Nos termos da Lei, as provas de aferição são um instrumento de avaliação do sistema educativo.
Logicamente, os seus resultados deveriam ser devolvidos aos agrupamentos, que sobre eles reflectiriam e poriam em marcha, num processo de reflexão colectiva, os processos de melhoria que entendessem necessários e urgentes.
Parece que, no entender da actual tutela, as coisas não são bem assim: funciona-se numa lógica de devolução dos resultados das provas aos alunos e aos professores.
Isto é, através de uma base de dados gigantesca, presumivelmente bem construída - e isto seria comigo - estaríamos em condições de devolver a cada professor os resultados de cada um dos seus alunos nas provas de aferição.
Tudo isto, numa perpsectiva muito clean, muito séria de que os pais têm o direito de saber os resultados das provas dos seus rebentos. Foi nesta lógica que os nazis limparam o mundo de uns milhões de judeus.
Eu não sei mesmo para que serviriam os outros tipos de avaliação formativa e sumativa. Nesta lógica, as provas de aferição responderiam a todos os objectivos consignados nos vários tipos de avaliação. Feedback ao sistema, aos professores, aos pais e aos alunos. Para quê perder tempo com mais provas, então?
Não fosse aquela noticiazinha de que o Sr. Secretário de Estado havia anunciado que, em 2007 , irão encerrar cerca de 900 escolas de 1.º ciclo de todo o País, no âmbito do processo de reordenamento da rede escolar e eu entraria no jogo com uma capa de eficiência científica e tecnológica.
Ora, tal "reordenamento" - vocábulo muito clean - far-se-á à custa do encerramento de 900 escolas do primeiro ciclo e assentará em dois critérios: terem menos de 20 alunos e uma taxa de sucesso escolar inferior à média nacional ou possuírem menos de 10 alunos.
Ora, esta média nacional será obtida através das provas de aferição, com feedback palavra igualmente muito clean e polissémica aos respectivos professores.
Acontece que, na minha família, exitiram professores de primeiro ciclo durante as duas gerações anteriores à minha, isto é, desde a primeira república, a que aliás, o meu bisavô não aderiu. Mas não deixou de enviar uma das filhas para Viseu, para aprender a arte de ensinar.
Maria, a minha tia-avó, ensinou durante cerca de 50 anos, numa aldeia da Beira Alta, e numa "sala de aula" - chamemos-lhe assim, que com certos referentes a expressão também é muito clean - onde, no Inverno, se acendia a lareira para aquecer corpos e almas. Nessa altura, a minha tia-avó Maria tinha uns quarenta meninos na sala e era certamente uma Vygotskiana de truz, na aplicação do conceito da zona potencial de desenvolvimento, já que os mais velhos a coadjuvavam na alfabetização dos mais novos.
Na geração seguinte, foi a sua filha Aida, que durante mais de quarenta anos, alfabetizou milhares a eito. Daqueles que, mesmo no Inverno, iam descalços para a escola, estão a ver?!?
São histórias de família que nos ficam no código genético, quando mais não seja o moral, bem no modelo de Kohlberg.
E era agora eu que ia legitimar o feedback (ai como eu gosto de anglicismos very light!) de 900 lugares no quadro do primerio ciclo?!?
Além do mais, Maria, a minha tia-avó, tinha um narizinho que não enganava ninguém quanto à sua ascendência judaica pelo lado paterno...
Comigo, NÃO!
2 comentários:
Felizmente ainda há gente com valores (além de valor, claro!)neste País. Bem hajas pela coragem, Idalina.
As provas de aferição, e outros exames, vieram como uma tentativa de regular o sistema, embora no secundário tenham também o objectivo de seleccionar para o ensino superior. Todos conhecemos situações de professores que apenas passaram a leccionar os programas de forma completa quando viram que os seus alunos iriam ser sujeitos a provas. A falta de decisão dos órgãos de gestão e a atitude corporativista de alguns docentes sempre impediu a responsabilização dos professores pela sua falta de profissionalismo, nas situações em que essa era a causa do incumprimento.
Pode-se questionar se realmente essas situações melhoraram. Algumas sim, mas muitas outras não, pois o cumprimento de um programa não é sinónimo de matéria bem leccionada e no tempo adequado.
Alguns docentes, não sei se muitos se poucos pois embora tenha conhecimento de alguns, não posso quantificar, passaram também a leccionar em função das provas nacionais, e essa situação que existia só a nível do secundário, alargou-se a todos os ciclos. Sei que não é um comportamento generalizado, mas tem ocorrido.
Ainda ninguém se preocupou em estudar as consequências que essa atitude teve no acompanhamento de alunos com mais dificuldade. Se não terá havido um aumento de preparação para os que “conseguiam acompanhar” deixando “cair” os mais fracos, situação frequente no ensino secundário. Estas ocorrências a nível do 1º ciclo e do 2º ciclo adquirem uma gravidade superior.
Embora os resultados das provas de aferição nos ciclos iniciais não tenham o mediatismo dos exames do secundário, a verdade é que os resultados se sabem e a pressão exercida sobre os professores para que obtenham bons resultados é grande. Pressão dos pais, dos alunos, dos órgãos de gestão e da hierarquia ministerial.
É essa pressão que vai condicionar comportamentos nos docentes. Será necessário esperar alguns anos, mas dentro de 4 ou cinco já será possível verificar se não aumentará o insucesso nos anos que não estão sujeitos a provas de aferição.
Basta não deixar “chegar os desgraçadinhos” às provas, para melhorar os índices comparativos com outras escolas.
Os resultados das provas de aferição, e de outros exames, irão agora também servir de argumento para encerrar escolas e avaliar professores, o que nos poderia levar a uma discussão sobre a utilização das bases de dados para fins diferentes daqueles para que supostamente são criadas.
As escolas e os professores irão orientar-se cada vez mais para as provas de aferição, pois são essas as indicações subliminares.
Lamentavelmente.
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