremptória:

-Nenhuma aula de substituição vale a minha saúde.


Deve ter sido esse o dia da decisão última.


Não a conhecia bem. Assisti à declaração. Compreendi-lhe o significado e tive pena.

6 comentários:

Raimundo_Lulio disse...

Também já dei algumas aulas de substituição e, francamente, foi uma experiência muito interessante. "Borrifei-me" para as fichas e fichinhas e resolvi fazer debates sobre a escola ou sobre o nosso sistema de ensino, sobre os exames, até, sobre as póprias aulas de substituição, etc., no fim, os alunos agradeciam-me e diziam que deveriam existir mais aulas como aquelas.
As aulas de substituição podem ser espaços de crítica e de autêntica formação cívica, espaços de reflexão para a necessidade de mudar a escola.

Raimundo_Lulio disse...

Sobre o impacto da economia nas reprovações.

Penso que há uma relação directa entre o estado de desenvolvimento económico e a cultura de um país e, por sua vez, uma relação directa entre a cultura e o número de reprovações escolares. Será que as escolas portuguesas têm que ser muito diferentes das empresas portuguesas? Sempre que aumenta a crise económica (aumento da taxa de inflação, aumento do desemprego) aumenta o insucesso escolar. O mais importante não é "o impacto económico das reprovações", mas, pelo contrário,"o impacto económico nas reprovações".

Paideia disse...

Raimundo,
Não querendo corrigi-lo, já escrevi sobre os "factores sócio-económicos no insucesso escolar". No último post, falei de outra coisa: dos custos financeiros de uma reprovação. São coisas distintas.
Se quiser procurar os meus posts sobre insucesso e abandono, verá tratado em profundidade o que considera mais importante e que efectivamente é. Contudo, sendo mais importante, o menos importante, não deixa de ser relevante: as reprovações têm efectivamente um peso económico e social muito elevado.
Cumprimentos.

Paideia disse...

Fico contente por ter reagido bem às aulas de substituição. Contudo, não creio que tenha entendido a intenção da mensagem. Peço-lhe que leia de novo: houve uma reacção muito negativa dos professores que passou aos alunos, que por sua vez reagiram negativamente. Algumas pessoas muito boas profissionais foram sensíveis a isso. Continuam a ser, acredite.
Eu enfrentri casos de reacções negativas, dei-lhes a volta e deixei bem expresso:
- Esqueçam: isto é para funcionar!

Também está escrito nos meus registos do blogue.

Cutiosamente, ainda ontem, com uma aluna, comentávamos rindo, a "nossa" primeira aula de substituição... porque há alturas em que é preciso clarificar "quem manda aqui": também já escrevi um post sobre isso.
:)
Cumprimentos.

joao de miranda m. disse...

Tem, de facto. É por isso que a reprovação não devia existir. No entanto, certificar e despejar na vida jovens incultos e mal formados, destilando a mais arrogante ignorância, também terá custos financeiros e outros mais difíceis de contabilizar a curto prazo.
Prender um criminoso também tem custos terríveis. E contudo não conheço melhores alternativas. Restringimos a liberdade ao criminoso não só para o proteger da sociedade e para proteger esta dele, mas também, e fundamentalmente, para dissuadir futuros crimes e fomentar comportamentos sociais mais assimiláveis. As reprovações são boas quando entendidas desta maneira.
Não é inequívoco que uma reprovação ou uma pena de prisão melhorem substancialmente os réus. Não é no aluno reprovado que se verifica a eficácia de uma reprovação, mas nas induções positivas que aquela reprovação provocará nos seus pares.
Parabéns pela qualidade de todos os textos.

Paideia disse...

Mais uma vez, João de Miranda, grata pelas suas gentis palavras.
Bom fim de semana.
Idalina