Mostrar mensagens com a etiqueta inclusão. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta inclusão. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Breve lista de ofensas e respectivo enquadramento histórico


És ceguinho, ou quê?


Quando se considerava que um cego, lá porque lhe faltava o sentido da visão, não passava de um pobre coitado que contribuía para alardearmos a nossa caridade, quando o mandávamos cantar, virtude que até nos saía barata. Os cegos provaram que eram capazes de aprender e de ser cidadãos autónomos como quaisquer outros, e mesmo de conseguir contornar as barreiras arquitectónicas que inteligentemente lhes criamos, só para lhes mostramos a nossa superioridade. Actualmente, é mais utilizada em desaguisados de trânsito, em que, para provar que sou melhor condutor(a) que outro, esbracejo, grito, ultrapasso pela direita, desobedeço ao traço contínuo, passo o sinal vermelho mesmo nas barbas do Sr. Agente da Brigada de Trânsito; ou sou incomodada por peões idosos, que se interpõem entre mim e o sucesso, traduzido em termos de velocidade de circulação e marcação de território, porque o meu carro (ou pelo menos a buzina) é melhor que o dos outros e a minha carta de condução avaliza a minha imensa capacidade para "dar com os burrinhos na água".


Estás surdo, ou quê?

Esta também relaciona a privação de um sentido à falta de inteligência. Serve para provar que sou mais esperta que um surdo, embora não tenha escrito nenhuma sinfonia, quanto mais a nona.



O fulano é gaseado

Esta é claramente influenciada pela primeira guerra mundial. Havia lá na terra o Chico Torres que incomodava o nosso descanso nocturno com gritos lancinantes e discursos tonitruantes, onde habitualmente nos chamava bandidos, o que era injusto, porque estávamos todos a descansar nas nossas casas construídas nos "anos dourados" do salazarismo e tamanha injustiça nos deixava profundamente ofendidos, a ponto de entendermos que ele nem um prato da nossa sopa merecia. Dizia-se que o Chico Torres tinha ficado assim depois da Batalha de La Lys, onde nos representou para honra de todos e maior desgraça, depois de Alcácer Quibir - ao tempo; eu era ainda muito criança, o Chico Torres era o "gaseado", porque a uma comunidade organizada compete sempre uma percentagem eficaz de excluídos, que garanta a superioridade de todos.O diminutivo do nome próprio já implicava a falta de direito de um louco ao seu próprio nome.


Está cada vez mais autista

Esta já integra o conhecimento da DSM IV e é particularmente científica, porque coloca no mesmo saco uma dificuldade real de comunicação e uma recusa deliberada em ouvir o outro, prestar atenção aos seus argumentos, efectuar uma escuta activa, que antecipa problemas e aceita o desafio da colaboração e a procura de soluções construídas na negociação.É uma ofensa da pós-modernidade, porque já não põe a tónica no QI e começa a marcar a diferença através do QE, de um tempo em que a comunicação e a intersubjectividade passaram a competências superiores.

Quando utilizo estes mimos, estou a organizar o mundo em capazes e incapazes, dos quais naturalmente me excluo, como não podia deixar de ser (a frase está ambígua, mas é de propósito).

terça-feira, janeiro 01, 2008



Convicções: incluir é bom para todos


Há muitos anos que, por opção e por gosto, trabalho com turmas que incluem jovens com necessidades educativas especiais, quer do foro cognitivo, quer do foro comportamental, quer na área da deficiência, seja ela motora, visual, auditiva ou da multideficiência.

Nunca me aconteceu ter a percepção de que o facto de ter uma ou mais crianças com n.e.e. constituísse um entrave de qualquer ordem à aprendizagem ou à socialização dos meninos de ensino regular. Muito pelo contrário: A heterogeneidade que as crianças n.e.e. trazem às suas classes produz efeitos positivos para todos os alunos, reduzindo a competitividade e a fricção, criando oportunidades de desenvolvimento de competências sociais, de valores éticos, tais como a aceitação das diferenças e de empatia interpares.

Os alunos mais "integradores" acabam geralmente eleitos pelos seus pares como delegados de turma e, em termos exclusivamente empíricos, afirmaria sem qualquer dúvida ou rebuço que os ambientes de aprendizagem inclusivos têm efeitos positivos, tanto nas crianças com alterações do desenvolvimento, como nas ditas "normais".

A investigação identifica como pedra de toque da integração as atitudes dos professores e as suas crenças relativamente à inclusão.

Mas há mais, o facto de alguns alunos exigirem de nós maior criatividade em matéria de estratégias de ensino, acaba por ter efeitos positivos nos outros estudantes, na medida em que a diversificação responde melhor aos diversos estilos de aprendizagem.

Nas classes que incluem jovens n.e.e., o clima de colaboração é melhor, existe menor competitividade.

No trabalho de grupo, por exemplo, são menos aceites os alunos que não trabalham do que os alunos com défices cognitivos ligeiros e existe por parte das crianças uma sabedoria indecifrável, na sua beleza intrínseca, para a distribuição das tarefas no grupo, sem ofender ou humilhar aqueles cujo potencial de desenvolvimento é mais baixo.

É minha convicção de que a inclusão tem efeitos positivos no clima da sala de aula, tornando-a menos competitiva, menos agressiva, mais cooperativa, mais coesa e mais eficaz.

Por último, sinto-me mais confiante quantos aos meus conhecimentos e competências e sinto que sou mais eficaz, não apenas porque, sendo as turmas mais pequenas, tenho mais disponibilidade para outros alunos menos autónomos e sinto que ultrapasso melhor todos os obstáculos, mas também porque o clima se torna mais desafiante e a vontade colectiva é mais forte.