terça-feira, novembro 28, 2006


Por dentro de nós


Um olhar que nunca nos enfrenta e se proteje de uma ameaça, de um temor; uma insegurança, uma angústia de solidão, uma parede, uma mão que se estende e nunca toca ou se deixa tocar. Este livro de Carlos Nunes Filipe sobre o autismo revela o outro lado do médico e que nele transparece em cada olhar e em cada gesto discreto, subtil e doce. Na nossa cultura são comuns os médicos que escrevem. No consultório do Dr. Carlos Nunes Filipe é o olhar atento à procura do sentido por descobrir ou ainda não dito que se reflecte nos retratos que tira, nos momentos raros, surpreendentes, indizíveis que procura.
Um momento suspenso, um gesto por concluir, uma forma que se reinventa, uma porta que se abre para a esperança ou para a comunicação.
Um livro que procura aproximar-nos, explicar-nos o tormento intraduzível de quem sofre de uma perturbação do espectro do autismo. Porque conhecer é amar, o povo diz; e amar é não desistir do ser amado.

domingo, novembro 26, 2006


Preparação da próxima semana
Imagino Jesus aqui e agora,
sentado ao meu lado,
abro-lhe o coração, conto-lhe tudo
e peço-lhe que me ajude a ver em cada um dos meus alunos
um reflexo da Sua imagem.



Amadeo


Este fim-de-semana a família desandou em peso (tirando o Mário, que preferiu o seu Benfica) para os lados da Gulbenkian e arrastou consigo a minha amiga Mi.
Não sei se foi o facto de eu ter nascido em 1952 que fez despoletar o reconhecimento da obra de Amadeo ou se é mesmo porque se terá entrado na era do Aquário.
A procissão do corpo de Deus, em Amarante intrigou-nos. À parte os dignitários religiosos e políticos, superintende, forte e altivo, o cavaleiro guerreiro S. Gonçalo; mas quem era aquela figura verde, algo maligna, sinistra, que, inopinada e inconvenientemente irrompe pela procissão, “desarmonizando” todo o cenário de dignidade e festa? Será o tal padre politica e etilicamente peçonhento?
Aquele quadro da tourada, aqui para nós, e às escondidas da Bá, filha da minha amiga Mi, que é toda anti-touradas OUVE-SE. Eu nunca fui a uma tourada mas, como toda a gente, já passei por elas na televisão. Eu consigo ouvir o resfolgar dos cavalos inquietos, a agitação da assistência “aficionada”, o frenesi dos cavaleiros e peões. À parte a Guernica, cuja sinestesia é arrebatadora, nunca tinha tido com outro quadro uma sensação sinestésica tão forte. Parafraseando Gomes Leal, as cores são vozes e as linhas sons. Todo o conjunto é claramente audível.
A influência das artes decorativas e dos trajes tradicionais portugueses e um certo sincretismo entre as influências árabe e bizantina na cultura portuguesa, despertadas pelo vigor do ballet russo da época que o pintor apreciou, estão eloquentemente representadas nas suas “bonecas”, que me fazem lembrar as bonecas de pano que a minha tia Celeste me fazia, quando eu era menina.
Há contudo ali um par de quadros, mais um trio, incluindo o dos barcos, à esquerda, que ficava divinalmente na minha sala. Ai… ai… Idálina (como me chamava o jovem brasileiro de Alencar, secretário de cultura que eu conheci em Itália e do qual a minha Inês resmungava que me bajulava) “’cê é qui tá ganhando pouco, né?” "Qui nada, pô! Tá é faltando parede!"

quinta-feira, novembro 23, 2006


(Re)Aproximações...

A moreninha do 9º. A fazia parte daquele grupinho que, depois do choque da aula de substituição, me fazia umas visitinhas à porta.
Outro dia, vi-a debaixo das árvores que cobrem o parque Sul a puxar do cigarrito com um grupinho, logo às 8 da manhã.
Não posso fazer a blague da sonolência matinal, que não tenho. Ela vem-me mais depois do almoço, quando paro para pensar na minha manhã e, tirando o cheiro a enxofre que vem da sala de professores, faço o balanço do meu trabalho com os meninos e agradeço a Deus a inspiração e a energia que me vai dando. A primeira observação ainda foi um pouco impessoal. À saída da última aula aula de 6ª. feira, poisei o leitor de CD's em cima da mesa da auxiliar e atirei: "Fumar mata!". E desandei.
Ontem, logo pela manhã não resisti. Posso falar contigo? Olhou-me surpresa e ficou expectante.
Olha, o meu pai e o meu irmão morreram ambos de cancro no pulmão e com a mesma idade. Tinham 34 anos. Sofreram de forma atroz. Da última vez que vi o meu pai vivo, tinha 8 anos, a parte mais larga da coxa media isto: e demarquei com as mãos uns doze centímetros. Peço-te por TUDO: pelo menos evita fumar logo de manhã... E procura restringir o número de cigarros por dia. Prometes? Olhei-a bem no meio dos olhos. Vou tentar, respondeu. Abracei-a e beijei-a: Tudo de bom para ti. E para si também.


Em todo o caso dava uma aguarela...

(Em torno do óleo s/ tela, Começando o dia, de Edmundo Cruz e de um poema de Cesário Verde)

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.


Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.


Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.


Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Um poeta e um pintor impressionistas. Cesário Verde poderá ser considerado o Pai da moderna poesia portuguesa e quando vi este quadro, ocorreu-me de imediato a sua poesia De Tarde, pela força com que a figura feminina irrompe do cenário rústico, pela energia com que carrega o cesto da roupa, pelos dourados reflexos do Sol, que evocam os damascos, o pão de ló molhado em malvasia, pelas formas generosas da jovem cujo decote, se fosse maior, faria naturalmente emergir os seios redondos, quais peitos de rola. É verdade que as papoulas surgem rubras num quadro à parte, o Papoilas, mas consigo imaginá-las colhidas, enfeitando o decote , depois da roupa estendida. Misturado com o da malvasia, as tonalidades do vestido evocam o odor da roupa lavada num tanque de pedra, à beira do qual cresce um arbusto de alfazema.

sábado, novembro 18, 2006





Conversas à esquina da aula

A colega directora de turma pediu-me que tivesse uma conversa com ele. O menino queixa-se de que lhe chamam macaco e tem complexos porque o pai é negro.
O jovem é um excelente exemplar do melhor que pode resultar de um cruzamento étnico. Alto, bem constituído, uma pele de um tom dourado que as melhores marcas de cosmética não conseguem imitar, cabelo castanho claro e olhos de um castanho amêndoa, onde apetece tirar férias de campo.
Percebi as razões da escolha da directora de turma: o meu ar negróide ajuda ao tema. A senhora é de Angola? São as perguntas mais directas, as mais subtis passam por referências a Cabo Verde à espera da minha reacção. Eu só digo, que para além das raízes ali para os lados dos montes Hermínios, passou por aqui tanta gente, que só Deus sabe (embora preferisse ter olhos verdes como outros da minha família).
No fim da aula chamo-o ao pátio interior:
-Olha lá, já olhaste bem para ti?
-Já… (responde com o seu ar fechado, sério e surpreso)
-E o que é que vês?
-…
- Eu vejo o rapaz mais bem parecido da turma! É que és mesmo bonito! (Esboça um sorriso).
- Alguém aqui te chama nomes?
- Chamam-me macaco.
-Quem?
- O ….
- E como é que vais passar a reagir?
-Não sei...
- ?!?!?
-Tenho que pensar.
O nomeado é muito pequeno e anda sempre aos pulos.
- Então e se lhe deres uma palmada nas costas, abrires um grande sorriso e responderes:
- Tudo bem… saguim?... Piolho eléctrico?... Varejeira?
Só lhe ensinei a usar do humor para lidar com uma situação adversa. Pelo menos ele abriu mais o sorriso e olhou de cima para baixo, satisfeito e divertido. Quanto ao resto, não me comprometam, porque eu nego. N-E-G-O!


Conversas à esquina da aula

Dizem que tem uma personalidade esquizóide.É um diagnóstico do foro médico e eu sou uma simples professora. O que eu vejo é um pré-adolescente sofredor, infeliz com o seu corpo, solitário (ele diz que é porque quer, mas quando a atenção se centra nele, os olhos brilham-lhe) e, previsivelmente, com o grande problema em enfrentar as frustrações próprias da idade e da condição.
Outro dia, disse-me em plena aula que era burro e eu respondi-lhe grosso que na minha aula ninguém chama burro a ninguém. "OUVIU BEM? E não me obrigue a levantar a voz, que eu preciso dela para cantar!"
De vez em quando faço-lhe uma espera, com as minhas saídas teatrais: saco de um espelho, coloco-lho bem à frente e atiro: "O que é que vês?"
Inteligente e com um sentido de humor refinado, olha-me de cima (literal e figuradamente), saca do seu próprio espelho (!!!) e diz: "Pareço eu." Isto promete. Insisto: "Vês um belo rapaz, é o que vês, não achas?" É daquelas evidências em que ele, mesmo que não queira, tem de concordar. Insisto: "Olha para o teu cabelo: é bonito?" "Acho que sim." Usa umas roupas muito largas e enfia um barrete grosso logo que sai de uma aula. "Com licença!", digo eu, tirando-lhe o barrete, dando uma volta por trás e escondendo-lho bem no fundo da mochila (vais ter que te mexer bem, se o quisres pôr...). "Excuse me!": componho-lhe a melena, endireito-lhe o casaco, ajeito-lhe a bolsa que usa à cintura, olho-o bem de frente e atiro " You DO look handsome!". Pronto, lá tenho de lhe explicar porque é que não posso chamar-lhe pretty: é que ele pode não gostar e é maior que eu...
Ó stôra, mas handsome é "mão-alguma", não é? (Queres conversa).
"Segue, segue, segue!" (Mando eu, agitando a mão como os Gatos Fedorentos).
"E quando chegar ao café do Barboja?", pergunta ele?
Queres conversa e eu já estou cheia de fome: "Amanhã, encontramo-nos no passeio marítimo, OK?"
"E se chover?", Pergunta.
Um dia de cada vez.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Presença de Deus
Já são onze e trinta e amanhã tenho aulas às 8. Erguer às 6.30. Preparo a oração que conduzirá o meu dia de amanhã, sexta-feira, 17 de Novembro:
Paro por um momento
e penso no amor e na graça
que Deus derrama sobre mim,
criando-me à sua imagem e semelhança,
tornando-me no seu templo.



Uma crónica do Filósofo José Gil
(Revista Visão de 9 de Novembro)
comentada, com o devido respeito

"O que impressiona nas intervenções mediáticas dos responsáveis do Ministério da Educação (ME), é a ausência total de uma palavra de apreço e incentivo para com os professores. (comentário: impressiona, choca e revolta, de tão contra-natura que é). Quando ela vem, parece forçada, demasiado geral, demonstrando uma incompreensão profunda pelas condições do exercício da profissão (resta saber, dos que foram professores, quem efectivamente exerceu e quais as habilitações que efectivamente tem). Os últimos rumores (verdadeiros) sobre as eventuais oito horas lectivas obrigatórias, mais o corte das “pausas” do Natal, Carnaval e Páscoa, provam que as autoridades encarregadas de conceberem a política educativa do nosso país não sabem – ou não querem saber- o que implica ser professor (sobre isso já escrevi que "lá se me vai a ferramenta") .Fica-se com a sensação de que o ME tem do professor a ideia de alguém que goza de privilégios imerecidos, que sobe “à balda” na carreira (alguns dos que por lá pululam parece que subiram mesmo, há que averiguar), que falta às aulas (às aulas e a outras obrigações de serviço público, como é público e notório) quanto pode, que se está nas tintas para o aluno (há lá no ME pelo menos um que está mesmo), que se esquiva o mais possível ao trabalho e ao esforço. O cúmulo deste intolerável estado de coisas é que usufruíria – como se faz crer aos portugueses- dos melhores salários em comparação com os equivalentes europeus. O imperativo da política educativa formular-se-ia, pois, assim: “Vamos pôr tudo isto na ordem”. Vamos varrer o despesismo, a “balda”, o desperdício, o oportunismo, o laxismo, a facilidade, a incompetência – todos esses vícios da maioria dos docentes que teriam transformado a escola num lugar para se viver de boas rendas, trabalhando pouco, mal, e gozando de inomináveis regalias e do maior tempo de ócio (pois é, tocar na ferida, das reformas e contra-reformas disparatadas, inconsequentes, desconexas, avulsas, é que está quieto, mas que os resultados dos nossos alunos têm de melhorar, lá isso têm). Imagem tão pregnante que as excepções – “aquele professor que nos marcou para toda a vida…” (a mim marcaram-me muitos, uns pelo bem, como a minha professora de Inglês do 4º. ano, o Professor Moser em Letras, a minha Profinha Guilhermina Miranda, no mestrado, na tese, no doutoramento, na tese; outros pelo mal e quanto a mal, vem-me à memória outro responsável político do ME), frase estafada que, pelo menos, diz a parte mínima que compõe a minoria – seriam incapazes de a combaterem e de a apagarem.Eis o que explicaria os excessos discursivos (e não só) dos responsáveis do ME. Tem-se a nítida impressão de que não gostam dos professores – por mais que queiram distingui-los dos sindicatos. Ora, o que está em jogo no actual debate sobre a educação, é a transformação de uma situação há muito desastrosa, criando condições para um ensino de qualidade, à altura das ambições de “modernização” global do País, proclamada pelo Governo. Nesse quadro, a Educação constitui um pilar essencial do projecto governativo do primeiro-ministro: se ele falha, falhará todo o projecto. Neste momento constata-se que o clima das escolas (professores cansados, abatidos, deprimidos – dos que pertencem às “excepções”) (tão deprimidos, tão humilhados, que é impressionante observar pessoas com trinta anos de serviço, profissionais do melhor gabarito, completamente desnorteados) não contribui para a boa aplicação dos novos estatutos que aí vêm.Quem se importa com os professores? Questão que poderia deslizar, perigosamente, para esta outra: quem se importa com o ensino? Quem, nesta reforma, pensa no tipo de trabalho, material e imaterial, que o professor fornece, para que a relação mestre-aluno produza os efeitos esperados? Relação extremamente delicada, que não se reduz à transmissão de conhecimentos, mas que exige do professor um investimento múltiplo, emocional e intelectual, que provoca um desgaste psíquico e existencial extremo (como o Professor José Gil sabe disto! Só mesmo quem vive a sua profissão com tudo o que tem para dar!).Que se me permita citar umas linhas que escrevi noutro local: “ O investimento na docência convoca forças de toda a ordem, os dons, a capacidade de controlar e de se auto-controlar, a plasticidade para se adaptar e lidar com cada aluno em particular, o equilíbrio incessante entre o papel de docente e o de educador, o constante brio que se exige de si (o terrível superego do professor que o força a ter a melhor imagem de si para estar em paz consigo mesmo), (meu Deus, como me revejo nestas palavras!) a responsabilidade que assume pelo aproveitamento do aluno, etc. Ele não investe uma ou duas “competências”, investe na aula a sua existência inteira”(Só quem é professor e vive, com uma inteireza assim, a sua profissionalidade pode sentir a força destas palavras, a força deste investimento) .Mas não são só o espírito e os métodos pedagógicos que devem ser considerados dentro de um contexto mais alargado. É a própria nocão de “racionalização” do ensino que tem de ser repensada. A acção política educativa parece padecer de toda uma série de disfunções e desfasamentos: muda-se o estatuto da carreira docente, com novas tarefas, mais trabalho, mantendo-se inalterados os conteúdos e negligenciando a formação necessária dos maus professores; instauram-se regras de avaliação, mas não se eliminam os compadrios e as conivências (no comment); exigem-se boas vontades para certas tarefas, e quebram-se as vontades não oferecendo contrapartidas; voltam-se os pais contra os professores, estes contra a instância que os tutela, o pessoal administrativo contra os professores, e já mesmo se formam alianças alunos-pais contra o Ministério…(como eu já disse: "Quem com ferros mata, com ferros há-de morrer!") Tudo isto é mau para o ensino e para a educação. Como se a “racionalização” do ensino básico e secundário, ao preocupar-se apenas com alguns dos seus aspectos, e sem visão global, induzisse necessariamente outras formas de irracionalidade e anarquia."
Comentário final (mais do mesmo: e já la vão 30 anos!).
O medo, a inveja, o compadrio... a não-inscrição.
Bem-haja, Professor José Gil.


Frescura e patine
O poema que o Jorge me dedicou o ano passado e pendurou no pátio, está a acusar as marcas do Sol, do vento e da chuva. Há letras que estão um tanto sumidas. Ele quer reavivá-las, eu prefiro que ele o deixe assim, com umas letras meio gastas. É como o nosso amor: trinta e quatro anos de vida em comum, de alegrias, tristezas, ausência e saudade, saúde, doença e cartas de amor deixaram no nosso amor uma patine, feita de muito carinho, partilha, compreensão e dois filhos muito amados, mas, no essencial mantém a frescura de quando ele começou a cortejar-me e me desmanchava as fitinhas de veludo com que eu prendia o meu cabelo ainda forte. Começámos a namorar no dia em que Salazar morreu. Na natureza tudo se transforma.

tenha aulas de substituição


A rapariga está no 11º., tem 16 anos, tem o seu projecto de vida. Leu a minha carta no Público sobre as aulas de substituição e quis saber a minha opinião: "E no Ensino Secundário?". Desse, só sei falar como mãe e o que eu tenho a dizer é o seguinte: Se o professor faltar, ela sabe o que fazer com o seu tempo e decidirá o que fazer com ele: pode ir para a biblioteca, estudar, pesquisar, fazer o que tem a fazer. Até pode passar o tempo no pátio das tílias, de que os alunos tanto gostam. Ou ir ao Jardim ou à praia: Oeiras vale MESMO a pena. O honorável Sebastião e Silva também terá tido os seus momentos de lazer. Se a Escola tiver alguma queixa, tem duas opções: ou castiga-a, ou deixa o caso com os pais. Nós tratamos do assunto.

terça-feira, novembro 14, 2006



Já cá estão as fotografias da defesa de tese de Mestrado da Dora!

Finalmente, a “minha menina” chegou ao fim da jornada. Com êxito! A arguição foi musculada, bem ao estilo Socrático (do meu gosto, mas algo assustador para os leigos), a Dora aguentou-se, embora me tenha enviado um mail com um emoticon todo engessado.

Duas brilhantes intervenções, uma da área da Didáctica, outra da área da Psicologia. Tenho visto poucas arguições, a nível de Mestrados, de tão elevado nível.
Um único senão: a intervenção final do “tira-linhas”. Por amor de Deus, depois de intervenções da qualidade que ouvimos, tínhamos que assistir à conversa do tira-linha, põe linha? Mais edificantes são os meus diálogos com a D. Engrácia da retrosaria ali em cima:
- Bom dia, D. Engrácia, o Sr. Artur está melhor?
- Vai andando D. Idalina. E o seu Marinho?
- Está melhor, obrigada. Já vai à bola e tudo.
-Graças a Deus! Olhe, D. Idalina, ainda não chegaram as linhas que encomendou. Chegou o fio 5440, não chegou 0 5444, a cor que a senhora quer. Talvez para a semana...


Bom, malgré a conversa do tira-põe linha, a Dora lá tirou uma excelente nota.
Ficámos todos muito felizes. Sobretudo os pais babosos (que inveja!) e o maridão.

"All is well that ends well."

domingo, novembro 12, 2006


De volta aos clássicos

Wuthering Heights

Este livro de Emily Brontë é um dos meus preferidos da literatura inglesa.
È uma história de paixão e vingança, com cenário na região de Yorkshire
O livro só viria a ganhar projecção na sua segunda edição publicada já depois da morte da autora, em 1850.
O Sr. Lockwood e Nelly Dean são os narradores da história que tem início com a chegada de Heathcliff ao Monte dos Vendavais e da sua paixão avassaladora por Catherine Earnshaw, a filha do seu benfeitor.
Esta relação frustrada pela diferença social que os separa tem como cenário a paisagem local e a arquitectura característica da região do Yorkshire. A complexidade do enredo, a ambiguidade e a imaginação fértil de Emily Brontë percorrem os temas da crueldade da doença, da morte e a forte estratificação social da época vitoriana. A ambiguidade da novela tem a sua expressão máxima já no fim, ao ficarmos sem perceber quem são os vencedores: se os sentimentos que representam a sociedade civilizada, se a intensidade devoradora da paixão. Terá Emily Brontë cedido ao conformismo característico da sociedade do seu tempo? A estrutura simétrica da novela evidencia essa incerteza, na morte dos dois amantes, para quem a realidade terrena pouco importa. Aliás, Emily poderá ter decidido eliminá-los porque ambos constituíam um perigo para o equilíbrio e a paz da sociedade vitoriana.

O meu excerto favorito é quando Heathcliff «covering her with frantic caresses, said wildly, -- - "You teach me now how cruel you've been -- cruel and false. Why did you despise me? Why did you betray your own heart, Cathy? I have not one word of comfort. You deserve this. You have killed yourself. Yes, you may kiss me, and cry, and wring out my kisses and tears; they'll blight you -- they'll damn you. You loved me; then what right had you to leave me? What right -- answer me -- for the poor fancy you felt for Linton? Because misery, and degradation, and death, and nothing that God or Satan could inflict would have parted us, you, of your own will, did it. I have not broken your heart -- you have broken it; and in breaking it you have broken mine. So much the worse for me that I am strong. Do I want to live? What kind of living will it be when you -- -- O God! would you like to live with your soul in the grave?" »
Depois de quatro anos de EBSCOdependência, estou de volta aos clássicos.

sábado, novembro 11, 2006


Escola, violência e risco

Imaginemos uma Escola frequentada por um aluno bem comportado, provenientede uma família exemplar, que educa primorosamente os seus filhos. São gente simples e comum e pais particularmente corteses e participativos; ele trabalha numa empresa privada, ela é funcionária pública. O rapaz mais novo, jovem adolescente tem, tal como a mãe e a irmã mais velha, uma figura franzina. Teve o azar de se encontrar numa turma com um um menino com pai e com avós - a mãe faltou-lhe - o destino prega destas partidas - sei bem o que isso é. Este menino não pode ser castigado - diz o pai - está em risco de suicício se fôr para casa reflectir uns cinco dias , que é o que ele está a precisar . Atestado médico confirmatório do médico psiquiatra não há, nem ninguém exigiu. A família também está demasiadamente ocupada para cuidar do seu rebento - a Escola e os colegas que se amanhem com ele. E há direcções escolares que fingem acreditar no pai, porque assim tudo se torna mais fácil.
Na verdade, a hierarquia foi pressurosa em dificultar ao máximo os procedimentos necessários à guia de marcha de um menino para casa com o objectivo de reflectir, em família, sobre o seu papel na sociedade.
Se o menino agredido, roubado, insultado, extorquido, maltratado, farto de o ser, farto de ter medo de ir para a Escola, baixar o seu rendimento escolar ou chegar a ter um acto de desespero, foi só um azar. Porque há os que dizem que se suicidam (raramente o fazem) e há os que se suicidam mesmo (raramente o dizem).
Afivelamos um ar pesaroso, compramos flores e dormimos todos o sono dos justos: do topo à base da hierarquia.

sexta-feira, novembro 10, 2006

(Neste Jardim à beira-mar plantado I, de João Garção)

Mais correspondência minha com Ruben Marks publicada no Diário de Notícias de hoje


Caro Ruben, reconheço que em matéria de conhecimento do sistema educativo sueco estou em desvantagem consigo. Vou então, estrategicamente, deslocar a discussão para latitudes em que a temperatura é um pouco mais amena. A situação da Educação em Portugal reflecte apenas o estado da sociedade portuguesa. Efeitos perversos do belíssimo acontecimento histórico de74, associados à democracia do sucesso dos anos 80 criaram em Portugal uma mentalidade de garantismo de direitos adquiridos que o fenómeno da globalização e as fragilidades estruturais do País estão a tsunamizar.
Esta filosofia do direito a tudo, da insuflação artificial da auto-estima, cimentada em literatura cor-de-rosa e cifrões (“Ó stôra, p’rakék’eu preciso dxtudari, s’o meu pai ganha mais c’à stôra a vender batatas?!?” - episódio autêntico) produziu uma geração de adultos, pais e professores, que não sabem muito bem como educar a sua juventude, o que é trágico. Somos ainda todos Altamente Especializados na profissão dos outros, mas deploravelmente incompetentes, negligentes e Salazarentamente Soberbos na nossa.
Dou-lhe ainda toda a razão, Ruben, quando afirma que os menos responsáveis são os meninos e que há figuras que um professor simplesmente não deve permitir-se fazer, como chamar nomes à sua Ministra em público, o que não o impede de se manifestar civicamente: a modelação é importante em educação. O problema é que, durante todo o Verão, foi orquestrada contra os professores uma campanha de denegrição para preparar medidas que inevitavelmente tinham de ser tomadas. Do ponto de vista da autoridade natural do adulto cuidador que o jovem deve ter como princípio essencial foi lastimável.
O insulto é um caminho perigoso e sem retorno, os comportamentos modelam-se e a sabedoria portuguesa avisa que quem com ferros mata, com ferros há-de morrer.
Bem-haja por debater estes temas, Ruben. Há muito para debater e o Ruben já é, afinal, um dos nossos. Por exemplo, não é verdade que, ao terminar uma licenciatura, alguém esteja preparado para a docência. Aliás, estamos com sérios problemas na formação inicial dos docentes, diagnosticados por diversos estudos e pela evidência empírica: os jovens candidatos a professores não sabem, por exemplo, explicar a essência da sua função. Por outro lado, a progressão fundamentada na avaliação do desempenho parece-me um princípio mais razoável que a progressão automática, mas sobre esta matéria a Lei tem monstruosidades que nos levam a pensar em exportar legisladores para a Sibéria ou para o Alaska, onde causarão menos estrago, mas a responsável política pela sua publicação é a Sra. Ministra.Por aqui me fico hoje. Até breve, Ruben.


"Não façam trocadinhos
com a minha profissão!"


O meu director precisa de gente para completar as necessidades de recursos humanos na equipa de ensino especial da Escola e lá entendeu que eu tinha formação e perfil para o efeito.
O pedido de mobilidade seguiu no dia 20 de Outubro para as instâncias competentes e ainda anda em trânsito “ Faculta-me o ofício” pedi e logo no dia seguinte – mera coincidência – tive de, com grande urgência, fazer uma declaração de aceitação que já pôde ir de fax. Ele há dias em que comunicar é de auto-estrada, ele há outros em que o caminho é de cabras. Com a fotocópia do ofício em punho, comecei a fazer telefonemas: 1º. Telefonema: Direcção Regional: que o assunto já estava de saída. Para onde? Desde que data? A informação é-me negada. Segredo deontológico (sic) foi a argumentação. Mas eu também tinha deontologia e não me parecia bem estar meses a leccionar turmas, que haveria de ter que largar.
Segue-se o 2º. Telefonema: para CAE. Posso falar com o Dr. Manuel Rocha? Aí a deontologia refina: Que não senhora, que estava muito ocupado. Resolvo telefonar-lhe todos os dias só para testar o grau de ocupação.
Está a parecer-me que há umas cadeiras nos serviços centrais a precisar de uma vassourada para desobstruir o trânsito. Tipo “segue, segue, segue, não vira e vai dar uma ganda volta” para a tua Escola, antes que o mofo se instale. Digo eu, que tenho a mania das limpezas e de arejar espaços de baixa circulação. E “não façam trocadinhos com a minha profissão”.


Uma aula de substituição

Carregada de dossiês com trabalho a meio, livro de ponto e pasta, lá atinei com a sala. A professora de EV faltara e eu ia substitui-la.
A pesada “folha de serviço” da turma do 9º. Ano aconselharia uma escolha prudente do professor de substituição que, em princípio, já deveria conhecer as sinergias da turma e os líderes da asneira. Felizmente, a substituição calhou numa hora em que eu estava de serviço, em vez de algum jovem professor que, incauto, caísse no circo de feras.
Abri a porta dos alunos, apresentei-me e mandei entrar. Galhofa, dichotes e protestos:
- Só me faltava mais esta...não nos bastava a besta da M. (a professora ausente).
Sempre à porta, procurei estabelecer diálogo, dizendo:
- Preparei uma aula de observação do aproveitamento das águas no pátio e gostava de ver os dados que somos capazes de recolher. Na realidade, havia gasto mais de duas horas na preparação desta aula, sempre com o intuito de utilizar o método científico, já que – diz-se, mas eu não acredito – os nossos meninos são avessos às Ciências.
Quando já haviam decorrido seis minutos de “diálogo”, mudei de estratégia:
- Têm um minuto para entrar.
Metade da turma entrou, a outra metade ficou lá fora, hurrando e dando murros e pontapés na porta. Na sala, a grande algazarra prosseguiu. Procurei sem êxito que o meu silêncio os acalmasse. Chamei a delegada de turma, pedi-lhe que me apresentasse a turma e que conferisse comigo o número dos alunos em falta, entre risadas e berros. Perguntei qual o professor em falta e um aluno respondeu que “foi a M., não conhece?”. “Só conheço a professora R e gosto muito dela”.
De repente, batem de novo à porta, num som ajustado. Um aluno, chamemos-lhe J, pede-me educada e simpaticamente para entrar, ao que acedo. Um outro aluno, chamemos-lhe E, pergunta grosseiramente, porque não entrava ele também. Respondo-lhe que entrará se me pedir com maneiras; pediu e entrou.
J. pergunta-me qual a disciplina que lecciono e respondo-lhe; é então que me pede que fale um pouco Inglês, ao que acedo. J. aquilata: “Tem uma excelente pronúncia”; Agradeço o apreço e pergunto-lhe se prefere sotaque à Príncipe Carlos ou à Alabama e exemplifico ambos. Escolhido o Príncipe Carlos e aproveitando a onda, sugiro que, dado o adiantado da hora, reflictamos um pouco sobre o que é ser estudante. What is to be a student?, registo em letra grande no quadro, que divido ao meio, para que cada um venha pôr, do lado esquerdo, as suas dúvidas sobre vocabulário, a que outros responderão do lado direito. Mal sabem usar o quadro. Apago as primeiras interrogações e desenho linhas horizontais, para que tudo fique mais legível. Olho em redor. Não há regras de aula visíveis e as mesas de trabalho dos estudantes estão em desorganização total.
- Em cima da mesa – acrescento – deixam apenas uma folha de papel e um lápis. Tudo o resto vai para dentro das mochilas. A maioria dos alunos acata com rapidez a indicação, mas uma entre eles atira:
- Issékérabom! Escrever em inglês numa aula de substituição! Ólhamésta!
Respondi pausadamente que ela iria ter em cima da mesa apenas uma folha de papel e um lápis. Sei que a organização do espaço de trabalho é uma aprendizagem a que as professoras do primeiro ciclo dão particular importância. A aluna continuou no mesmo tom. Três vezes repeti a indicação, três vezes se negou a cumpri-la. Até que eu lhe disse que, um minuto depois, tudo o que estivesse em cima da sua mesa, para além do papel e do lápis, seria retirado, fazendo com a mão um gesto do centro da mesa para o extremo direito, em direcção ao chão. Esperei um minuto olhando para o relógio, ao fim do qual apliquei o gesto. A mochila foi ao chão. A aluna voltou a pôr a mochila em cima da mesa, a mochila ao chão voltou. Entretanto, entre a primeira e a segunda verificação prática da Lei da gravidade, uma outra aluna sugere-lhe, de modo que eu oiça: “ Se fosse a ti ia-me já embora”. Respondi-lhe que quando chegasse ao pé dela, a sua mesa teria de estar conforme as instruções. Depois do segundo tombo, a mochila foi posta no devido lugar e primeira menina começou a produzir texto. À outra, disse-lhe que só tinha meio minuto para se organizar. Nova verificação prática da Lei da gravidade. Lembrei à aluna que era livre de fazer o que sugerira à colega e ela saiu. Aí o trabalho começou. Finda a aula, recolhi as reflexões e participei o comportamento da turma a quem de direito. Quando cheguei a casa, a tensão arterial estava a 220-123.
Nas duas semanas seguintes fui indagando sobre se o assunto tinha sido tratado com a turma, mas aparentemente o tempo escasseou para o efeito. Ao invés, primeira a ser chamada à direcção da Escola fui eu: Que não podia ser, que tinham caído ao chão com dano uns materiais evidentemente escolares e uns paizinhos candidatos a indemnizações de um telemóvel e um i-pod. … Ai pode, pode, pensei e disse.
Um mês depois, ainda há uns brincalhões da turma que se vão pôr à espreita da minha aula. Já terão ouvido que sou uma pessoa bem disposta? Ou o problema continua mal resolvido?
E quando o hipotensor não der para as encomendas? Quem é que paga a factura do estrago? Como ninguém perguntou, pergunto eu.

segunda-feira, novembro 06, 2006



João e Idalina
Bom dia! Estamos no Centro de Recursos. É segunda-feira e estamos a ter aula de TIC. O João tem olhos azuis e doze anos e a Idalina está despenteada.
O João quer jogar um jogo e a Idalina diz que sim, mas só no fim da aula de TIC.
Será que os pais do João nos deixam tirar uma fotografia, juntos para colocar no blogue da Idalina? O João acha que sim, mas a Idalina tem de pedir autorização. Deixam pais? Sim? Sim? A Idalina diz que o João tem uns olhos onde lhe apetece nadar. O João diz que "Tudo bem!" E abre um sorriso de orelha a orelha. É um sedutor. Já pode jogar o jogo.

(Post Scriptum às 17 horas: texto escrito a quatro mãos, com uma perninha do João em cima da perna da Idalina)

domingo, novembro 05, 2006


Júlio Dinis em versão pós-moderna


Ó Xô Reitori!
Quando é que Bocência me marca a defesa da tese de doutoramento?!?
Já lá vão três meses que a entreguei e só agora é que a minha Profinha recebeu oficialmente uma das 15 cópias?
Istéké o proçexo de Bolonha? Hein?!?
E porque é que as 15 cópias têm de ser em papel, cada uma com quase 700 páginas? Tive de mobilizar a família para os entregar (o cão estava com gases, havia de ser uma vergonha). E mais um CD?
Ninguém ainda ouviu falar de poupança de energia, e tal, que uns CD sempre se podem reciclar em candeeiros?...
Segue, segue, segue, que para o lado da reitoria, quando se volta à esquerda, vai-se para o Toxinas, em Medicina, e eu não tenho boina de orelhas.

A sua pupila Idalina

(Os pupilos de hoje são uns insurrectos! Quando jobens andaram à pancada aos gorilas na nimberxidade, os gorilas faziam UH! UH! UH!, do lado de lá, as raparigas de Letras faziam Ah! Ah! Ah!, do lado de cá. Vá lá, que naquele tempo ainda havia gente com juízo e o Prof. David Mourão Ferreira lá conseguiu pôr água na fervura e poupar-nos umas marretadas. O Prof. Cintraé que não se safou, num dia mais difícil em que até bilhas de gás voaram, a levar umas pantufadas. E depois iam a correr alameda abaixo, de maratona à frente do capitão Ferreira e sus muxaxus, gente fina, e deitavam papelinhos contra a guerra nas casas de banho, que naquele tempo não havia SMS. Agora põem-se armadas em finas a fazer cronicazinhas pró Publico com queixinhas dos borbulhentos. Sois umas inbejosas e até pondes o Zé-Pedro Gomes a fazer números com elas, e tal... Bócês aí, ó jobens, pensais que nós perdemos o noxo xentido d'humor, é? K num temos é borbulhas, é? k n1 xabmus xcrbr p'rá net? É k'u Dior tapa as gelhas (ide ao dicionário, bá, ide!) e outras imperfeições da cútis(boltai ao dito), sabeis? Ora tomem! Pensais que tendes direito de assustar belhinhas, é? Ora ide! Ide ali p´ro jacuze!(Esta não, que é do Emile Zola e homem ainda m'akusa de plágio!).
Nota: Jacuzi é como eu chamo à sala para onde os meninos são encaminhados, quando se portam mal.

sábado, novembro 04, 2006

Girassóis, Sylvio Paiva, 1998

Caríssima Dora,
As sementes de girassol que me ofereceu num dos dias em que aqui estivémos a fazer a revisão final da sua tese de Mestrado já florescem e resistem, radiantes e resilientes , como você, às intempéries do equinócio. Contei-as hoje: três abertas, como que a comemorar o seu sucesso e 23 em botão. Quando é que me manda as fotografias do BIG DAY, mesmo que estejam tremidinhas pela mão do pai mais querido e mais baboso?
Vá, que aquelas cavaquinhas únicas que me trouxe de Maçon City custaram-me umas boas horas extra de malhação...

Washington Allston. Falstaff Enlisting His Ragged Regiment at Justice Shallow's, c. 1806-08.

Sir John Falstaff


Uma das personagens mais complexas e intrigantes da dramaturgia Shakespeareana é a de Sir John Falstaff.
Como é que um sujeito decadente, comilão, alcoólico, mentiroso, cobardola, gorduroso, que acompanha com a escória social pode tornar-se a mais simpática e interessante de todas as personagens da obra de Shakespeare, a ponto de a rainha ter insistido na sua continuidade em Merry Wives of Windsor? O seu perfil varia consoante as peças e é mais político numas que noutras.
É mais repugnantemente cobarde em Henry IV e mais repugnantemente lúbrico na comédia. Sendo cavaleiro, vive ali no limbo social das tascas e casas de mau caminho, em ruas esconsas por onde a gente de bem não transita. Ainda assim, mesmo sem réstia de dignidade ou pudor, mantém com o Príncipe uma proximidade mal vista pelo Rei e é nessa ligação ao lado “certo” da vida que, linguisticamente, entendemos a dimensão da sua duplicidade e da sua decadência.
A época de Shakespeare é marcada por um extraordinário enriquecimento linguístico baseado na introdução maciça de neologismos de origem latina que perpassam nas personagens “nobres” e “educadas” da obra de Shakespeare. Estamos num período em que, em termos de mudividência e culturais o velho e o novo mundo se vão digladiando e incorporando e, como a obra de Shakespeare tão brilhantemente ilustra a cada passo, em que cada um tem afinal de escolher o seu lugar. São tempos politicamente difíceis.
A morte do Rei e a ascensão do jovem Príncipe constituem afinal esse momento de ruptura, em que o brigão decadente entra finalmente em desgraça e implora:

“my King, my Jove! I speak to thee my heart” (2H4 5.5. 46)!

Ao que o jovem Rei responde com desprezo:

“I Know thee not, old man . . .
When thou dost hear I am as I have been
Approach me, and thou shalt be as thou wast,
The tutor and feeder of my riots.
Till then I banish thee, on pain of death” (2H4 5.5. 45, 60-63)





quinta-feira, novembro 02, 2006

Um objectivo que a filosofia do nosso sistema educativo não comptempla:

Pensar criticamente
(uma competência essencial ao cidadão do Séc. XXI)


“Critical thinking is the essential foundation for education,
because it is the essential foundation for adaptation
to the everyday personal, social and professional
demands of the 21st Century and thereafter.”
Paul, (1995, xi)

O pensamento crítico e a forma de o ensinar tem vindo a tornar-se em objecto de estudo de há um século a esta parte; de facto John Dewey é considerado o percursor do movimento do pensamento crítico em educação, por ter explorado o conceito de pensamento reflexivo, que definiu nestes termos:

“Apreciação activa, persistente e cuidadosa de uma crença ou forma de conhecimento à luz dos argumentos que a sustentam e das conclusões para as quais tende.” (Dewey, 1909, p. 9).


Nesta definição de Dewey, o carácter activo do processo remete para a capacidade de o indivíduo pensar, questionar, recolher informação por si próprio; por persistente e cuidadoso, entende-se que o processo de decisão sobre o que pensar, seja fundamentado em motivos e implicações criteriosamente sopesados.
Nesta tradição surge, anos mais tarde, a definição de Glaser (1941, p. 5:

“O pensamento crítico exige o esforço persistente de examinar cada crença ou forma de conhecimento à luz de provas que a sustentam e de conclusões para as quais tende.”

A definição de Glaser é muito idêntica à de Dewey, distinguindo-se essencialmente a substituição de “à luz dos argumentos” por “à luz de provas”, mas Glaser refere-se igualmente a “uma atitude ou disposição para considerar cuidadosamente factos e problemas” através da “pesquisa e do raciocínio” (enquiry and reasoning) . A tradição retoma estes dois componentes e reconhece que o pensamento crítico é uma questão de competências de raciocínio e de disposição para as utilizar.
Mais recentemente, o movimento para a sociedade da informação tem dado particular relevância ao bom pensamento como elemento crucial para um capaz desempenho pessoal e profissional (Huitt, 1993; Thomas & Smoot, 1994).
Esta mudança de paradigma social e cultural requer que a capacidade para pensar seja uma preocupação da educação: a capacidade de obter bons resultados em testes de competências básicas deixou de ser a única forma de avaliar as competências dos estudantes.Todavia, o conceito de pensamento crítico tem sido utilizado de uma forma pouco clara e sistemática, para um termo tido como essencial a uma forma sólida de pensar e de expressar o pensamento.
Por outro lado, para ensinarem os alunos a pensar criticamente, seria necessário que os professores fossem, eles próprios, pessoas reflexivas.

quarta-feira, novembro 01, 2006



Provavelmente...

A MAIS CONTRADITÓRIA, INSENSATA, IMBECIL, DESPROPOSITADA, DESESPERADA E ARREBATADORA DECLARAÇÃO DE AMOR DA HISTÓRIA DA LITERATURA (da que eu já li, é certamente)

Na voz, na expressão, no desempenho de Colin Firth: flashback aos sentimentos arrebatados da adolescência. Graças a Deus, ainda os conservo! Mil vezes já vi esta cena, mil vezes voltaria a vê-la.)



"In vain have I struggled. It will not do. My feelings will not be repressed. You must allow me to tell you how ardently I admire and love you.''


Jane Austen, Pride and Prejudice, 1813


Balancete (porque hoje é feriado)

(Com o Outono Dourado de Levitan)



Desde que reformulei o blogue já tive visitantes dos Estados Unidos (um sítio qualquer sobre propriedade intelectual - no problem), da Suíça e do Reino Unido (devem ter caído aqui por causa da palavra grega).
São sobretudo os meus visitantes de Portugal que mais curiosidade me suscitam: que terão vindo fazer? Ter-se-ão enganado na via? Que expectativas traziam? Em que medida as terei gorado? Eu gosto de receber visitas. Tenho tido visitas do Cacém, da Parede, de Lisboa, do Porto, de Almada, Seixal, Setúbal, Terrugem, Montijo, Santarém, Porto...
Hello!!! Anybody outhere? This is a strange kind o'feeling.
Digam qualquer coisa, comentem, desafiem, perguntem.


Mais uma carta minha no Público,
publicada em 31 de Outubro de 2006
(Bem haja, Público! Saravah!)




Pela sua saudinha, Sra. Ministra, com essa das oito horas é que V. Exa. acaba comigo!
Ainda Outubro não chegou ao fim, já a médica de família me pôs a antibiótico, a xarope, a ventilador e a anti-histamínico – em casa e nada de ginásio! Esta é a cereja azeda em cima do bolo cediço. Ó Dra., pronto, eu vou para casa na 6ª. Feira para ver se descanso no fim-de-semana. Mesmo assim, mandei as planificações e intervenções em Conselho de turma por mail.
Eu já nem sonho sequer usar assim os modelitos que V. Exa. usa nos debates televisivos – o vermelho fica-lhe aliás muito bem – até porque aquele menino que se senta lá no fim da aula, de vez em quando esconde-se debaixo da mesa, ou vira a mesa de lado e esconde-se atrás dela e eu tenho de me ir lá sentar com ele, com o meu caderno em punho, para lhe ouvir as reivindicações e entrarmos em negociações, os dois com ar muito compenetrado. Varro a turma com aquele olhar, quem se rir ou comentar vai para o jacuzzi, como eu chamo à sala para onde vão os meninos que se portam mal, marco exercícios enquanto decorrem as negociações, que habitualmente são curtas e chegam sempre a termos razoavelmente justos para todas as partes, em que eu nem sou parte litigante, mas apenas, perdoe-se-me a comparação, uma espécie de Sérgio de Vieira de Melo de saias, espero que com um fim menos trágico, com a ajuda de V. Exa.
V. Exa. não se incomode comigo: tenho 54 anos e, apesar do meu síndrome metabólico, como "malho" umas horas por dia, ainda tenho flexibilidade bastante para me sentar no chão, mas já agora gostava de chegar a Fevereiro com alguma saúde mental e a pouca física que me resta, para defender a minha tese de doutoramento. Deixa-me descansar um bocadinho pelo Natal, Sra. Ministra? E já agora pelo Carnaval? Uns diazinhos pela Páscoa, para efeitos culturais (um professor deve investir na sua cultura, e eu invisto bastante, creia). Bem-haja. Ficar-lhe-ei eternamente grata. A sério.